Separação obrigatória: perguntas e respostas

Recentemente, fomos procuradas pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo para respondermos dúvidas relacionadas ao regime da separação obrigatória de bens. Nossas respostas foram publicadas em forma de artigo, e achamos válido compartilhá-las também por aqui, com nossos leitores que acompanham o Direito Familiar, neste formato de “perguntas e respostas”.

1. Em que consiste o regime da separação obrigatória de bens?

Assim como os demais regimes de bens, a separação obrigatória é conjunto de regras patrimoniais, aplicável na relação matrimonial e com efeitos também na sucessão. No entanto, diferente dos outros regimes de bens, a separação obrigatória é de aplicação impositiva. Ou seja, como o nome já diz, deve ser aplicado obrigatoriamente em determinados casos, independentemente da vontade daqueles que casarão. Isso porque há previsão legal de que este seja o regime estabelecido em determinadas situações.

De modo geral, durante o casamento, esta modalidade de regime funcionará da seguinte forma: cada cônjuge manterá o seu patrimônio individual. Não haverá, a princípio, bens comuns, ainda que tenham sido adquiridos durante o casamento. Apesar da semelhança, é importante saber que a separação obrigatória não é igual à separação convencional de bens. A primeira, como explicamos, é impositiva, por força da lei, já a segunda é uma escolha do casal. Além disso, há diferenças no tratamento jurídico (nas regras) de cada um destes regimes em relação à dissolução da relação, inclusive no que se refere aos efeitos sucessórios.

2. Quem é obrigado a se casar neste tipo de regime?

A imposição deste regime acontece nos casos em que i) um dos nubentes for o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e a partilha aos herdeiros; ii) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; iii) o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do ex-casal; iv) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas e v) quando um dos noivos contar com mais de 70 anos de idade ou for menor de 18 anos.

No entanto, a lei também prevê a que o regime impositivo seja afastado por decisão judicial, a pedido dos nubentes, se, nas hipóteses i, iii ou iv, restar comprovada a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge ou para a pessoa tutelada ou curatelada. Já na hipótese ii o afastamento do regime impositivo dependerá da prova de nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo de 10 meses.

3. Quais as motivações legislativas para este tipo de regime?

O intuito do regime da separação obrigatória é justamente evitar algum tipo de confusão patrimonial ou prejuízos a um dos cônjuges ou a terceiros. Por exemplo: se algum os cônjuges for divorciado, mas ainda não tiver realizado a partilha de bens da relação anterior, há risco elevado de existir confusão patrimonial caso a nova relação observe o regime de comunhão parcial de bens (que é o mais comum atualmente). E, neste exemplo, até mesmo o ex-cônjuge da relação anterior poderia ser prejudicado. Para evitar esta situação, em vez de impedir (proibir) que estas pessoas se casem, o legislador estabeleceu que o matrimônio poderá ser realizado, desde que se aplique o regime da separação obrigatória de bens.

Na hipótese de casamento de pessoas com 70 (setenta) anos ou mais, em tese o regime da separação obrigatória de bens se justificaria para proteger o patrimônio do idoso. No entanto, esta é uma questão muito polêmica, que, inclusive, será objeto de discussão pelo Supremo Tribunal de Federal.

4. Há direitos envolvidos na separação obrigatória de bens? Se sim, quais seriam estes?

Inicialmente, é importante deixar claro que todo o casamento ou união estável gera direitos e obrigações a ambos os cônjuges ou companheiros(as), independente do regime de bens. Por exemplo: na hipótese de divórcio, o direito de receber alimentos (pensão alimentícia) se comprovada a dependência econômica do cônjuge.

O regime de bens é o que definirá as regras, os direitos e obrigações, referentes ao patrimônio. E, em relação ao regime de separação obrigatória de bens, esta pergunta é tema de inúmeras discussões há anos. Isto porque, por um longo período de tempo, prevaleceu o entendimento de que os bens adquiridos durante a união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Neste caso, existiria o direito à meação em relação a tais bens. Esta situação está prevista na súmula 377 do STF, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Porém, inúmeras discussões vieram à tona em relação à presunção do esforço comum, uma vez que, presumir que os bens adquiridos na constância da união são comuns, faz com que o regime obrigatório assemelhe-se ao da comunhão parcial.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é necessária a comprovação de participação no esforço para a aquisição onerosa de determinado bem que se pretende partilhar, ou seja, a presunção deixou de ser aplicada (EREsp 1171821/PR). Portanto, dependendo do caso, os envolvidos poderão, ou não, ter direitos sobre eventuais bens.

Outro ponto interessante se refere à sucessão: pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória de bens não têm o direito de concorrer à herança do cônjuge caso este tenha descendentes (filhos, netos…). No entanto, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, seja concorrendo com os ascendentes daquele (pais, avós…) ou, se não houve ascendentes, receberá a integralidade do patrimônio.

5. O Supremo Tribunal Federal discutirá em breve se é constitucional o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e a aplicação dessa regra às uniões estáveis. Ao ver das senhoras, essa obrigatoriedade é constitucional? Ou o regime de bens não deve estar atrelado a imposições?

Está é uma questão bastante polêmica.

Como explicamos, a aplicação do regime de separação obrigatória nestas hipóteses se justifica, em tese, para proteger o patrimônio do idoso e a ele próprio, considerando que neste momento da vida eventual perda patrimonial teria impacto muito mais relevante. Também há quem entenda que a medida visa proteger patrimonialmente os descendentes do idoso, privilegiando esta relação familiar em detrimento da nova constituição matrimonial realizada após os 70 anos. A justificativa se sustenta no artigo 5º, inciso XXII e XXX da Constituição Federal, que alçam o direito à propriedade e à herança como fundamentais.

Por outro lado, esta justificativa parte da perspectiva de que a pessoa com 70 anos (ou mais) é cognitivamente vulnerável e, de certa forma, incapaz de autodeterminar-se livremente. Ou seja, a legislação neste termos pressupõe que este idoso não tem plenas condições de decidir sobre si próprio, o que ofenderia o princípio da dignidade humana (artigo 1º, III da CF), a vedação à discriminação contra idosos (artigo 3º, IV, CF), a proteção às uniões estáveis (artigo 226, §3º da CF) e o dever de amparo às pessoas idosas (artigo 230, CF).

Impor o regime de bens significa restringir a liberdade dos noivos. E, como toda a restrição de liberdade, é fundamental que haja uma justificativa sólida e consonante com o ordenamento jurídico pátrio. Portanto, entendemos que a discussão a ser enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal é muito relevante e necessária.

Sobre nossa opinião, entendemos que é Inconstitucional. É dever do Estado, previsto inclusive no Estatuto do Idoso, promover medidas de proteção patrimonial à pessoa idosa. No entanto, pressupor a incapacidade da gestão patrimonial em razão da idade para impedir o direito de escolha do regime de bens, significa promover discriminação etária. Entendemos que a resposta para esta questão não deve estar na restrição da liberdade de escolha, mas sim na promoção de uma escolha consciente.

Para tanto, nossa sugestão é permitir que o regime de separação obrigatória fosse afastado por meio de pacto antenupcial ou contrato de união estável. Neste caso, o casal conhecerá os regimes de bens, avaliará sua realidade e decidirá de forma consciente pelo que melhor se adéque. Evidentemente, é recomendado que haja orientação por um profissional especializado em Direito das Famílias.

Não sendo realizado o pacto antenupcial ou o contrato de união estável para o afastamento da separação obrigatória, ela será aplicada. Assim, entendemos que haveria um tratamento jurídico diferente para casamento de pessoas com setenta anos ou mais, mas isto não significaria uma restrição da liberdade de escolha e manteria o objetivo de proteção que foi o intuito do legislador.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Isabella Mady

O regime da separação obrigatória de bens (atualizações)

Assim como os demais regimes de bens, a separação obrigatória é conjunto de regras patrimoniais, aplicável na relação matrimonial e com efeitos também na sucessão. No entanto, diferente dos outros regimes de bens, a separação obrigatória é de aplicação impositiva. Ou seja, como o nome já diz, ela deve ser aplicada obrigatoriamente em determinados casos previstos na lei, independentemente da vontade dos noivos. Esta regra está colocada no artigo 1.641 do Código Civil.

De modo geral, durante o casamento, esta modalidade de regime funcionará da seguinte forma: cada cônjuge manterá o seu patrimônio individual. Não haverá, a princípio, bens comuns, ainda que tenham sido adquiridos durante o casamento.

Apesar da semelhança, é importante saber que a separação obrigatória não é igual à separação convencional de bens, já explicada no artigo “Regime da separação Total de Bens” (clique aqui). A primeira é impositiva, por força da lei, já a segunda é uma escolha do casal. Além disso, há diferenças no tratamento jurídico (nas regras) de cada um destes regimes, no que se refere à dissolução da relação, inclusive quanto aos efeitos sucessórios.

Veja a seguir os casos em que é aplicada a separação obrigatória de bens:

1. Quando o casamento é realizado por pessoas que, na realidade, não poderiam se casar:

a) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal

c) o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do ex-casal;

d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Importante esclarecer que, nestas situações demonstradas, o regime impositivo pode ser afastado a pedido dos nubentes se, nas hipóteses “a”, “c” ou “d”, for comprovada a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge ou para a pessoa tutelada ou curatelada. Já na hipótese “b”, o afastamento do regime impositivo dependerá da prova de nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo de 10 meses.

2. Quando um dos noivos (ou os dois) for maior de 70 anos:

Até o ano de 2010, esta idade era de 60 anos, quando então foi alterada a lei, passando a ser obrigatório este regime de bens para as pessoas maiores de 70 anos.

A imposição deste regime nestes casos, tem a intenção de proteger o patrimônio do idoso e a ele próprio, considerando que neste momento da vida eventual perda patrimonial teria impacto muito mais relevante. Também há quem entenda que a medida visa proteger patrimonialmente os descendentes do idoso, privilegiando esta relação familiar em detrimento da nova constituição matrimonial realizada após os 70 anos.

Esta norma é criticada por alguns operadores do Direito de Família, pois impede a pessoa maior de 70 anos de dispor livremente sobre sua vida e sobre seus bens. É importante ressaltar que a idade avançada, por si só, não é causa de incapacidade, não justificando, portanto, a necessidade de imposição do regime legal. Apesar disso, persiste a previsão legal.

A questão é polêmica e, inclusive, será objeto de discussão pelo Supremo Tribunal de Federal, que decidirá se a imposição do regime de bens da separação para pessoas com mais de 70 anos é constitucional ou não.

3. Quando o casal precisar de suprimento judicial para poder casar:

Este tipo de situação ocorre quando a pessoa menor de idade pretende se casar, mas não tem o consentimento de um ou de ambos os pais, necessitando, portanto, de uma autorização judicial para realizar o casamento. Se esta autorização judicial for concedida, o regime de bens será o da separação legal.

Maria Berenice DIAS1, referência para o Direito de Família, ensina que esta obrigatoriedade existe para mostrar a insatisfação do legislador (aquele que faz a lei) com aqueles que se casam mesmo quando a lei sugere que não o façam, impondo assim, alguns “castigos” em relação ao patrimônio do casal.

Vale acrescentar que, desde março de 2019, pessoas com menos de 16 anos não podem casar sob nenhuma circunstância.

Menores de idade podem se casar? Confira o artigo sobre o assunto (clique aqui).

Assim, conforme dito acima, durante a relação o regime da separação obrigatória de bens funcionará de forma semelhante ao regime da separação total de bens (clique aqui).

Ao longo dos anos houve muita discussão a respeito das regras aplicáveis na dissolução das relações regidas por este regime de bens.

Por um longo período de tempo, para evitar que um dos cônjuges enriquecesse às custas do outro, prevaleceu o entendimento de que os bens adquiridos durante a união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Neste caso, existiria o direito à meação em relação a tais bens. Esta situação está prevista na súmula 377 do STF, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Porém, inúmeras discussões vieram à tona em relação à presunção do esforço comum, uma vez que, presumir que os bens adquiridos na constância da união são comuns, faz com que o regime obrigatório assemelhe-se ao da comunhão parcial.

Regime da Comunhão parcial de bens – clique aqui para ler.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é necessária a comprovação da participação no esforço para a aquisição onerosa de determinado bem que se pretende partilhar, ou seja, a presunção deixou de ser aplicada (EREsp 1171821/PR). Portanto, dependendo do caso, os envolvidos poderão, ou não, ter direitos sobre eventuais bens.

Outro ponto interessante se refere à sucessão: pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória de bens não têm o direito de concorrer à herança do cônjuge caso este tenha descendentes (filhos, netos…). No entanto, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, seja concorrendo com os ascendentes daquele (pais, avós…) ou, se não houve ascendentes, receberá a integralidade do patrimônio.

Embora haja certa discussão sobre alguns aspectos da separação obrigatória de bens, sendo a sua aplicação justa ou não, essas são as regras contidas na lei em relação ao referido regime de bens até o presente momento. Caso haja alguma novidade sobre o assunto, atualizaremos este artigo!

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho 

Isabella Mady

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1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

TJDFT decide: ex-cônjuge não é obrigado a dividir gastos de cachorro com o qual não convive

No artigo “Guarda de animais de estimação” (clique aqui), explicamos que no Brasil, ainda não há uma legislação específica para regulamentar tais situações, envolvendo os cuidados com animais de uma família depois da eventual ruptura das partes. O projeto de lei nº. 542/2018, que versa sobre a matéria, está em trâmite.

Apesar disso, em muitos casos a jurisprudência vem antes da legislação, pois as questões chegam ao Judiciário, que precisa decidir sobre tais demandas, mesmo não havendo previsão legal específica.

Volta e meia, nos deparamos com notícias sobre casos envolvendo os animais, isso no âmbito do Direito de Família.

Recentemente, a 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT negou, em unanimidade, o pedido realizado por uma mulher para que seu ex-marido fosse obrigado a dividir gastos com cachorro com o qual não convive mais.

O animal de estimação, portador de leishmaniose, era de propriedade de ambos enquanto casados, porém a desarmonia entre o ex-casal impossibilitou a convivência do réu com o cachorro.

A autora alegou que possui diversas despesas com o animal e que, durante o casamento, o casal não media esforços para proporcionar o melhor tratamento e atender todas as necessidades do cachorro, devendo tal comportamento continuar após o divórcio.

Segundo o réu, a autora exigiu pagamento de um alto valor pelo cachorro e suas despesas. O homem concordou em pagar as despesas até o divórcio e, depois disso, mencionou que arcaria somente com o tratamento da leishmaniose.

Ele reforçou, porém, que a autora estava negando o acesso dele ao animal, motivo pelo qual renunciou ao seu direito de condômino, isentando-se do pagamento de dívidas (art. 1316 do CC).

No entendimento da Turma, diante da inviabilidade do compartilhamento do convívio e da falta de regulamentação da propriedade do animal na partilha de bens, incumbe àquele que assumiu sua posse exclusiva após o divórcio a integralidade das despesas com seu custeio.

Considerou-se, pois, que o animal seria um bem que não chegou a ser partilhado, mas quem manteve a sua posse ficou responsável por arcar com suas despesas.

Processos que envolvem animais de estimação estão cada vez mais comuns. Muitos falam em humanização dos bichos. Qual sua opinião sobre o assunto?

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho 

Isabella Mady

Família recomposta e/ou reconstruída

“Família recomposta”: está aí um termo que talvez você nunca tenha escutado, ou se escutou acredita não saber o que é.

Mas estamos aqui para te contar que a família recomposta é aquela formada por pessoas que já tiveram relacionamentos anteriores – os quais chegaram ao fim por meio do divórcio ou outro meio.

Essa modalidade familiar surgiu em decorrência das transformações sociais que romperam a severidade dos desenhos tradicionais das famílias e permitiram que se desenvolvessem novas entidades familiares, além das formadas somente pelo matrimônio.

Pode-se dizer que a família recomposta representa o pluralismo familiar que é previsto na Constituição Federal, ou seja, merece reconhecimento e proteção jurídica assim como os demais tipos de família (“Você sabia que existem vários ‘tipos’ de família?” Clique aqui!).

Rolf MADALENO1 traz um exemplo de família recomposta, sendo aquela na qual a mulher, depois do divórcio, casa-se novamente:

A partir do casamento podem surgir e é comum que surjam diferentes ciclos familiares experimentados depois da separação, ficando a prole com a mulher em uma nova conformação familiar, dessa feita uma entidade monoparental. Seguindo sua trajetória de vida e, sobrevindo ou não o divórcio, ela se casa novamente ou estabelece uma união estável e passa a constituir uma nova família, que não tem identificação na codificação civil, e passou a ser chamada de família reconstruída, mosaica ou pluriparental. A família reconstruída é a estrutura familiar originada em um casamento ou uma união estável de um par afetivo, onde um deles ou ambos os integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou de uma relação precedente.

Ana Carolina Brochado TEIXEIRA e Renata de Lima RODRIGUES2, também mencionam o seguinte sobre o tema:

As famílias que se formam em resultado do rompimento conjugal tornam-se monoparentais. Essa situação pode ter um tempo definido ou não, já que vinculada à recomposição familiar, agregando-se um novo cônjuge ou companheiro àquele núcleo familiar, fazendo que surja, dessa forma, um novo arranjo. As famílias reconstituídas podem ter várias configurações, tais como: (a) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, sem prole comum; (b) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, com prole comum; (c) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, inexistindo prole comum; (d) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, com prole comum.

Tem-se, portanto, a necessidade de reconhecer a família recomposta como uma estrutura complexa, já que um novo relacionamento após um divórcio ou após qualquer outra forma de ruptura acarreta a junção de duas famílias com atributos próprios. Assim, para o seu funcionamento de forma harmoniosa, será preciso que cada um dos indivíduos da família anterior aceite a nova formação.

A princípio, não são claros os papéis de cada membro da família recomposta, tampouco os laços com os demais componentes, devendo ser organizada a estrutura familiar com base nas condições dos indivíduos, respeitando-se, por óbvio, as características de cada um.

Esse tipo de família constituiu uma importante fonte de matéria de estudo para as ciências sociais e, embora ela já tenha sido estudada por outros ramos como a sociologia e a psicologia, ainda não há muito material jurídico sobre estas entidades familiares.

Isso porque, em tese, não há relação de parentesco entre os filhos do cônjuge ou do companheiro advindos de uniões anteriores, por exemplo. Apesar disso, entende-se que, quando as pessoas decidem formar uma família recomposta, gera-se um parentesco por afinidade3 entre um dos parceiros do novo casal e os filhos do outro, do mesmo modo que aconteceria com os demais familiares do cônjuge ou companheiro.

Isso não significa, contudo, que o companheiro automaticamente assume o papel de autoridade parental em relação aos filhos do outro:

Um exemplo confirma esta realidade. O novo marido da mãe, ou a nova esposa do pai, não sabe se comporta-se como “um pai”, ou “um amigo” ou “outro adulto da casa”. Esta ambiguidade constitui dificuldade mais significativa das famílias reconstituídas para obter a plena satisfação de seus integrantes. Consequência desta ambiguidade são os conflitos que nascem das expectativas de cada um dos novos conviventes acerca das atitudes do outro em relação aos filhos da união precedente. Exemplos: a nova esposa do pai que pretenda atuar como “mãe” dos filhos de seu marido, educando-os, e estes não lhe reconhecem a autoridade para fazê-lo; ou o novo marido da mãe que pretenda manter-se à margem desta tarefa, quando a mãe aspira que seu novo cônjuge compartilhe esta função. Esta opção é absolutamente irreal porque a convivência dia a dia gera situações que exigem alguma intervenção a respeito das crianças que coabitam com o adulto. Ou, ainda, o cônjuge ou companheiro da mãe ou do pai não deseja compartilhar as funções parentais, mas quer ajudar e ter o direito de opinar, o que corresponde ao exercício indireto da parentalidade4.

Para ler mais sobre a autoridade parental, confira o artigo: “O que é autoridade parental?” (clique aqui)!

Como nem todas as consequências e efeitos jurídicos da formação da família recomposta são fáceis de serem previstos, é preciso que o Judiciário intervenha, fixando, por exemplo, preceitos mínimos que garantam o compromisso daqueles que vivem em tais circunstâncias.

No artigo “‘Pai ou mãe é quem cria’: entenda o que é a parentalidade socioafetiva” (clique aqui), já se discorreu acerca da filiação socioafetiva. Sabe-se, assim, que a essência da socioafetividade é – mais do que o mero sentimento de afeto – o exercício fático das funções de pai ou de mãe, demonstrado pela prática de determinadas condutas objetivas de assistência à prole.

Diante disso, considera-se que a família recomposta é ambiente privilegiado para o aparecimento das relações paterno-filiais e materno-filiais pautadas pela afetividade, na medida em que há convivência e partilha de um espaço comum.

Embora na legislação não haja previsão específica acerca dos eventuais efeitos advindos da relação do filho com padrasto ou madrasta, sabe-se que a relação socioafetiva, depois de reconhecida, gera efeitos, assim como qualquer relação paterno-filial ou materno-filial, independentemente de sua origem.

Desse modo, a eventual constatação da parentalidade socioafetiva, decorrente (ou não) de uma família recomposta, garante ao filho seus direitos e ao pai ou mãe socioafetivo(a) a participação no desenvolvimento da prole.

Vale dizer que, o vínculo socioafetivo poderá ser constituído ainda que não se tenha um desligamento afetivo ou material dos filhos com seus pais biológicos, configurando-se, eventualmente, uma situação de multiparentalidade, a qual é tratada no artigo “Multiparentalidade: entenda esse novo conceito” (clique aqui).

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

2 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O Direito das Famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010.

3 Os parentes por afinidade, ou “afins”, são aqueles que se tornam nossos parentes em decorrência do casamento ou união estável (são parentes naturais do cônjuge ou do companheiro).

4 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas: novas uniões depois da separação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

“Menores de idade podem se casar?” – Atualizado!

Menores de idade podem se casar?”

Essa é uma pergunta que recebemos com uma frequência maior do que se poderia imaginar. Confessamos que até nos causa certo espanto o elevado número de mensagens e dúvidas que recebemos relacionadas ao casamento de pessoas menores de idade.

Na medida do possível, propomos uma reflexão para os jovens que nos escrevem, a fim de que eles pensem sobre as consequências sérias do matrimônio e decidam sobre a questão com a cautela necessária. 

Há dois anos, escrevemos sobre o tema aqui no Direito Familiar, mas, considerando as recentes atualizações legislativas, resolvemos repostar o artigo, inserindo todas as novidades que a Lei nº 13.811 de 2019 trouxe, uma vez que as alterações são bem significativas.

Vamos lá!

Afinal, menores de idade podem se casar? Embora pareça uma situação rara de se acontecer, ela é possível, desde que observados alguns critérios específicos.

Primeiramente, deve-se dizer que o casamento é um ato formal submetido a diversos requisitos previstos em lei. Esse é o motivo pelo qual existe um processo de habilitação de casamento, em que aqueles que pretendem se casar devem apresentar documentos que demonstrem a capacidade civil dos noivos e a eventual existência de impedimentos matrimoniais.

É de interesse do estado que todas as famílias constituídas pelo matrimônio sejam concebidas dentro da formalidade que a lei exige. 

Para aqueles que são maiores de 16 e menores de 18 anos¹, entende-se que podem se casar, desde que com a autorização de seus pais (artigo 1517 do Código Civil Brasileiro).

Caso os pais não autorizem o casamento do filho que possui entre 16 e 18 anos, existe o que se chama de suprimento judicial de consentimento.

O suprimento judicial do consentimento acontece quando aquele que pretende se casar possui mais de 16 e menos de 18 anos e um dos genitores (ou ambos) não autoriza o casamento. Nesses casos, o juiz, em sentença judicial, analisará a questão e autorizará o matrimônio, substituindo a autorização dos pais.

O menor de idade, para ingressar com o processo pedindo o suprimento do consentimento, deverá estar assistido pela Defensoria Pública ou por advogado, o qual deverá pleitear a sua nomeação como curador especial do adolescente, em razão do conflito de interesses entre o filho e seus representantes legais (que geralmente são os pais).

É importante dizer que o juiz deverá “proceder com extremo cuidado e cautela ao analisar o pleito de suprimento de consentimento, para não estar, por via oblíqua, afrontando o poder familiar e, tampouco, autorizando um matrimônio impensado ou decorrente de impulsos frenéticos e apaixonados, com visível proteção a um adolescente(para saber mais sobre poder familiar, clique aqui). O juiz precisará ouvir os pais do adolescente também, para entender os motivos da recusa em conceder a autorização, “somente autorizando o casamento se houver visível abuso do direito pelos responsáveis².

Em relação àqueles que pretendem casar, mas contam com menos de 16 anos, já não existe mais a possibilidade de realizar o ato, sendo esta a grande atualização legislativa trazida pela Lei 13.811 de 2019³, que alterou o artigo 1.520 do Código Civil, dando-lhe nova redação, qual seja: “Art. 1.520.  Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código“.

Ou seja, as hipóteses excepcionais até então existentes, deixaram de existir, sendo expressamente proibido o casamento de pessoas menores de 16 anos, em qualquer hipótese.

                                  – Para saber quais eram as hipóteses excepcionais existentes, clique aqui

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Manda para a gente por meio dos comentários aqui no blog, e-mail (clique aqui) ou nas redes sociais!

Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho 
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¹“Frise-se, por oportuno, que não é – e não pode ser – requisito para a capacidade matrimonial a aptidão física sexual e reprodutiva, uma vez que o casamento não traz como finalidade a procriação ou mesmo a prática de relações sexuais (que independem de casamento, por sinal), mas sim o estabelecimento de uma comunhão de afeto, de vida, como já visto antes)”. FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
²FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
³http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/66749451

O que é casamento nulo (inválido)?

Casamento nulo (inválido): o que é?

Já vimos em artigos anteriores, que o casamento é a união voluntária de duas pessoasrespeitando alguns requisitos previstos em Leia fim de constituir uma família.

No entanto, há casos em que o casamento, embora tenha sido realizado, não será considerado válido, ou seja, o casamento será considerado nulo.

O tema é um pouco complexo, mas tentaremos explicar à “moda” Direito Familiar!

No Direito, para que um ato seja reconhecido juridicamente, devem ser analisados três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia.

A existência é o plano do “ser”, ou seja, é o que considera a presença de elementos fundamentais para aquele ato. Na ausência deles, é como se o ato não existisse para o Direito e, portanto, não merecesse proteção jurídica.

A existência de um casamento pressupõe que foram seguidos os requisitos mencionados no artigo “Casamento civil: como funciona?” (clique aqui), tais como: consentimento, celebração por autoridade e a “fórmula sacramental”. É somente depois disso que se pode considerar o casamento existente.

A validade, por sua vez, “concerne ao ajuste do ato às prescrições estabelecidas em lei”1. Assim, o casamento pode ter existido, mas, se não respeitadas determinadas disposições legais, ele não será legalmente válido.

A ausência de alguns requisitos pode tornar o casamento apenas anulável (de forma que ele, apesar de irregular, ainda poderá ser convalidado – ou seja, será dada posterior validade a ele e, assim, poderá ser mantido).

A falta de outros, porém, torna o casamento nulo (sem validade). Isso quer dizer que, em tese, será como se aqueles que se casaram tivessem que retornar ao estado civil anterior.

A eficáciaterceiro plano – tem relação com a produção de efeitos daquele ato.

Neste artigo, trataremos somente sobre as hipóteses em que o casamento será tido como INVÁLIDO, ou seja, NULO (e não anulável).

Quais são elas?

A nulidade de casamento, pela gravidade de suas consequências, não admite interpretação extensiva, ou seja, ela só acontecerá na hipótese prevista em lei, qual seja: quando um ou ambos os cônjuges incorrerem em impedimento matrimonial.

Os impedimentos matrimoniais estão previstos no artigo 1521 do Código Civil:

Art. 1.521. Não podem casar:

Ios ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

IIos afins em linha reta;

IIIo adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IVos irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

Vo adotado com o filho do adotante;

VIas pessoas casadas;

VIIo cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Sobre os impedimentos decorrentes do parentesco (I a V), já tratamos no artigo “Posso casar com algum parente meu?” (clique aqui).

Quanto aos demais, vê-se a previsão de impedimento no tocante apessoas casadas”. Ou seja, aqueles que já são casados não poderiam, em tese, casar novamente, sob pena de ser considerado nulo o segundo casamento, já que havia causa de impedimento.

Cristiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD 2 explicam que:

Somente desaparece esse impedimento matrimonial através da dissolução do casamento anterior (por morte ou declaração de ausência, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento). Até porque o impedimento não decorre do fato da pessoa ter sido casada, mas de ser casada. No que tange à invalidade do primeiro casamento, enquanto não for reconhecida a nulidade das primeiras núpcias, as segundas continuam reputadas inválidas, por conta da bigamia. Uma vez reconhecida a nulidade do primeiro casamento (não tendo produzido qualquer efeito), naturalmente, estará reconhecida a perfeita validade do segundo”.

Além disso, consta o impedimento para o casamento entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Isso significa dizer, por exemplo, que, se você era casado e alguém matou seu cônjuge, você não poderá casar com o assassino.

Como os impedimentos são “insanáveis e graves, a lei consagra como consequência da sua infringência a nulidade absoluta do casamento”3.

Tem-se, portanto, que, o ato do casamento pode ser considerado nulo em algumas ocasiões, de maior “peso” para o Direito. Em resumo, o casamento será nulo quando houver algum impedimento matrimonial.

Apesar disso, é importante dizer que, por ser um ato existente, ainda que seja inválido (nulo), ele poderá produzir efeitos (plano da eficácia), isso em relação a terceiros, tais como: presunção de paternidade no que diz respeito aos filhos advindos da união e reconhecimento da comunhão de bens.

Vale dizer, ainda, apenas a título de esclarecimento, que, antes da vigência do estatuto da pessoa com deficiência (Lei nº. 13146/2015), havia um dos incisos do artigo citado acima que reputava como inválido o casamento realizado por pessoa mentalmente enferma, em grau que não lhe possibilite entender ou discernir a natureza e as consequências dos atos da vida civil.

No entanto, tal dispositivo foi revogado com o advento do referido estatuto. (Para saber mais sobre o estatuto da pessoa com deficiência, confira o artigo “Curatela: o que é isso?” – clique aqui).

Apesar disso, certo é que o casamento depende de uma decisão na qual se expressa uma vontade e, estando a pessoa com uma deficiência que não lhe permita manifestar devidamente a vontade, isso poderá tornar o ato inexistente (não será nulo pelos requisitos de validade, mas será inexistente – “Casamento Civil: como funciona?” – clique aqui).

Sabemos que o assunto é um pouco complicado, mas esperamos que o texto facilite a compreensão sobre o que é um casamento nulo!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

2 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

3 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9ª Edição. São Paulo, 2014.

Casamento: Posso casar com algum parente meu?

Posso casar com algum parente meu?

O casamento é a união voluntária de duas pessoas, nas condições sancionadas pelo Direito, a fim de se estabelecer uma família. Ele é um ato formal submetido a diversos requisitos previstos em lei.

Mas você sabia que não pode casar com qualquer pessoa? É isso mesmo, a nossa legislação prevê alguns impedimentos matrimoniais, dentre eles os resultantes do parentesco entre as pessoas.

E o que são impedimentos matrimoniais por parentesco?

Pois bem, sabe-se que, em tese, as pessoas são livres para se casarem. No entanto, a legislação prevê certos obstáculos com a intenção de “limitar a natural faculdade de casar”1. Esses “obstáculos” são chamados de impedimentos matrimoniais e estão previstos no artigo 1521 do Código Civil.

Os impedimentos matrimoniais podem ser classificados em três categorias principais: resultantes de parentesco, de casamento anterior e de prática de crime.

No presente artigo, vamos tratar somente sobre os impedimentos matrimoniais resultantes de parentesco. Lembre-se que, o parentesco pode ser em linha reta (descendentes e ascendentes), colateral (ligação entre duas pessoas com um ancestral comum) ou por afinidade – conforme veremos em seguida.

O grau de parentesco, caso haja dúvidas, é contado de acordo com o artigo 1594 do Código Civil: Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”.

Vamos ver então quais são os impedimentos por parentesco?

De acordo com o artigo 1521 do Código Civil, não podem se casar:

I) os ascendentes com descendentes,

II) os parentes afins em linha reta,

III) o adotante com o cônjuge do adotado e o adotado com quem foi cônjuge do adotante,

IV) os irmãos, colaterais até o terceiro grau e

V) o adotado com filho do adotante.

Temos então, que, de acordo com a lei, não podem se casar pais e filhos, avôs e netos… (linha reta, descendente).

Vale lembrar que, o parentesco nesse sentido pode ser biológico ou não (adoção ou socioafetividade), já que não se permite a diferenciação de filhos, independentemente de sua origem.

Para entender melhor sobre a socioafetivade leia o artigo a seguir: “Pai ou mãe é quem cria!”: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui)  

Esta proibição estaria relacionada ao fato de que “os estudos biológicos indicam uma alta probabilidade de malformações físicas e psíquicas das pessoas oriundas de relacionamentos entre parentes. Depois, por força da densidade moral social (coletiva)”2.

Além disso, conforme a previsão legal, não se permite o casamento de “parentes afins”. Mas, quem são eles?

Por certo, você já ouviu a expressão que diz que “sogra é para sempre”, não? A sogra é um exemplo de parente por afinidade.

Os parentes por afinidade, ou “afins”, são aqueles que se tornam nossos parentes em decorrência do casamento ou união estável (são parentes naturais do cônjuge ou do companheiro).

É estabelecido em lei que este vínculo de parentesco por afinidade não se dissolve com o divórcio. Esse é o motivo do “para sempre” contido na expressão mencionada acima.

Assim, tem-se que “dissolvido o casamento ou a união estável que deu origem à afinidade, o viúvo (ou ex-cônjuge) não pode casar com a sogra ou a enteada, porque o parentesco por afinidade em linha reta não se dissolve”3.

No tocante às demais proibições relacionadas aos filhos adotados (III e V), parece-nos que atualmente nem seria necessário que isso fosse expresso em artigo de lei, já que se trata de relação típica de parentesco, sem qualquer diferenciação – conforme supracitado – com os demais filhos, já abrangidos pela disposição antecedente.

Afora isso, temos a situação de casamento entre colaterais. Essa proibição atinge os irmãos, os tios e sobrinhos, “estendendo a pessoas mais distantes a proibição do incesto”4.

Há quem defenda que o impedimento para tios e sobrinhos não deve ser mantido, até porque hoje em dia há meios de verificar a compatibilidade sanguínea, evitando prejuízos à saúde da eventual prole (filhos)5. Há, de outro lado, a moral social.

Portanto, essa é uma questão que ainda gera divergências, em razão de entendimentos diferentes entre os operadores do Direito.

Em resumo, para facilitar o entendimento, podemos dizer que os impedimentos matrimoniais decorrentes de parentesco são os seguintes: ascendentes com descendentes e colaterais (até o terceiro grau), independentemente da origem da relação (biológica ou não), bem como parentes por afinidade, em linha reta.

Como a vedação do casamento vai até o terceiro grau, primos podem casar entre si, de acordo com a legislação.

Estes são os impedimentos matrimoniais decorrentes de parentesco. Para saber sobre os demais impedimentos (casamento anterior e prática de crime), continue acompanhando o Direito Familiar, pois serão tratados nos próximos artigos!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

2 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

3 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

4 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

5 Enunciado nº. 98 da I Jornada de Direito Civil: O inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-lei n. 3.200/41, no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.

Inventário: herança do cônjuge ou companheiro/a conforme o regime de bens

Vou receber herança se meu marido/esposa/companheiro(a) falecer?”

O Direito Sucessório é uma das áreas que pode gerar mais dúvidas nas pessoas que não atuam na área, pois existem vários detalhes que precisam ser considerados a fim de que se possa dar um parecer sobre qualquer situação. A partilha de bens no inventário é diferente da que acontece no divórcio e há diversas circunstâncias importantes a serem ponderadas.

A dúvida acima é uma das que mais aparece e, quando ela surge, o primeiro ponto que deverá ser analisado é o regime de bens do casamento ou da união estável mantida pelo indivíduo.

No artigo “Inventário: Ordem sucessória” (clique aqui) – explicamos sobre a ordem sucessória, ou seja, quem são os herdeiros de uma pessoa quando ela falece.

No artigo “Quais são os regimes de bens existentes?” tratou-se sobre cada um dos regimes para que você tenha conhecimento acerca deles.

O objetivo deste artigo é explicar brevemente como funcionará a partilha de bens decorrente do falecimento de um dos cônjuges ou companheiros/as em cada um dos regimes de bens. No entanto, antes de dar início às explicações, é preciso chamar a atenção para o fato de que cada caso deverá ser analisado de acordo com suas particularidades (pode haver contratos, dívidas, financiamentos, doações, irregularidades, inventários anteriores… muitas hipóteses. E nem todas poderão ser abarcadas aqui, já que o assunto será tratado de forma geral).

As informações mais importantes, além do regime de bens do casamento ou da união estável, estão relacionadas à aquisição do patrimônio. Por exemplo, é necessário verificar a data de início da união e a data de aquisição dos bens, a fim de constatar se ele será partilhado ou não. Além disso, é importante verificar, também, a existência de filhos (que podem ser vivos ou já falecidos), pais vivos, e várias outras possibilidades.

Por isso, desde já deixamos claro que este artigo tem o objetivo de facilitar a compreensão dos leitores sobre o assunto de uma forma ampla. Para esclarecimentos sobre casos específicos, recomenda-se buscar o auxílio de advogados/as especializados/as na área de Direito das Sucessões, que poderão analisar cuidadosamente o caso concreto e suas variáveis.

Feitas tais considerações, passa-se à explicação, de maneira objetiva, acerca de como será analisada a questão patrimonial de uma pessoa que falece que era casadaou que vivia em união estávele que tinha filhos, conforme os regimes de bens que regem o casamento ou a união.

Regime de Comunhão Parcial de bens

Antes de tudo, devemos sempre lembrar que no regime da comunhão parcial de bens existem os bens comuns e os particulares.

Confira a lista de bens comuns e particulares clicando aqui (clique aqui)

Você também pode ler especificamente sobre o inventário na comunhão parcial de bens clicando aqui.

Com o falecimento de um dos cônjuges/companheiros/as, o sobrevivente terá direito à meação (50%) dos bens comuns.

Mas e o restante dos bens? Não há herança? Há herança sim!

Além de meeiro, o cônjuge ou companheiro/a sobrevivente será herdeiro/a também. Isso porque, quando falamos em sucessão no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge concorre (divide o patrimônio) com os demais herdeiros/as legítimos do de cujus (falecido), mas isso em relação aos bens particulares.

Seguem abaixo ilustrações para facilitar a compreensão:

BENS COMUNS

BENS PARTICULARES

Regime de Separação Total de bens

Em relação ao regime de separação total de bens, o entendimento majoritário (da maioria) é de que o cônjuge/companheiro/a será herdeiro/a, concorrendo com os filhos, ou seja, não receberá necessariamente a metade do patrimônio.

Para saber mais sobre o regime da separação total de bens, confira o artigo sobre esse regime clicando aqui.

Poucos são os que têm o entendimento contrário a esse. Quem adota o posicionamento contrário entende que, se o casal escolheu não compartilhar dos seus bens enquanto estavam vivos, essa escolha também deve ser levada em conta no caso de falecimento de um deles. Para quem pensa assim, um não é herdeiro do outro, ou seja, não terá direito a nada da herança dele.

Porém, é uma situação que não está com o entendimento consolidado pelos tribunais, ainda há muita divergência e, por isso, o desfecho do caso vai depender do entendimento de quem estiver analisando.

De qualquer forma, adotando-se o entendimento de que o cônjuge ou companheiro/a será herdeiro/a, aquele que sobreviver terá o direito de receber a herança deixada pelo falecido/a.

Considerando que todos os bens deixados pelo cônjuge/companheiro/a que faleceu são particulares, o sobrevivente concorrerá com os filhos/as em igual proporção, conforme imagem abaixo:

Regime de Comunhão Universal de bens

Se o cônjuge ou companheiro/a e a pessoa que faleceu optaram pelo regime da comunhão universal de bens, aquele que sobreviveu não será herdeiro, apenas meeiro.

Isso acontece porque, automaticamente, 50% do patrimônio total de um dos cônjuges/companheiro que faleceu já pertence ao sobrevivente, a título de meação.

Para entender melhor qual é diferença entre “herdeiro” e “meeiro”, clique aqui.

Podemos observar que o artigo 1829 do Código Civil não faz ressalva quanto à existência, ou não, de bens particulares, como faz ao mencionar o regime da comunhão parcial.

Segue ilustração abaixo para facilitar a compreensão:

PATRIMÔNIO TOTAL

Regime da Separação Obrigatória/legal de bens

Em tese, ao ler o artigo 1829 do Código Civil, veremos que as mesmas regras que se aplicariam ao regime da comunhão universal de bens, serviriam também ao regime da separação obrigatória em relação ao fato de o cônjuge ou companheiro/a não ser herdeiro daquele que faleceu.

O Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula 377, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.” A justificativa para a criação desta súmula foi a de evitar que a imposição legal gere enriquecimento ilícito do cônjuge ou companheiro(a) que, na prática, administra o patrimônio familiar; em detrimento do outro, que apesar de contribuir direita ou indiretamente com a constituição do patrimônio, não o possui em seu nome.

Por conta disso, durante um longo período prevaleceu o entendimento no sentido de que os bens adquiridos na constância da união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Ocorre que, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do julgamento do EREsp 1171820/PR, decidiu que, para a incidência da Súmula 377 do STF, “caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva)”. 

Entende-se, pois, que deve ser realizada uma análise caso a caso, levando em conta se existem bens adquiridos durante a união e se há provas acerca da contribuição de ambos na aquisição do patrimônio. 

Veja abaixo:

BENS PARTICULARES (ANTERIORES A UNIÃO)

Regime de Participação Final nos Aquestos

O regime da participação final nos aquestos é um regime de difícil aplicação, pois exige um controle contábil minucioso.

Para ler mais sobre a participação final nos aquestos, clique aqui.

No caso da sucessão, o entendimento é de que ela acontecerá da mesma forma em que se dá a sucessão na comunhão parcial de bens, tendo em vista que ocorrerá a meação em relação ao bens comuns e herança sobre os bens particulares. No entanto, para apurar os aquestos, será necessária a realização de uma apuração contábil a fim de delimitá-los.

Feitos tais esclarecimentos sobre os regimes de bens, devemos reforçar que os Tribunais e operadores do Direito têm entendimentos diferentes sobre o assunto. Por isso, uma mesma situação pode ter resultados diferenciados, a depender do entendimento daqueles que estão atuando no processo.

Ainda, frise-se que, nos exemplos apresentados, foi considerada a seguinte situação: casal com dois filhos comuns do casamento (ou união estável). Importante esclarecer tal ponto, pois, como dito acima, muitos fatores influenciam na análise do caso concreto, como um número maior de herdeiros e/ou a existência de filhos da pessoa que faleceu nascidos de outro relacionamento.

Dito isso, reforça-se a importância de buscar o auxílio de profissionais especializados em Direito de Família e Sucessões, para que a situação seja analisada cuidadosamente, considerando todos os detalhes relacionados ao caso.

Advogado(a): precisa elaborar um pedido de abertura de inventário? Confira os modelos de petição disponíveis na loja do Direito Familiar (clique aqui)!

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Inventário: Ordem sucessória

O inventário é um tema muito presente nas dúvidas que recebemos dos nossos leitores. Falar sobre este assunto não é algo simples, afinal, tudo depende da análise do caso concreto e – temos de convir – nossa legislação não facilita muito para a compreensão do tema.

Uma das dúvidas recorrentes dos nossos leitores está relacionada ao direito do cônjuge, ou do companheiro(a) sobrevivente de receber herança ou ter direitos sobre os bens deixados pela pessoa que faleceu.

Primeiramente, temos que ressaltar que, embora o regime de bens seja escolhido quando se realiza o casamento ou a união estável, devemos lembrar que ele, além de gerir o patrimônio do casal durante a união, produzirá efeitos não só quando (e se) houver separação, mas também interferirá diretamente na partilha de bens quando um dos cônjuges/companheiro vier a falecer.

Ou seja, quando falamos em regime de bens, temos que considerar o regime durante o casamento e também depois da abertura da sucessão.

Conforme mencionamos no artigo “O que é inventário e para que serve?” (clique aqui), o Direito das Sucessões é o ramo que disciplina a transmissão do patrimônio de uma pessoa que faleceu para os seus sucessores.

Assim, quando uma pessoa falece, ocorre a abertura de sua sucessão, para verificar o patrimônio deixado e dividi-lo entre os herdeiros.

E aí surge a pergunta, mas quem são os herdeiros?

Pois bem, neste artigo falaremos sobre os herdeiros legítimos, ou seja, aqueles considerados herdeiros por Lei. Importante esclarecer tal ponto, pois existem os herdeiros testamentários, ou seja, aqueles indicados em testamento deixado pela pessoa que faleceu.

Dito isso, para esclarecer quem será herdeiro legítimo, ou não, temos que ler o artigo 1.829 do Código Civil.

Este artigo apresenta a seguinte ordem de sucessão:

1º – os descendentes (filhos) em concorrência com o cônjuge/companheiro.

2º – se não tiver filhos, os ascendentes (pais) concorrem com o cônjuge/companheiro sobrevivente.

3º – se não tiver filhos, nem pais, o cônjuge/companheiro herdará tudo.

4º – se não tiver filhos, nem pais, nem cônjuge/companheiro, os herdeiros serão os parentes colaterais (irmãos, primos, tios….)

No entanto, o artigo faz algumas ressalvas ao considerar os regimes de bens.

Se o cônjuge/companheiro e a pessoa que faleceu optaram pelo regime da comunhão universal, aquele que sobreviveu, não será herdeiro, apenas meeiro.

Para entender melhor leia nosso artigo “Qual é a diferença entre herdeiro e meeiro?” (clique aqui).

Se casados pelo regime da comunhão parcial, o cônjuge/companheiro será meeiro em relação ao patrimônio comum (de ambos) adquirido durante a união, e será herdeiro apenas se existirem bens particulares (somente do falecido).

Confira a lista de bens comuns e particulares clicando aqui (clique aqui).

Em relação ao regime da separação obrigatória, muito tem se discutido, pois, se o regime para a união não foi escolhido pelas partes, mas imposto por lei, então o que aconteceria depois do falecimento de um dos cônjuges ou companheiros? Poderia haver alguma alteração?

Há entendimento de que, mesmo no regime da separação obrigatória, o cônjuge/companheiro sobrevivente participará da sucessão como herdeiro em relação aos bens particulares, da mesma forma que ocorre no regime da comunhão parcial de bens. Contudo, a análise poderá ser diferente, dependendo da posição do juiz que estiver julgando o caso.

Ainda, em que pese o artigo da lei não mencione todos os regimes de bens, importante falar sobre o regime da separação total de bens.

Quanto a este regime, o entendimento predominante é o de que o cônjuge/companheiro poderá ser herdeiro, muito embora as partes tenham optado – em vida – por não compartilhar os bens durante a união. Há, contudo, muitas divergências sobre o tema e não há um posicionamento consolidado pelos tribunais.

Certo é que cada caso vai apresentar suas particularidades e a aplicação desta ordem sucessória pode ser alterada (por exemplo, se algum herdeiro legítimo já tiver falecido).

Conforme sempre afirmamos em nossos artigos, cada situação deverá ser analisada individualmente.

Por tal motivo, ressaltamos a importância de procurar a ajuda de profissionais especializados na área de Direito de Família e Sucessões, para que as informações sejam obtidas de maneira precisa, a partir da análise de documentos e de fatos.

Nos próximos artigos falaremos como funciona a questão da divisão patrimonial em cada um dos regimes de bens existentes.

Fique ligado!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

União estável e casamento entre pessoas do mesmo sexo

o sexo é tão inerente ao ser humano como respirar, amar, ou sofrer. 

Pena que alguns teimem em transformá-lo em tabu.” 

(RODRIGUES, Humberto).

 

A possibilidade de uniões estáveis e de casamento entre pessoas do mesmo sexo é um assunto que já gerou muita polêmica. Aqui, no Direito Familiar, nunca foi escrito um artigo especificamente sobre isso, por entendermos que o casamento – e a união estável – de homossexuais, em nada difere das demais entidades familiares.

No entanto, para aqueles que se interessam pela matéria, achamos que seria pertinente tecer uma explicação de como essas uniões passaram a ser reconhecidas efetivamente pelo ordenamento jurídico brasileiro. Quer entender melhor como isso aconteceu? Vamos lá!

Em diversos artigos, já mencionamos que a família passou por transformações ao longo dos anos, tendo em vista que em épocas anteriores a entidade familiar formada pelo matrimônio era a única reconhecida pelo Direito e que, com o passar do tempo, a família veio a ser identificada por outro aspecto principal: o afeto.

Assim, considerando que as mudanças da sociedade exigiram uma adaptação da legislação, as alterações advindas da Constituição Federal de 1988 reconheceram as diversas formas de família, sejam elas formadas pelo casamento ou não.

Segundo Giselda HIRONAKA1, a família atual é “mais sincera, digamos assim, no sentido de que as hipocrisias e as simulações de antes já não encontram mais lugar em cena”, ou seja, aquelas famílias – não formadas pelo casamento – sempre existiram, apenas não recebiam proteção jurídica, o que passou a acontecer com essa “humanização” do Direito e valorização da dignidade humana.

Embora apresentem diversidade no que diz respeito ao gênero dos envolvidos, as uniões homossexuais são constituídas pelas mesmas características das heterossexuais, tendo como elemento principal o afeto. Entende-se, pois, que não podem algumas entidades familiares serem protegidas e outras não.

Antes do reconhecimento pela Constituição Federal de todas as entidades familiares, aqueles que mantinham um relacionamento que não fosse nos moldes da lei, quando da separação, precisariam dissolver a união na Vara Cível, na qual a família era tratada como uma “sociedade de fato”. Um dos parceiros poderia até receber indenização ou parte do patrimônio adquirido, por exemplo, mas isso seria em razão da “sociedade” que fizeram e não da “família” e da comunhão de vida instituída.

Os primeiros avanços foram notados quando a jurisprudência (“O que é jurisprudência?” clique aqui) passou a admitir que os casos envolvendo a separação de casais homossexuais fossem analisados nas Varas de Família, sob o viés das normas pertinentes à união estável (ano 2001). Tal circunstância veio a ser reforçada, posteriormente, pelo enunciado 524 das Jornadas de Direito Civil2.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homossexual como entidade familiar e atribuiu direitos aos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em seguida, o “Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante”3, o que significa dizer que esse seria um posicionamento a ser seguido pelos demais juristas do país4.

Assim, entende-se que o artigo 226, §3o, da Constituição Federal, segundo o qual “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”, embora não tenha sido efetivamente alterado, deve ser lido de outra maneira. Portanto, onde se lê “o homem e a mulher”, a interpretação que passou a ser dada é de que se leia “pessoas”.

Em junho de 2011, foi convertida a primeira união estável homossexual em casamento, via judicial (é possível a conversão de uma união em casamento). Depois desse pedido, outros também começaram a ser concedidos judicialmente.

Conrado Paulino da ROSA5 explica que “o Brasil passou a figurar no rol de países que possibilitam e aceitam juridicamente o casamento gay, ainda que na forma de conversão, em uma patente demonstração de acatamento das diferenças, sem hipocrisias, possibilitando, acima de tudo, a felicidade de seus cidadãos”.

Se a união estável homossexual passou a poder ser convertida em casamento, por qual motivo não se reconhecer o matrimônio homossexual diretamente? Isso não faria sentido. Assim, passou-se a reconhecer, também, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que com a eventual necessidade de intervenção judicial para tanto – em caso de negativa por parte dos cartórios em relação à celebração.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução nº. 175/2013, o que caracterizou mais um avanço, na medida em que determina que as autoridades (cartórios) não podem rejeitar a celebração do casamento homossexual e nem a conversão da união estável em casamento. Caso exista tal recusa, isso deve ser comunicado ao juiz corregedor para a adoção das medidas adequadas.

É certo que, da mesma forma que acontecia outrora em relação a outros tipos de família, as uniões homossexuais não deixarão de existir por não estarem regulamentadas, do mesmo modo que elas não aumentarão somente em decorrência do reconhecimento legal.

Ao não se reconhecer uma união homossexual, fere-se o princípio da dignidade. Com o não reconhecimento, a Justiça estaria a colaborar, de fato, para a criação de injustiças, já que estaria “fechando os olhos” para sujeitos que merecem igualdade de proteção.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1HIRONAKA, Giselda. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas. In: SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de (coord.). Direito de Família, diversidade e multidiciplinariedade. IBDFAM, Porto Alegre, 2007.
2524) Art. 1.723. As demandas envolvendo união estável entre pessoas do mesmo sexo constituem matéria de Direito de Família.
3ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.
4“Enquanto isso, os Poderes Judiciário e Executivo, atendendo a clamor social de justiça e equilíbrio, apesar das resistências e preconceitos, começam a dar efetividade às normas e aos princípios constitucionais e a dispensar tratamento especial ao tema, objetivando não mais excluí-lo, pois a orientação de cada ser humano especialmente no campo sexual, deve ser respeitada.” ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.
5ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.
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