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Sharenting é um termo em inglês criado a partir de duas palavras: share, que significa compartilhar e parenting que significa paternidade. Com o aumento do uso das redes sociais por todas as pessoas, é comum que pais postem imagens de seus filhos sem se atentar ao fato de que aquela exposição pode ser prejudicial ou pode gerar riscos à segurança das crianças e adolescentes. Em muitos casos os pais podem fazer isso sem intenção de prejudicar os filhos, certamente, mas a exposição, por si só, pode trazer consequências sérias. Em outras circunstâncias, os pais podem também acabar perdendo o controle sobre o conteúdo que vem sendo mostrado (visando somente benefícios próprios), sem se perguntar se a criança aprovaria aquela exibição. A discussão sobre o assunto tem se tornado frequente e acalorada. Atualmente, a situação envolvendo a jovem Larissa Manoela foi exposta nacionalmente, dando ensejo inclusive à elaboração de um Projeto de Lei que leva o seu nome. Isso porque, quando criança, ela foi muito exposta em meios de comunicação e isso virou sua profissão. No entanto, aparentemente, foram somente os pais que se beneficiaram com isso e ela, agora adulta, encontrou dificuldades para voltar a manejar o patrimônio conquistado com seu trabalho - que foi, durante muito tempo, administrado pelos genitores. Para entender melhor o sharenting nesse âmbito do trabalho artístico-juvenil (embora haja riscos advindos em outros setores também), convidamos a Júlia Vianna(1), nossa colega de trabalho junto ao Ministério Público Estadual do Paraná, que há algum tempo estuda este tema, para escrever um artigo explicativo — que você confere abaixo! Quanto vale um like: o sharenting e os impactos da superexposição dos filhos na internet Júlia Vianna. Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná. Em uma geração conectada à internet, ficar offline não é uma opção. É nesse contexto de exposição que nasce o sharenting, conjugação das palavras em inglês “share” (“compartilhar”) e “parenting” (“parentalidade”). O termo define o comportamento de compartilhar exacerbadamente fotos, vídeos e dados de seus filhos na internet, ocasionando ameaça ou lesão aos seus direitos(2). Obviamente, não é toda postagem envolvendo seus filhos que caracteriza o sharenting. Essa conduta tem espaço quando evidenciada uma violação às garantias da criança e do adolescente, razão pela qual pais e mães devem tomar cuidado redobrado quando compartilham dados ou a imagem de seus filhos na internet. O art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados, inclusive, é claro ao determinar que “o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente”, fazendo alusão ao ECA. Embora ainda não haja regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, a análise dos casos concretos deve observar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, garantindo que lhes sejam respeitados os direitos à privacidade, intimidade e imagem, assim como os demais decorrentes da personalidade do sujeito, assegurando a sua dignidade humana(3). Especificamente sobre o direito à privacidade, enquanto direito personalíssimo e fundamental - arts. 11 a 21 do Código Civil e art. 5º, inciso X, da Constituição Federal -, questiona-se sobre o desejo da criança em divulgar sua imagem publicamente e de forma exorbitante. Crianças e adolescentes são pessoas de direitos e possuem vontades que devem ser respeitadas, quando assim expressas. Veja-se que o conteúdo compartilhado fica à disposição de todos e se eterniza na internet, considerando o fenômeno da globalização, e jamais poderá ser extinto, vez que, mesmo após deletado, continuará armazenado dentro da plataforma de divulgação. Sobrepõem-se, portanto, o direito de privacidade da criança ao direito de liberdade dos pais, questão que deve ser sopesada com razoabilidade, tendo em vista que os menores de idade devem ser protegidos de maneira integral e prioritária. Não podemos ignorar que a questão envolve garantias de pessoas ainda em desenvolvimento psicológico, que poderão estar sujeitos a comentários depreciativos decorrentes da exposição causada por seus familiares. Dessa forma, os detentores do poder familiar devem ter consciência dos malefícios da superexposição dos filhos nas redes sociais, o que inclui a submissão destes à críticas constantes, perda da infância, adultização e até erotização precoce. Além disso, no mundo dos influenciadores digitais e da monetização de postagens nas redes, é reprovável a conduta de pais que veem o conteúdo criado por seus filhos como uma forma de rápida ascensão pessoal e financeira, explorando a imagem da prole somente para esse fim. Evidente que o surgimento de influenciadores mirins acaba atraindo o interesse de pais e filhos, mas é relevante mencionar que qualquer lucro proveniente das atividades de crianças e adolescentes no âmbito digital a eles deve pertencer. Aos pais cabe o dever de administração desse patrimônio, nos termos dos arts. 1.689 e seguintes do Código Civil, sem afastar eventual obrigação de prestar contas, conforme já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.623.098/MG(4). Essa possível lucratividade e profissionalismo dos pequenos gera discussões, inclusive, no âmbito do Direito do Trabalho, tendo o Conselho Nacional de Justiça reunido juristas para debater o trabalho artístico infanto-juvenil no mundo digital, tendo em vista que crianças que viralizam na internet atraem maior atenção das empresas, incentivando a propaganda para outras crianças. Nesse contexto, entende-se que o compartilhamento dos dados dos filhos deve ser comedido e razoável, resguardando os seus superiores interesses, sendo certo que eventual abuso do direito de liberdade dos pais é passível de sanção, por configurar descumprimento do dever de cuidado inerente ao poder familiar(5).
(1)Júlia Vianna. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná – atuando na área de Família e Sucessões.
(2)EBERLIN, Fernando Buscher von Teschenhausen. Sharenting, liberdade de expressão e privacidade de crianças no ambiente digital: o papel dos provedores de aplicação no cenário jurídico brasileiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 259. Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/4821/0. Acesso em 14 ago 2023.
(3)ROSA, Conrado Paulino da; SANHUDO, Victória Barboza. O fenômeno do sharenting e a necessidade de regulamentação jurídica dos casos de exposição demasiada de crianças e adolescentes na internet pelos pais. In: GHILARD, Dóris (Org.). Tecnologia, família e vulnerabilidade: novos olhares no Brasil e exterior. Florianópolis: Habitus, 2021, p. 47-74.
(4)REsp n. 1.623.098/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 23/3/2018.
(5)TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MULTEDO. Renato Vilela. (Over)sharenting e o abuso da conduta dos pais no ambiente digital. In: SANCHEZ, Patrícia Corrêa (coord.) Direito das famílias e sucessões da era digital. Belo Horizonte: IBDFAM, 2021, p. 335.