Multiparentalidade: entenda esse novo conceito

paiefilhoseabraçando.multiparentalidadeMultiparentalidade

Vocês já se depararam com notícias como as seguintes?

  • Uma decisão inédita na Justiça Acreana garantiu que a menor A. Q. da S. e S. passe a ter o nome de dois pais em sua certidão de nascimento: o que a registrou e o biológico. (Acre)1.
  • A Justiça de Vitória da Conquista (BA), de forma inédita, homologou acordo concedendo adoção de uma criança a um casal de mulheres sem destituir o poder familiar da genitora, reconhecendo a tese da multiparentalidade. A criança terá o nome das três mães no registro de nascimento. (Bahia)2
  • A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada, presidente do IBDFAM/DF, com base na tese da multiparentalidade, decidiu que deve ser reconhecida tanto a paternidade socioafetiva como a biológica, com todos os seus efeitos legais, devendo constar no registro de nascimento da menor de idade a dupla paternidade e estabeleceu a guarda em favor da mãe e do pai afetivo, com a convivência livre a favor do pai biológico. (Distrito Federal)3
  • Uma criança da comarca de Nova Lima terá em seu registro o nome de duas mães e de um pai. Constará no documento o nome da mãe biológica e dos pais adotivos. (Minas Gerais)4
  • Agora, pela primeira vez no país, uma decisão judicial admite acrescentar ao registro de nascimento de menor adotado, o nome de seu genitor e de seus avós paternos, mantendo-se a paternidade adotiva e registral, com o acréscimo do patronímico do pai biológico. (Pernambuco)5
  • A Justiça do Rio de Janeiro reconheceu o direito de três irmãos terem duas mães, a biológica e a socioafetiva, em seus registros de nascimento. (Rio de Janeiro)6

Nem todas as notícias citadas acima são muito recentes (2014), mas, todas elas dizem respeito a casos em que foi reconhecida a MULTIPARENTALIDADE! De um modo geral, esse é um tema que pode ser considerado relativamente novo para o Direito de Família e é o assunto deste artigo.

Para começar, precisamos tecer um breve histórico para entendermos como o ordenamento jurídico brasileiro recebeu a multiparentalidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reconheceu as diversas formas de se constituir uma entidade familiar, abrindo espaço para um padrão diferente da família, com preocupações voltadas ao desenvolvimento individual dos integrantes do núcleo familiar e, principalmente, com a valorização da afetividade, perdendo força o caráter matrimonial e essencialmente patrimonial da família de outrora, construída quando da vigência do Código Civil de 1916.

Com o crescimento da importância dada à afetividade e com o reconhecimento da igualdade entre todos os filhos, o afeto passou a ser juridicamente mais relevante. Importante lembrar que, o afeto, juridicamente falando, não possui o mesmo significado da psicologia ou da filosofia, conforme já mencionamos no artigoPai ou mãe é quem cria!: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui). No âmbito legal, ele é demonstrado por condutas do cotidiano e não pelo mero sentimento em si.

Embora nem todas as inclinações afetivas gerem o vínculo socioafetivo de filiação, esta forma de exercício da parentalidade passou a ser recebida pela doutrina e pela jurisprudência, gerando, inclusive, todos os efeitos decorrentes da relação paterno-filial (ou materno-filial), ainda que não haja lei específica a regulamentando.

Primeiramente, com o reconhecimento das famílias homoafetivas (formada por pessoas do mesmo gênero – feminino/ masculino), abriu-se um precedente para a inclusão de mais de um pai ou mais de uma mãe no registro de nascimento dos filhos, já que, nesses casos, aconteceria sempre uma “dupla maternidade” ou “dupla paternidade”.

Verificou-se, ademais, que, embora os padrastos e madrastas não tenham, por lei, determinadas obrigações em relação aos seus enteados, com o aumento das famílias reconstituídas (formadas por quem já teve um casamento ou relacionamento anterior), aumentaram também as chances de aparecimento de laços afetivos que geram efetivamente uma relação de filiação socioafetiva.

Assim, nas famílias reconstituídas e nas demais modalidades familiares que possam surgir, algumas situações passaram a merecer ponderação, nas quais se cria uma relação de socioafetividade (que exige seu reconhecimento) sem que se desconsidere o valor e o contato com o genitor biológico.

Nesses casos, a multiparentalidade, ou seja, o estabelecimento de vínculo do filho com mais de um pai ou com mais de uma mãe, apresenta-se como solução ao novo impasse trazido pelas contemporâneas relações familiares. Com a aplicação da multiplicidade de vínculos, nenhum dos pais será excluído da relação familiar, o que, em muitos casos, vem em benefício do filho.

A multiparentalidade pode ser simultânea, quando ambos os pais (ou mães) exercem de fato a função que lhes cabe ou, ainda, temporal, quando um dos genitores faleceu e, no entanto, alguém assumiu o papel de pai ou de mãe, tornando-se referência para a criança ou adolescente.

Vale deixar claro que, a multiparentalidade gera todos os efeitos da filiação para os envolvidos e, por isso, somente deve ser estabelecida quando, de fato, ela estiver presente para os filhos, pois o principal vetor observado na resolução dos conflitos acerca de causas dessa natureza é o do melhor interesse da criança.

Conclui-se, portanto, que a multiparentalidade pode ser avaliada como uma das consequências do reconhecimento da filiação socioafetiva no Brasil.

Entende-se que a ausência de legislação específica sobre a multiparentalidade não impede que ela seja aplicada, até porque a maioria das questões que envolvem este assunto pode ser resolvida com base nas leis vigentes, sendo necessária, contudo, a interpretação de maneira distinta, com o intuito de proteger as entidades familiares, nos termos propostos pela Constituição e objetivando-se a adequação da regra ao caso concreto.

É preciso analisar profundamente cada hipótese de multiparentalidade que se apresentar, isso para que não sejam empreendidas injustiças e também para que fiquem sempre aparentes os efeitos dessa multiplicidade parental, evitando-se, desse modo, possíveis danos aos filhos e aos demais envolvidos.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

_____________________________________________________

2 http://www.ibdfam.org.br/noticias/5483/Acordo+garante+a+crian%C3%A7a+o+direito+de+ter+tr%C3%AAs+m%C3%A3es

3 http://www.ibdfam.org.br/noticias/5329/Multiparentalidade+preserva+interesse+do+menor

4 http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/crianca-tera-duas-maes-e-um-pai-em-seu-registro.htm#.VBtGxRYXM_I

5http://www.tjpe.jus.br/agencia-de-noticias?p_p_auth=UioV2Mmm&p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=435557&_101_type=content&_101_urlTitle=artigo-adocao-multiparental&redirect=http%3A%2F%2Fwww.tjpe.jus.br%2Finicio%3Fp_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dmaximized%26p_p_mode%3Dview%26_3_groupId%3D0%26_3_keywords%3DMULTIPARENTALIDADE%26_3_struts_action%3D%252Fsearch%252Fsearch%26_3_redirect%3D%252Finicio

4 comentários em “Multiparentalidade: entenda esse novo conceito”

  1. Meu filho perdeu a mãe biológica quando tinha 8 meses. Conheci o pai dele 5 meses depois, começamos um relacionamento e após 5 meses casamos. Hoje ele está com 3 anos e 3 meses e é a razão do meu viver.
    Fui até o cartório da minha cidade, para saber como proceder com a alteração no registro dele, mas me passaram que só após os 12 anos eu consigo isso ou após 5 anos de casada, mas teria que entrar com pedido judicialmente. Por favor, gostaria de saber como prosseguir para conseguir o meu nome também em seus registro sem ter que esperar tanto tempo? Eu não sou madrasta, sou mãe. Em várias situações acabam me dando esse título que não me cabe.

    1. Olá, Glaucia! Tudo bem?

      Para incluir seu nome como mão no registro de nascimento desta criança, antes de ela completar 12 anos, será necessário propor uma ação judicial de Reconhecimento de Maternidade Socioafetiva. Caso ação seja julgada procedente, esta criança terá duas mães (você e mãe biológica) e um pai no registro de nascimento, configurando o que chamamos de multiparentalidade.

      No entanto, considerando ainda a idade da criança, analisar a viabilidade e efetividade desta ação depende de um estudo atento do caso e do contexto familiar que vocês estão inseridos. Veja, a chance de sucesso desta ação está diretamente vinculada à consideração de fatos muito subjetivos e, ainda, de questões de ordem prática a respeito da rotina desta criança. Portanto, para definir quais atitudes adotar e, inclusive, considerar outras possibilidades jurídicas que possam atender às necessidades de vocês, o melhor seria conversar com advogados que possam analisar todos os detalhes da situação e, assim, indicar as medidas possíveis de serem tomadas.

      Caso precise ou queira orientação específica sobre esta situação, a Dra. Isabella Mady oferece consultoria particular, que pode ser online também. Para agendar um horário e verificar os valores, converse diretamente com ela pelo WhatsApp (041 99184-3103) ou pelo e-mail: isabella@direitofamiliar.com.br.

      No entanto, caso esteja buscando um auxílio gratuito, o recomendado é procurar a Defensoria Pública ou os núcleos de faculdades de Direito da sua região, que prestam tal atendimento.

      Atenciosamente,
      Direito Familiar.

  2. Olá, estou grávida sou casada no civil mas me separei nesse meio tempo acabei encontrando uma pessoa e tendo relações com ela, mas tive uma recaída com meu marido no mesmo mês. Eu descobri que estava grávida msm sabendo disso e sabendo que o filho pode não ser dele eu e meu esposo voltamos e ele quer registrar a criança. Mas essa outra pessoa que eu me envolvi quer registrar a criança tbm alegando ser o pai mas não quer fazer o exame de DNA. Nesse caso meu marido pode estar registrando mesmo sabendo que tem chance dele não ser o pai biológico? Lembrando que é meu marido que está tomando conta de tudo em relação ou bebê e a nossa saúde enquanto o outro não quer nem saber como anda a gestação.

    1. Olá, tudo bem?

      Sugerimos a leitura de outros artigos nossos, nos quais abordamos este tipo de situação:

      “Registrei uma criança que não é meu filho biológico: o que fazer?”: https://direitofamiliar.com.br/registrei-uma-crianca-que-nao-e-meu-filho-biologico-o-que-fazer/

      “O que é investigação de paternidade?” – https://direitofamiliar.com.br/o-que-e-investigacao-de-paternidade/

      Desde já, devemos ressaltar que é um direito do seu filho saber a sua origem biológica. O registro de nascimento é algo sério e que pode refletir no futuro de várias formas, se não for feito corretamente.

      Atenciosamente,
      equipe Direito Familiar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Sair da versão mobile