Advocacia de Família X Inteligência Artificial

A área do Direito de Família sempre exigiu um profundo entendimento das nuances das relações humanas. É um campo no qual as histórias pessoais se desdobram em processos legais complexos, como divórcio, guarda de filhos e pensão alimentícia. No entanto, à medida que a tecnologia avança, a inteligência artificial começa a desempenhar um papel cada vez mais importante neste campo, trazendo uma nova perspectiva para a análise de casos.

A grande promessa da inteligência artificial é sua capacidade de analisar grandes volumes de dados em tempo recorde. No contexto do Direito de Família, isso pode significar uma análise mais rápida e precisa de informações relevantes em casos de divórcio, guarda de filhos e pensão alimentícia. A IA pode auxiliar os profissionais a identificar precedentes legais, tendências judiciais e decisões passadas que podem ser relevantes para um caso específico.

No entanto, é importante lembrar que a IA não substitui a sensibilidade humana. A essência do Direito de Família reside nas histórias únicas e nas emoções das pessoas envolvidas. A IA pode ser uma ferramenta poderosa para auxiliar os advogados, mas a análise dos casos concretos ainda requer a compreensão das complexidades emocionais e sociais que estão intrinsecamente ligadas às questões familiares.

Portanto, a utilização da inteligência artificial no Direito de Família deve ser vista como uma parceria entre a tecnologia e os profissionais da área. A IA pode fazer a triagem inicial, identificar padrões e fornecer insights valiosos, mas cabe aos advogados aplicar seu conhecimento e compaixão para aconselhar e representar seus clientes de maneira eficaz.

Em resumo, a inteligência artificial está transformando a advocacia de família, tornando os processos mais eficientes. No entanto, a análise de casos individuais continua sendo uma habilidade fundamental dos profissionais do Direito de Família, que devem equilibrar a tecnologia com sua compreensão das complexidades humanas. A integração inteligente da IA nesse campo promete um futuro mais justo e acessível para todos os envolvidos em questões familiares delicadas.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Sharenting

Sharenting é um termo em inglês criado a partir de duas palavras: share, que significa compartilhar e parenting que significa paternidade.

Com o aumento do uso das redes sociais por todas as pessoas, é comum que pais postem imagens de seus filhos sem se atentar ao fato de que aquela exposição pode ser prejudicial ou pode gerar riscos à segurança das crianças e adolescentes. Em muitos casos os pais podem fazer isso sem intenção de prejudicar os filhos, certamente, mas a exposição, por si só, pode trazer consequências sérias. Em outras circunstâncias, os pais podem também acabar perdendo o controle sobre o conteúdo que vem sendo mostrado (visando somente benefícios próprios), sem se perguntar se a criança aprovaria aquela exibição.

A discussão sobre o assunto tem se tornado frequente e acalorada. Atualmente, a situação envolvendo a jovem Larissa Manoela foi exposta nacionalmente, dando ensejo inclusive à elaboração de um Projeto de Lei que leva o seu nome. Isso porque, quando criança, ela foi muito exposta em meios de comunicação e isso virou sua profissão. No entanto, aparentemente, foram somente os pais que se beneficiaram com isso e ela, agora adulta, encontrou dificuldades para voltar a manejar o patrimônio conquistado com seu trabalho - que foi, durante muito tempo, administrado pelos genitores.

Para entender melhor o sharenting nesse âmbito do trabalho artístico-juvenil (embora haja riscos advindos em outros setores também), convidamos a Júlia Vianna(1), nossa colega de trabalho junto ao Ministério Público Estadual do Paraná, que há algum tempo estuda este tema, para escrever um artigo explicativo — que você confere abaixo!


Quanto vale um like: o sharenting e os impactos da superexposição dos filhos na internet
Júlia Vianna. Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná. 

Em uma geração conectada à internet, ficar offline não é uma opção. É nesse contexto de exposição que nasce o sharenting, conjugação das palavras em inglês “share” (“compartilhar”) e “parenting” (“parentalidade”). O termo define o comportamento de compartilhar exacerbadamente fotos, vídeos e dados de seus filhos na internet, ocasionando ameaça ou lesão aos seus direitos(2).

Obviamente, não é toda postagem envolvendo seus filhos que caracteriza o sharenting. Essa conduta tem espaço quando evidenciada uma violação às garantias da criança e do adolescente, razão pela qual pais e mães devem tomar cuidado redobrado quando compartilham dados ou a imagem de seus filhos na internet. O art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados, inclusive, é claro ao determinar que “o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente”, fazendo alusão ao ECA.

Embora ainda não haja regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, a análise dos casos concretos deve observar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, garantindo que lhes sejam respeitados os direitos à privacidade, intimidade e imagem, assim como os demais decorrentes da personalidade do sujeito, assegurando a sua dignidade humana(3).

Especificamente sobre o direito à privacidade, enquanto direito personalíssimo e fundamental - arts. 11 a 21 do Código Civil e art. 5º, inciso X, da Constituição Federal -, questiona-se sobre o desejo da criança em divulgar sua imagem publicamente e de forma exorbitante. Crianças e adolescentes são pessoas de direitos e possuem vontades que devem ser respeitadas, quando assim expressas.

Veja-se que o conteúdo compartilhado fica à disposição de todos e se eterniza na internet, considerando o fenômeno da globalização, e jamais poderá ser extinto, vez que, mesmo após deletado, continuará armazenado dentro da plataforma de divulgação. Sobrepõem-se, portanto, o direito de privacidade da criança ao direito de liberdade dos pais, questão que deve ser sopesada com razoabilidade, tendo em vista que os menores de idade devem ser protegidos de maneira integral e prioritária.

Não podemos ignorar que a questão envolve garantias de pessoas ainda em desenvolvimento psicológico, que poderão estar sujeitos a comentários depreciativos decorrentes da exposição causada por seus familiares. Dessa forma, os detentores do poder familiar devem ter consciência dos malefícios da superexposição dos filhos nas redes sociais, o que inclui a submissão destes à críticas constantes, perda da infância, adultização e até erotização precoce.

Além disso, no mundo dos influenciadores digitais e da monetização de postagens nas redes, é reprovável a conduta de pais que veem o conteúdo criado por seus filhos como uma forma de rápida ascensão pessoal e financeira, explorando a imagem da prole somente para esse fim. Evidente que o surgimento de influenciadores mirins acaba atraindo o interesse de pais e filhos, mas é relevante mencionar que qualquer lucro proveniente das atividades de crianças e adolescentes no âmbito digital a eles deve pertencer. Aos pais cabe o dever de administração desse patrimônio, nos termos dos arts. 1.689 e seguintes do Código Civil, sem afastar eventual obrigação de prestar contas, conforme já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.623.098/MG(4).

Essa possível lucratividade e profissionalismo dos pequenos gera discussões, inclusive, no âmbito do Direito do Trabalho, tendo o Conselho Nacional de Justiça reunido juristas para debater o trabalho artístico infanto-juvenil no mundo digital, tendo em vista que crianças que viralizam na internet atraem maior atenção das empresas, incentivando a propaganda para outras crianças.

Nesse contexto, entende-se que o compartilhamento dos dados dos filhos deve ser comedido e razoável, resguardando os seus superiores interesses, sendo certo que eventual abuso do direito de liberdade dos pais é passível de sanção, por configurar descumprimento do dever de cuidado inerente ao poder familiar(5).

 


(1)Júlia Vianna. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná – atuando na área de Família e Sucessões.
(2)EBERLIN, Fernando Buscher von Teschenhausen. Sharenting, liberdade de expressão e privacidade de crianças no ambiente digital: o papel dos provedores de aplicação no cenário jurídico brasileiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 259. Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/4821/0. Acesso em 14 ago 2023.
(3)ROSA, Conrado Paulino da; SANHUDO, Victória Barboza. O fenômeno do sharenting e a necessidade de regulamentação jurídica dos casos de exposição demasiada de crianças e adolescentes na internet pelos pais. In: GHILARD, Dóris (Org.). Tecnologia, família e vulnerabilidade: novos olhares no Brasil e exterior. Florianópolis: Habitus, 2021, p. 47-74.
(4)REsp n. 1.623.098/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 23/3/2018.
(5)TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MULTEDO. Renato Vilela. (Over)sharenting e o abuso da conduta dos pais no ambiente digital. In: SANCHEZ, Patrícia Corrêa (coord.) Direito das famílias e sucessões da era digital. Belo Horizonte: IBDFAM, 2021, p. 335.

Sucessão colateral: irmãos unilaterais e bilaterais herdarão de forma igual?

Sucessão é um tema complexo e cheio de variáveis. É sabido que filhos, netos, pais, avós, cônjuges… podem ser herdeiros. Mas, quando a pessoa falecida não deixou nem descendentes, nem ascendentes, nem cônjuge ou companheiro(a) e nem testamento, quem herdará o patrimônio? Os irmãos!

Eles podem ser bilaterais, quando são filhos do mesmo pai e da mesma mãe; ou unilaterais, quando têm apenas um genitor em comum. E, segundo o Código Civil, esta diferenciação tem efeitos para fins de sucessão.

O artigo 1841 do Código Civil prevê que, “concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”. Ou seja, irmãos bilaterais herdarão o dobro do que caberá aos irmãos unilaterais. Haja conta!

Além da dificuldade de calcular os quinhões de cada herdeiro irmão, há outra questão que chama atenção: esta regra é constitucional? Há quem entenda que sim e quem entenda que não.

Quem entende ser inconstitucional afirma que diferenciar irmãos bilaterais de unilaterais ofende o artigo 227, §6o da Constituição Federal, que proíbe “quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Nesta mesma ótica, está em trâmite o Projeto de Lei n. 7722/2017, que pretende alterar o artigo do Código Civil “para estabelecer a igualdade entre irmãos bilaterais e unilaterais na herança do falecido”.

Acompanhe o andamento do Projeto clicando aqui.

Por outra perspectiva, a constitucionalidade é defendida considerando que existe uma diferença de fato entre irmãos bilaterais e unilaterais, o que justificaria tratamento sucessório desigual.

Essa interpretação parte da ideia de que a existência de dois genitores em comum garante o dobro do direito hereditário em relação ao irmão com um único genitor em comum. O raciocínio assemelha-se, portanto, ao do direito de representação: o irmão recebe o que, em tese, deveria ser do(s) genitor(es) em comum.

Ainda não há um posicionamento dos Tribunais Superiores a respeito deste tema. Portanto, se você é ou defende os interesses de irmão unilateral neste contexto, essa é uma opção de tese jurídica para buscar, judicialmente, a equivalência dos quinhões hereditários em relação aos irmãos bilaterais. Há vasta doutrina que sustenta este entendimento, mas os Tribunais Superiores ainda não se posicionaram sobre o tema.

Por outro lado, caso se entenda pela constitucionalidade e aplicabilidade do artigo 1841 do Código Civil, uma equação pode ajudar no cálculo dos quinhões hereditários, especialmente para aqueles casos em que são vários os irmãos, bilaterais e unilaterais, que concorrerão à partilha.

Exemplo:

Herança de R$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) a ser dividida entre 4 irmãos bilaterais e 3 unilaterais.

3x + 2(4x) = 350.000

3x + 8x = 350.000

11x = 350.000

x = 350.000/11

x = 31.818,18

Significa que cada irmão unilateral receberá R$31.818,18, enquanto cada irmão bilateral receberá o dobro, R$63.636,36.

Contraprova:

Os 4 irmãos bilaterais receberão, juntos R$254.545,45

Os três irmãos unilaterais receberão juntos R$95.454,54

A soma total da herança recebida por todos os irmãos é de R$349.999,99

Portanto, cada irmão bilateral receberá o dobro do que caberá ao irmão unilateral, em respeito ao artigo 1.841 do Código Civil.

Se preferir calcular em percentual, basta considerar que “h” corresponderá a 100% da herança:

3x + 2(4x) = 100%

3x + 8x = 100%

11x = 100%

x = 100%/11

x = 9,0909%

Significa que cada irmão unilateral receberá 9,0909% da herança, enquanto cada irmão bilateral receberá o dobro, 18,1818%.

Ufa! Quem buscou o direito para fugir das exatas pode encontrar alguma dificuldade na aplicação do artigo 1841 do Código Civil. Esperamos que esta equação e os exemplos contribuam para otimizar sua atuação profissional!

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Arethusa Baroni
Laura Roncaglio de Carvalho 
Isabella Mady

Separação obrigatória: perguntas e respostas

Recentemente, fomos procuradas pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo para respondermos dúvidas relacionadas ao regime da separação obrigatória de bens. Nossas respostas foram publicadas em forma de artigo, e achamos válido compartilhá-las também por aqui, com nossos leitores que acompanham o Direito Familiar, neste formato de “perguntas e respostas”.

1. Em que consiste o regime da separação obrigatória de bens?

Assim como os demais regimes de bens, a separação obrigatória é conjunto de regras patrimoniais, aplicável na relação matrimonial e com efeitos também na sucessão. No entanto, diferente dos outros regimes de bens, a separação obrigatória é de aplicação impositiva. Ou seja, como o nome já diz, deve ser aplicado obrigatoriamente em determinados casos, independentemente da vontade daqueles que casarão. Isso porque há previsão legal de que este seja o regime estabelecido em determinadas situações.

De modo geral, durante o casamento, esta modalidade de regime funcionará da seguinte forma: cada cônjuge manterá o seu patrimônio individual. Não haverá, a princípio, bens comuns, ainda que tenham sido adquiridos durante o casamento. Apesar da semelhança, é importante saber que a separação obrigatória não é igual à separação convencional de bens. A primeira, como explicamos, é impositiva, por força da lei, já a segunda é uma escolha do casal. Além disso, há diferenças no tratamento jurídico (nas regras) de cada um destes regimes em relação à dissolução da relação, inclusive no que se refere aos efeitos sucessórios.

2. Quem é obrigado a se casar neste tipo de regime?

A imposição deste regime acontece nos casos em que i) um dos nubentes for o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e a partilha aos herdeiros; ii) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; iii) o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do ex-casal; iv) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas e v) quando um dos noivos contar com mais de 70 anos de idade ou for menor de 18 anos.

No entanto, a lei também prevê a que o regime impositivo seja afastado por decisão judicial, a pedido dos nubentes, se, nas hipóteses i, iii ou iv, restar comprovada a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge ou para a pessoa tutelada ou curatelada. Já na hipótese ii o afastamento do regime impositivo dependerá da prova de nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo de 10 meses.

3. Quais as motivações legislativas para este tipo de regime?

O intuito do regime da separação obrigatória é justamente evitar algum tipo de confusão patrimonial ou prejuízos a um dos cônjuges ou a terceiros. Por exemplo: se algum os cônjuges for divorciado, mas ainda não tiver realizado a partilha de bens da relação anterior, há risco elevado de existir confusão patrimonial caso a nova relação observe o regime de comunhão parcial de bens (que é o mais comum atualmente). E, neste exemplo, até mesmo o ex-cônjuge da relação anterior poderia ser prejudicado. Para evitar esta situação, em vez de impedir (proibir) que estas pessoas se casem, o legislador estabeleceu que o matrimônio poderá ser realizado, desde que se aplique o regime da separação obrigatória de bens.

Na hipótese de casamento de pessoas com 70 (setenta) anos ou mais, em tese o regime da separação obrigatória de bens se justificaria para proteger o patrimônio do idoso. No entanto, esta é uma questão muito polêmica, que, inclusive, será objeto de discussão pelo Supremo Tribunal de Federal.

4. Há direitos envolvidos na separação obrigatória de bens? Se sim, quais seriam estes?

Inicialmente, é importante deixar claro que todo o casamento ou união estável gera direitos e obrigações a ambos os cônjuges ou companheiros(as), independente do regime de bens. Por exemplo: na hipótese de divórcio, o direito de receber alimentos (pensão alimentícia) se comprovada a dependência econômica do cônjuge.

O regime de bens é o que definirá as regras, os direitos e obrigações, referentes ao patrimônio. E, em relação ao regime de separação obrigatória de bens, esta pergunta é tema de inúmeras discussões há anos. Isto porque, por um longo período de tempo, prevaleceu o entendimento de que os bens adquiridos durante a união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Neste caso, existiria o direito à meação em relação a tais bens. Esta situação está prevista na súmula 377 do STF, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Porém, inúmeras discussões vieram à tona em relação à presunção do esforço comum, uma vez que, presumir que os bens adquiridos na constância da união são comuns, faz com que o regime obrigatório assemelhe-se ao da comunhão parcial.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é necessária a comprovação de participação no esforço para a aquisição onerosa de determinado bem que se pretende partilhar, ou seja, a presunção deixou de ser aplicada (EREsp 1171821/PR). Portanto, dependendo do caso, os envolvidos poderão, ou não, ter direitos sobre eventuais bens.

Outro ponto interessante se refere à sucessão: pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória de bens não têm o direito de concorrer à herança do cônjuge caso este tenha descendentes (filhos, netos…). No entanto, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, seja concorrendo com os ascendentes daquele (pais, avós…) ou, se não houve ascendentes, receberá a integralidade do patrimônio.

5. O Supremo Tribunal Federal discutirá em breve se é constitucional o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e a aplicação dessa regra às uniões estáveis. Ao ver das senhoras, essa obrigatoriedade é constitucional? Ou o regime de bens não deve estar atrelado a imposições?

Está é uma questão bastante polêmica.

Como explicamos, a aplicação do regime de separação obrigatória nestas hipóteses se justifica, em tese, para proteger o patrimônio do idoso e a ele próprio, considerando que neste momento da vida eventual perda patrimonial teria impacto muito mais relevante. Também há quem entenda que a medida visa proteger patrimonialmente os descendentes do idoso, privilegiando esta relação familiar em detrimento da nova constituição matrimonial realizada após os 70 anos. A justificativa se sustenta no artigo 5º, inciso XXII e XXX da Constituição Federal, que alçam o direito à propriedade e à herança como fundamentais.

Por outro lado, esta justificativa parte da perspectiva de que a pessoa com 70 anos (ou mais) é cognitivamente vulnerável e, de certa forma, incapaz de autodeterminar-se livremente. Ou seja, a legislação neste termos pressupõe que este idoso não tem plenas condições de decidir sobre si próprio, o que ofenderia o princípio da dignidade humana (artigo 1º, III da CF), a vedação à discriminação contra idosos (artigo 3º, IV, CF), a proteção às uniões estáveis (artigo 226, §3º da CF) e o dever de amparo às pessoas idosas (artigo 230, CF).

Impor o regime de bens significa restringir a liberdade dos noivos. E, como toda a restrição de liberdade, é fundamental que haja uma justificativa sólida e consonante com o ordenamento jurídico pátrio. Portanto, entendemos que a discussão a ser enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal é muito relevante e necessária.

Sobre nossa opinião, entendemos que é Inconstitucional. É dever do Estado, previsto inclusive no Estatuto do Idoso, promover medidas de proteção patrimonial à pessoa idosa. No entanto, pressupor a incapacidade da gestão patrimonial em razão da idade para impedir o direito de escolha do regime de bens, significa promover discriminação etária. Entendemos que a resposta para esta questão não deve estar na restrição da liberdade de escolha, mas sim na promoção de uma escolha consciente.

Para tanto, nossa sugestão é permitir que o regime de separação obrigatória fosse afastado por meio de pacto antenupcial ou contrato de união estável. Neste caso, o casal conhecerá os regimes de bens, avaliará sua realidade e decidirá de forma consciente pelo que melhor se adéque. Evidentemente, é recomendado que haja orientação por um profissional especializado em Direito das Famílias.

Não sendo realizado o pacto antenupcial ou o contrato de união estável para o afastamento da separação obrigatória, ela será aplicada. Assim, entendemos que haveria um tratamento jurídico diferente para casamento de pessoas com setenta anos ou mais, mas isto não significaria uma restrição da liberdade de escolha e manteria o objetivo de proteção que foi o intuito do legislador.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Isabella Mady

O regime da separação obrigatória de bens (atualizações)

Assim como os demais regimes de bens, a separação obrigatória é conjunto de regras patrimoniais, aplicável na relação matrimonial e com efeitos também na sucessão. No entanto, diferente dos outros regimes de bens, a separação obrigatória é de aplicação impositiva. Ou seja, como o nome já diz, ela deve ser aplicada obrigatoriamente em determinados casos previstos na lei, independentemente da vontade dos noivos. Esta regra está colocada no artigo 1.641 do Código Civil.

De modo geral, durante o casamento, esta modalidade de regime funcionará da seguinte forma: cada cônjuge manterá o seu patrimônio individual. Não haverá, a princípio, bens comuns, ainda que tenham sido adquiridos durante o casamento.

Apesar da semelhança, é importante saber que a separação obrigatória não é igual à separação convencional de bens, já explicada no artigo “Regime da separação Total de Bens” (clique aqui). A primeira é impositiva, por força da lei, já a segunda é uma escolha do casal. Além disso, há diferenças no tratamento jurídico (nas regras) de cada um destes regimes, no que se refere à dissolução da relação, inclusive quanto aos efeitos sucessórios.

Veja a seguir os casos em que é aplicada a separação obrigatória de bens:

1. Quando o casamento é realizado por pessoas que, na realidade, não poderiam se casar:

a) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal

c) o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do ex-casal;

d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Importante esclarecer que, nestas situações demonstradas, o regime impositivo pode ser afastado a pedido dos nubentes se, nas hipóteses “a”, “c” ou “d”, for comprovada a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge ou para a pessoa tutelada ou curatelada. Já na hipótese “b”, o afastamento do regime impositivo dependerá da prova de nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo de 10 meses.

2. Quando um dos noivos (ou os dois) for maior de 70 anos:

Até o ano de 2010, esta idade era de 60 anos, quando então foi alterada a lei, passando a ser obrigatório este regime de bens para as pessoas maiores de 70 anos.

A imposição deste regime nestes casos, tem a intenção de proteger o patrimônio do idoso e a ele próprio, considerando que neste momento da vida eventual perda patrimonial teria impacto muito mais relevante. Também há quem entenda que a medida visa proteger patrimonialmente os descendentes do idoso, privilegiando esta relação familiar em detrimento da nova constituição matrimonial realizada após os 70 anos.

Esta norma é criticada por alguns operadores do Direito de Família, pois impede a pessoa maior de 70 anos de dispor livremente sobre sua vida e sobre seus bens. É importante ressaltar que a idade avançada, por si só, não é causa de incapacidade, não justificando, portanto, a necessidade de imposição do regime legal. Apesar disso, persiste a previsão legal.

A questão é polêmica e, inclusive, será objeto de discussão pelo Supremo Tribunal de Federal, que decidirá se a imposição do regime de bens da separação para pessoas com mais de 70 anos é constitucional ou não.

3. Quando o casal precisar de suprimento judicial para poder casar:

Este tipo de situação ocorre quando a pessoa menor de idade pretende se casar, mas não tem o consentimento de um ou de ambos os pais, necessitando, portanto, de uma autorização judicial para realizar o casamento. Se esta autorização judicial for concedida, o regime de bens será o da separação legal.

Maria Berenice DIAS1, referência para o Direito de Família, ensina que esta obrigatoriedade existe para mostrar a insatisfação do legislador (aquele que faz a lei) com aqueles que se casam mesmo quando a lei sugere que não o façam, impondo assim, alguns “castigos” em relação ao patrimônio do casal.

Vale acrescentar que, desde março de 2019, pessoas com menos de 16 anos não podem casar sob nenhuma circunstância.

Menores de idade podem se casar? Confira o artigo sobre o assunto (clique aqui).

Assim, conforme dito acima, durante a relação o regime da separação obrigatória de bens funcionará de forma semelhante ao regime da separação total de bens (clique aqui).

Ao longo dos anos houve muita discussão a respeito das regras aplicáveis na dissolução das relações regidas por este regime de bens.

Por um longo período de tempo, para evitar que um dos cônjuges enriquecesse às custas do outro, prevaleceu o entendimento de que os bens adquiridos durante a união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Neste caso, existiria o direito à meação em relação a tais bens. Esta situação está prevista na súmula 377 do STF, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Porém, inúmeras discussões vieram à tona em relação à presunção do esforço comum, uma vez que, presumir que os bens adquiridos na constância da união são comuns, faz com que o regime obrigatório assemelhe-se ao da comunhão parcial.

Regime da Comunhão parcial de bens – clique aqui para ler.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é necessária a comprovação da participação no esforço para a aquisição onerosa de determinado bem que se pretende partilhar, ou seja, a presunção deixou de ser aplicada (EREsp 1171821/PR). Portanto, dependendo do caso, os envolvidos poderão, ou não, ter direitos sobre eventuais bens.

Outro ponto interessante se refere à sucessão: pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória de bens não têm o direito de concorrer à herança do cônjuge caso este tenha descendentes (filhos, netos…). No entanto, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, seja concorrendo com os ascendentes daquele (pais, avós…) ou, se não houve ascendentes, receberá a integralidade do patrimônio.

Embora haja certa discussão sobre alguns aspectos da separação obrigatória de bens, sendo a sua aplicação justa ou não, essas são as regras contidas na lei em relação ao referido regime de bens até o presente momento. Caso haja alguma novidade sobre o assunto, atualizaremos este artigo!

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho 

Isabella Mady

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1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

TJDFT decide: ex-cônjuge não é obrigado a dividir gastos de cachorro com o qual não convive

No artigo “Guarda de animais de estimação” (clique aqui), explicamos que no Brasil, ainda não há uma legislação específica para regulamentar tais situações, envolvendo os cuidados com animais de uma família depois da eventual ruptura das partes. O projeto de lei nº. 542/2018, que versa sobre a matéria, está em trâmite.

Apesar disso, em muitos casos a jurisprudência vem antes da legislação, pois as questões chegam ao Judiciário, que precisa decidir sobre tais demandas, mesmo não havendo previsão legal específica.

Volta e meia, nos deparamos com notícias sobre casos envolvendo os animais, isso no âmbito do Direito de Família.

Recentemente, a 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT negou, em unanimidade, o pedido realizado por uma mulher para que seu ex-marido fosse obrigado a dividir gastos com cachorro com o qual não convive mais.

O animal de estimação, portador de leishmaniose, era de propriedade de ambos enquanto casados, porém a desarmonia entre o ex-casal impossibilitou a convivência do réu com o cachorro.

A autora alegou que possui diversas despesas com o animal e que, durante o casamento, o casal não media esforços para proporcionar o melhor tratamento e atender todas as necessidades do cachorro, devendo tal comportamento continuar após o divórcio.

Segundo o réu, a autora exigiu pagamento de um alto valor pelo cachorro e suas despesas. O homem concordou em pagar as despesas até o divórcio e, depois disso, mencionou que arcaria somente com o tratamento da leishmaniose.

Ele reforçou, porém, que a autora estava negando o acesso dele ao animal, motivo pelo qual renunciou ao seu direito de condômino, isentando-se do pagamento de dívidas (art. 1316 do CC).

No entendimento da Turma, diante da inviabilidade do compartilhamento do convívio e da falta de regulamentação da propriedade do animal na partilha de bens, incumbe àquele que assumiu sua posse exclusiva após o divórcio a integralidade das despesas com seu custeio.

Considerou-se, pois, que o animal seria um bem que não chegou a ser partilhado, mas quem manteve a sua posse ficou responsável por arcar com suas despesas.

Processos que envolvem animais de estimação estão cada vez mais comuns. Muitos falam em humanização dos bichos. Qual sua opinião sobre o assunto?

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho 

Isabella Mady

Perguntas e respostas: vacinação de crianças contra a COVID-19

1. O que diz a nossa legislação sobre a vacinação de crianças no geral, ela é obrigatória?

De acordo com o artigo 14, §1o do ECA, é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

As vacinas recomendadas pelas autoridades sanitárias são aquelas previstas no PNI (Programa Nacional de Imunização). Portanto, se não houver recusa justificável, com algum fundamento científico, as crianças e adolescentes devem ser vacinadas conforme o calendário do PNI.

Para acessar o PNI, clique aqui.

2. O que pode acontecer se uma criança não for vacinada?

Nos casos em que a vacinação que é considerada obrigatória não acontece, as instituições de ensino, médicos, familiares ou conhecidos podem informar a situação às autoridades (Ministério Público ou Conselho Tutelar, por exemplo), para que seja averiguada e para que sejam tomadas, eventualmente, as medidas cabíveis.

É preciso ter em mente que existe o que se chama de “rede de apoio” que visa garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam sempre resguardados. A comunicação de que uma criança não está recebendo as vacinas tidas como essenciais pode ensejar que o estado verifique se ela não está em uma situação de risco, tendo os cuidados com sua saúde negligenciados.

Pensemos na seguinte situação: uma criança não recebeu as vacinas, a escola foi comunicada e informou a circunstância ao Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar enviou os profissionais à residência daquela criança e, assim, evidenciou que, além de não ter recebido as vacinas, a criança está sem condições básicas de higiene, em um ambiente insalubre, sem receber a atenção que precisa no que diz respeito à saúde de um modo geral. Nesse caso, poderão ser tomadas medidas mais severas em relação àqueles pais que não estão prestando os elementos necessários ao desenvolvimento sadio do filho ou filha.

Pode ser que o Conselho Tutelar envie os profissionais à residência da criança e constate que, em que pese não tenha recebido as vacinas, não chegou a se caracterizar uma situação de risco. Nesse caso, não serão aplicadas as mesmas medidas que seriam nas circunstâncias mencionadas acima.

Contudo, trazemos o exemplo para que entendam que a questão da vacina seria só uma forma de “alerta” às instituições e autoridade e que, havendo indícios, cabe à “rede de apoio” investigar o que for preciso para garantir que a criança esteja bem atendida no seio familiar em que se encontra.

3. E quais podem ser as medidas tomadas pelas autoridades se os pais não vacinarem seus filhos?

No que tange à vacinação em si, na prática, tem-se que, na ausência de vacinação, os Conselhos Tutelares podem ser comunicados e as Varas da Infância também. Não há como o estado interferir ao ponto de retirar a criança de sua residência à força e encaminhá-la para vacinação – pois isso seria até mesmo contrário à integralidade física da criança e do adolescente.

Apesar disso, conforme mencionado na questão “2”, deverá ser verificada a questão como um todo, diante do sinal de que pode haver uma situação de risco maior ali. Caso somente esteja em falta a vacinação, podem ser aplicadas advertências e multas, por exemplo.

Nos casos mais graves, contudo, em que houver uma negligência de direitos, pode ser inclusive proposta uma ação penal por crime de maus tratos e/ou um pedido de destituição da autoridade parental, pela situação de vulnerabilidade presente no contexto em que vive aquela criança.

Para ler mais sobre destituição da autoridade parental, clique aqui.

4. Sobre a vacinação contra o COVID-19, o que pode ser feito se os pais não entram em consenso sobre vacinar ou não?

É lamentável que os pais não consigam entrar em consenso sobre a vacinação dos filhos. Caso isso venha a acontecer e não seja possível que eles resolvam por meio do diálogo, ainda que com a intermediação de terceiros, de familiares, de psicólogos, de médicos… aí o caminho será mesmo comunicar a situação às autoridades como o Conselho Tutelar, para que ele verifique o que seria possível de acontecer no caso.

Eventualmente, havendo algum processo em trâmite, de divórcio ou de guarda, a questão pode ser levada para que o juízo analise e profira uma decisão sobre o assunto. Porém, essa deveria ser a última medida, já que coloca “nas mãos” de um terceiro ou de alguém que sequer faz parte da família a decisão sobre a saúde daquela criança.

Sabe-se que o COVID-19 é uma doença nova e, por isso, os estudos sobre a vacina são igualmente recentes, o que justifica o receio de muitos pais quanto à vacinação e seus efeitos. Por outro lado, também há a preocupação de que os filhos sejam contaminados por uma doença que ainda é muito desconhecida.

5. Como a vacina contra o COVID-19 ainda não foi incluída no PNI (Programa Nacional de Imunização), ela pode ser considerada obrigatória como as demais que já foram incluídas?

Primeiramente, é preciso ressaltar que a visão deste artigo diz respeito aos aspectos jurídicos (e não médicos-científicos) da vacinação, pois é sabido que há ampla discussão sobre o tema em outras áreas.

Posto isso, é de se dizer que, para o Direito, as vacinas obrigatórias para as crianças estão previstas no PNI, que existe desde 1977 e vem sendo atualizado no decorrer dos anos. A vacina do COVID-19 ainda não foi incluída no programa, o que gera, portanto, muitas dúvidas nas pessoas acerca da obrigatoriedade dessa vacinação ou não.  

Embora haja discussão meio científico, o que temos é que, no Brasil, a autoridade sanitária maior é a ANVISA, e ela já recomendou a vacinação em crianças para o COVID-19, por exemplo.

Além disso, em julgado do STF (1267879), já constou que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio das vacinas que tenham sua aplicação prevista no programa nacional de imunização, bem como que tenham sua aplicação considerada obrigatória por lei ou por determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico-científico.

Diante disso, e das demais recomendações de outras instituições (Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Fórum Nacional da Justiça Protetiva…), podemos entender pela obrigatoriedade. O Ministério da Saúde, contudo, manifestou-se contrário à obrigatoriedade, salvo se por recomendação médica.

É importante ressaltar que, a vacinação obrigatória não seria a mesma coisa que vacinação forçada. Ou seja, o estado não pode bater na casa de cada cidadão, “arrancar” a criança dali e levá-la à força para ser vacinada – até porque seria, como já dito, uma violação de sua integridade.

Apesar disso, a obrigatoriedade faz com que haja consequências para a não vacinação, já que faz parte do direito à saúde, que deve ser resguardado com maior afinco na infância, independente das convicções pessoais dos genitores.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Dupla maternidade: casos de inseminação artificial caseira

A inseminação artificial caseira acontece quando quem pretende engravidar utiliza o material genético do doador e o insere (geralmente com uma seringa) para tentar a fecundação, sem que seja mantida uma relação sexual.

Para facilitar a visualização sobre uma situação assim, segue o exemplo de um caso prático: um casal homoafetivo de duas mulheres, vivendo em união estável[1], deseja ter um filho (ou filha), porém, não possui condições de arcar com os custos de uma reprodução assistida realizada por meio de clínicas médicas.

Assim, decidem utilizar o material genético de um terceiro, a fim de que uma delas engravide. Nesse caso, quem será considerada mãe? Quais são as implicações de tal conduta?

Existem duas principais situações que podem surgir relacionadas à inseminação artificial caseira: a) o filho já nasceu, possui certa idade, e desenvolveu uma relação de afetividade com a companheira não gestante – o que autorizaria o reconhecimento do vínculo familiar pela socioafetividade; ou b) a criança ainda não nasceu, mas deve ser pleiteada autorização judicial para que se registre a maternidade de ambas companheiras quando de seu nascimento – caracterizando-se, então, a dupla maternidade.

Como se sabe, o conceito de família independe do gênero e da sexualidade das pessoas que a compõem, conforme reconheceu a Suprema Corte no julgamento da ADPF nº 132: “A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. […] Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família” (ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 5-5-2011).

Além disso, as várias mudanças de comportamento na sociedade atual resultaram em transformações nas suas estruturas de convívio, notadamente a familiar.

Assim, o Direito de Família passou a reconhecer a afetividade como elemento identificador dos vínculos familiares, desprendendo-se da verdade biológica ou registral, para reconhecer a socioafetividade como parâmetro em lides que se discutem a parentalidade.

É nesse contexto que o fenômeno da inseminação artificial heteróloga – com material genético doado por um terceiro – encontra guarida, pois a parentalidade, que antes era obtida apenas biologicamente ou gestacionalmente, passou a ser obtida também por meio dos laços de afetividade.

Voltando a atenção ao caso mencionado, de “inseminação artificial caseira”, tem-se que seria uma forma de inseminação heteróloga, porém, sem a participação de profissionais da saúde (clínicas médicas de reprodução assistida).

O método da inseminação artificial caseira, vale dizer, não é cientificamente reconhecido e tampouco recomendado, ainda que seja realizado com intuito admirável e em decorrência da falta de recursos financeiros. No referido formato de reprodução, há maiores riscos para a saúde da mulher, tais como a transmissão de doenças, tendo em vista a introdução de material biológico sem avaliação adequada.

Afora isso, o Conselho Federal de Medicina, na Resolução 2013/2013, determina que a doação de material genético deve ser anônima e sem trocas financeiras entre as partes. Os pais também precisam ter, no máximo, 50 anos de idade. Tais circunstâncias, contudo, não são fiscalizadas quando é feita a inseminação caseira.

Nessa situação, ao contrário do que acontece nas inseminações artificiais com acompanhamento médico, o doador não costuma ser completamente anônimo e há o risco, pois, de que o genitor venha a reivindicar o reconhecimento da paternidade em algum momento.

Existem os casos nos quais o material genético é recebido porque as pessoas buscam em grupos aqueles interessados em realizar a doação. Há quem opte, inclusive, por realizar um contrato, no qual o doador “abre mão” de seus direitos relacionados à paternidade. Apesar disso, a validade jurídica do documento está condicionada a um julgamento isolado, já que envolve menores de idade e o procedimento não é regulamentado aqui no Brasil.

As resoluções do Conselho Federal de Medicina regulamentam, de certo modo, as reproduções assistidas no Brasil, todavia, acerca das situações nas quais não há a participação de médicos – como na inseminação caseira – não podem ser aplicadas tais resoluções.

Afora isso, o Provimento 63/2017, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, possibilitou o reconhecimento extrajudicial das filiações socioafetivas e registro dos filhos havidos por métodos de reprodução assistida, mas não tratou da inseminação caseira. No referido provimento, são exigidos diversos documentos que aqueles que realizam a inseminação caseira não poderão apresentar (como documentos médicos).

Restando pendente de regulamentação a dupla maternidade em caso de nascimento de criança gerada por inseminação caseira, é somente por meio de uma determinação judicial que se torna possível a realização do registro em nome daquelas que pretendem o projeto parental.

Apesar de ser um tema polêmico, com diversos desdobramentos, a inseminação caseira já conta com adeptos no país, cabendo ao Direito, então, responder as causas que surgirem, mesmo que novas e inusitadas – sob pena de omissão da tarefa da prestação jurisdicional.

Em que pese não haja uma regulamentação na qual se enquadre a inseminação caseira, também não há previsão de penalidades quando da sua realização, até porque o CFM não é um órgão legislativo. Contata-se, portanto, uma “lacuna”.

O fato de não existir regramento que ampare a inseminação artificial caseira não pode servir, contudo, no entender do Direito Familiar, como fundamento para que as famílias originadas deste procedimento sejam impedidas de receber proteção jurisdicional.  

Nesse sentido, compartilha-se o entendimento do Elton COSTA, servidor junto ao TJMA[2]:

“Como a efetivação, na prática, da tutela jurisdicional protetiva do afeto e da pluralidade das conformações familiares, bem assim que não podemos olvidar, jamais, das situações reais vivenciadas pelas pessoas, tampouco ignorar as consequências jurídicas dessas relações. O Direito das Famílias não se revela contemplativo quando observado tão somente sob a fria letra da lei, muito menos sob a gélida ótica da sua ausência. O fato de não existir regramento legal que ampare a inseminação artificial caseira não pode servir como fundamento para que as famílias originadas deste procedimento sejam impedidas de receber o seu devido amparo jurídico. Em suma, família é amor, é afeto, é busca pela felicidade dos seus integrantes e não nos cabe – sociedade e/ou Estado-juiz – questionar de que modo ela se configura”.

Como se sabe, o Direito é um fenômeno sujeito à mutabilidade de conceitos sociais e precisa adaptar-se às mudanças de costumes.

Impedir o reconhecimento da dupla maternidade, por não ter a inseminação artificial sido realizada em uma clínica, centro ou serviço de reprodução humana violaria, pois, de forma frontal os princípios constitucionais da isonomia e da proteção à família, positivados nos artigos 5º, inciso I, e 226, caput, da Constituição Federal.

Isso não quer dizer, contudo, que eventual decisão judicial autorizando o pedido de dupla maternidade será proferida sem observar nenhum critério. Em qualquer ocasião, entende-se que o juízo deve avaliar alguns pontos relacionados ao caso, antes de decidir. Por exemplo, caso o bebê ainda não tenha nascido, deve-se verificar como se deu a construção daquele plano parental, e se contou com a manifestação de vontade expressa de ambas as envolvidas.

Caso se esteja a pleitear o reconhecimento da maternidade socioafetiva por aquela que não gestou, os requisitos a serem averiguados serão os mencionados no texto “’Pai ou mãe é quem cria!’: entenda o que é a parentalidade socioafetiva” (clique aqui).

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

___________________

[1] Se falássemos em casamento, abriríamos outra discussão, sobre a presunção da paternidade/maternidade, que não deve ser o foco do presente texto.

[2] Disponível em: https://ocivilista.com.br/2020/12/19/sentenca-sobre-inseminacao-artificial-caseira-no-maranhao/

Se um neto/a recebe herança dos avós, ele/a responde por dívidas deixadas pelos pais pré-mortos?

Herança, partilha, dívidas, enfim, todos os temas relacionados às questões sucessórias representam mais da metade das dúvidas que recebemos aqui no Direito Familiar.

Recentemente, recebemos uma mensagem com uma dúvida que  pode ser muito comum e, por isso, resolvemos compartilhar aqui o caso que nos foi apresentado.

A dúvida era baseada na seguinte situação:

  • Pai e mãe morrem, deixando filho menor de idade.

  • Pai deixa muitas dívidas e um apartamento. Único bem.

  • Avós têm patrimônio. Com o falecimento dos avós, ao receber seu quinhão (que caberia ao pai falecido) este filho/neto pode perder tudo?

Este é um caso supercomum e, como quase sempre no Direito – especialmente na área de Sucessões – pode haver posicionamentos diferentes sobre uma mesma questão e sobre os desdobramentos da situação.

Antes de comentar o caso, é importante relembrar o tema de outro artigo do Direito Familiar, que tem relação com o assunto: “Herdeiro por representação: você sabe o que é?” (clique aqui).

É importante a leitura desse artigo, pois ele explica como funciona o recebimento pelo neto ou neta (órfãos), da herança deixada pelos avós – o que chamamos de “direito de representação”.

Conforme explicado no artigo referido acima:

“Esse instituto prevê que um herdeiro será chamado a receber a herança no lugar de outro herdeiro. Tal fato pode acontecer por haver herdeiro pré-morto, ou seja, que faleceu antes de receber uma herança que seria sua por direito, ou pelo herdeiro ser considerado ausente (quando ninguém sabe seu paradeiro e a ausência é declarada por uma decisão judicial), ou que foi excluído da sucessão. (…) Por tal motivo, o sucessor desse herdeiro pré-morto, ausente, ou excluído da sucessão, receberá a herança em nome dele, ou seja, o herdeiro de direito será representado por seu sucessor.”

Há quem entenda que, quando o filho ou filha cujos pais faleceram receber a herança que, por exemplo, o pai receberia se vivo fosse, ele/a terá que arcar com as dívidas deixadas pelo pai, afinal aquele valor, antes de ser dele, deveria ter sido do pai.

Contudo, o Direito Familiar compartilha o entendimento já exarado pelo Superior Tribunal de Justiça1, no sentido de que a herança deixada pelos avós, recebida diretamente pelo neto ou neta, não será atingida pelas dívidas deixadas pelos pais.

A explicação para isso se dá pelo fato de que, como o pai da criança já era falecido quando os avós faleceram, a herança deixada sequer chegou a fazer parte do patrimônio do pai.

Entende-se que em momento algum o patrimônio chegou a ser transferido para ele e, portanto, não há como cobrar a dívida, considerando bens e valores que sequer chegaram a integrar o patrimônio de uma pessoa. No momento da dívida, o patrimônio era dos avós e, quando da sua transferência, o pai já havia falecido.

Desse modo, considerando que este neto ou neta herdará os bens deixados pelos avós em nome próprio, não deve se preocupar em “perder” a herança recebida dos avós, por existirem dívidas deixadas pelos seus falecidos genitores.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho


1 RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. DÍVIDA DE ASCENDENTE PRÉ-MORTO. PRETENSÃO DE ALCANCE DE QUINHÃO HERDADO POR REPRESENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL LIMITADA ÀS FORÇAS DA HERANÇA DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1.No direito das sucessões brasileiro, vigora a regra segundo a qual o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto, excepcionada legalmente pelo sistema de sucessão por estirpe. 2. Nos casos legalmente previstos de sucessão por representação (por estirpe), os descendentes de classe mais distante concorrerão com os mais próximos, na proporção que seria cabível ao herdeiro natural pré-morto, porém em nome próprio e em decorrência de expressa convocação hereditária legal. 3. O patrimônio herdado por representação, nem mesmo por ficção legal, jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas. Para tanto, limita-se a responsabilidade patrimonial dos sucessores de devedor às forças da herança por ele deixada.4. Recurso especial provido.

Inventário negativo: e quando alguém falece, mas não deixa bens?

Conforme já mencionado no artigo “O que é inventário e para que serve?” (clique aqui), sempre que alguém falece, o procedimento de inventário é aberto, a fim de que se verifique o patrimônio da pessoa, para que seja repartido entre os eventuais herdeiros.

E se uma pessoa falece sem deixar bens ou valores?

Nesse caso, embora não haja previsão legal específica, a doutrina estabeleceu o que se costumou chamar de “inventário negativo”.

Ele é um procedimento que passou a ser admitido quando há interesse na demonstração da inexistência de bens a inventariar, o que deve ser analisado em cada caso. Sobre sua possibilidade, EUCLIDES DE OLIVEIRA e SEBASTIÃO AMORIM reconhecem que:

(…) em situações excepcionais, ainda que sem específica previsão legal, admite-se o inventário negativo, isto é, sem bens a declarar. Sua finalidade é exatamente essa, a de comprovar a inexistência de bens a inventariar, objetivando o acertamento de determinada situação pessoal ou patrimonial do viúvo ou de terceiro1.

De igual forma, JOSÉ DA SILVA PACHECO destaca:

(…) O inventário, como o próprio nome indica, significa rol de bens do espólio. Assim, somente quando houvesse este é que haveria a necessidade daquele. Há, toda via, situações anômalas em que se pode ver o cônjuge ou os herdeiros diante da necessidade de comprovar a inexistência de bens deixados pelo falecido ou insuficiência para atendimento das dívidas do espólio e seus encargos. Eis as hipóteses em que pode ocorrer o inventário negativo.”2

Alguns exemplos:

1. Viúvo ou viúva com filhos do casamento anterior (art. 1641 do Código Civil)

Quando alguém é viúvo ou viúva e pretende casar-se novamente, precisa demonstrar que foi realizada a partilha dos bens em inventário daquele que faleceu, para poder escolher um regime de bens. Caso isso não seja demonstrado, será aplicado o regime da separação obrigatória de bens. O inventário negativo seria, então, uma ferramenta para a comprovação da realização da partilha.

Para ler mais sobre o regime da separação obrigatória de bens, clique aqui. 

Há críticas em relação a isso porque, ao ver de alguns pesquisadores do Direito, não haveria necessidade de movimentar o Judiciário com mais processos, bastando a comprovação, pelos noivos, de que não haverá prejuízos aos herdeiros do falecido ou uma declaração do viúvo ou viúva, quando da habilitação para o casamento, afirmando não haver bens da união anterior. De qualquer modo, o inventário negativo persiste como um mecanismo de prova nesse sentido.

2. Dívidas do falecido ou falecida superam o patrimônio deixado (art. 1792 do Código Civil)

Outra situação seria aquela em que as dívidas do falecido superam o valor de seus bens. Explica-se: quando alguém falece, seu patrimônio será dividido, mas suas dívidas também precisarão ser quitadas. Assim, primeiro será essencial averiguar e quitar as dívidas do falecido e, depois, o patrimônio restante é que será efetivamente partilhado entre os herdeiros. O inventário negativo, nesse caso, serviria para mostrar a inexistência de bens ou valores para quitar o débito deixado.

Igualmente, há quem critique a necessidade de se abrir um inventário negativo para tanto, tendo em vista ser “inócuo pretender que o juiz se manifeste sobre algo que não tem como aferir a veracidade”3.

Em tais circunstâncias, o juízo vai somente declarar que não há bens do falecido a serem inventariados e não é preciso, portanto, produzir mais provas. O processo tende a ser bem simples, desde que, citados os herdeiros, não haja impugnação ou eventuais outras alegações.

O inventário negativo, como visto, somente poderá ser admitido quando houver interesse na demonstração da inexistência de bens a inventariar, interesse este que, destaca-se, deverá ser demonstrado e verificado em cada caso, uma vez que o referido procedimento “tem o intuito de esclarecer fatos, dar certeza e segurança a certas situações.” (TJSP, Apelação Cível nº 0001509-11.2011.8.26.0606, 3ª Câmara de Direito Privado, j., 08/11/2011).

Vale dizer que, ainda que muitos não concordem com o procedimento do inventário negativo (ou seja, sem patrimônio), há também quem se posicione no sentido de que ele é um procedimento importante para evitar sanções previstas em lei, tais como os impedimentos matrimoniais (art. 1523, CC).

Ressalte-se, ainda, que, respeitados os critérios exigidos, é possível realizar o inventário negativo em cartório – de forma extrajudicial (escritura pública).

Advogado(a): precisa elaborar um pedido de abertura de inventário por arrolamento? Confira os modelos de petição disponíveis na loja do Direito Familiar (clique aqui)!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 AMORIM, Sebastião. OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e Partilhas, 23ª ed., São Paulo: Leud, 2013.
2 PACHECO, José da Silva. Inventários e Partilhas. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
3 DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2a Edição. Editora RT. São Paulo, 2011.
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