União estável e casamento entre pessoas do mesmo sexo

o sexo é tão inerente ao ser humano como respirar, amar, ou sofrer. 

Pena que alguns teimem em transformá-lo em tabu.” 

(RODRIGUES, Humberto).

 

A possibilidade de uniões estáveis e de casamento entre pessoas do mesmo sexo é um assunto que já gerou muita polêmica. Aqui, no Direito Familiar, nunca foi escrito um artigo especificamente sobre isso, por entendermos que o casamento – e a união estável – de homossexuais, em nada difere das demais entidades familiares.

No entanto, para aqueles que se interessam pela matéria, achamos que seria pertinente tecer uma explicação de como essas uniões passaram a ser reconhecidas efetivamente pelo ordenamento jurídico brasileiro. Quer entender melhor como isso aconteceu? Vamos lá!

Em diversos artigos, já mencionamos que a família passou por transformações ao longo dos anos, tendo em vista que em épocas anteriores a entidade familiar formada pelo matrimônio era a única reconhecida pelo Direito e que, com o passar do tempo, a família veio a ser identificada por outro aspecto principal: o afeto.

Assim, considerando que as mudanças da sociedade exigiram uma adaptação da legislação, as alterações advindas da Constituição Federal de 1988 reconheceram as diversas formas de família, sejam elas formadas pelo casamento ou não.

Segundo Giselda HIRONAKA1, a família atual é “mais sincera, digamos assim, no sentido de que as hipocrisias e as simulações de antes já não encontram mais lugar em cena”, ou seja, aquelas famílias – não formadas pelo casamento – sempre existiram, apenas não recebiam proteção jurídica, o que passou a acontecer com essa “humanização” do Direito e valorização da dignidade humana.

Embora apresentem diversidade no que diz respeito ao gênero dos envolvidos, as uniões homossexuais são constituídas pelas mesmas características das heterossexuais, tendo como elemento principal o afeto. Entende-se, pois, que não podem algumas entidades familiares serem protegidas e outras não.

Antes do reconhecimento pela Constituição Federal de todas as entidades familiares, aqueles que mantinham um relacionamento que não fosse nos moldes da lei, quando da separação, precisariam dissolver a união na Vara Cível, na qual a família era tratada como uma “sociedade de fato”. Um dos parceiros poderia até receber indenização ou parte do patrimônio adquirido, por exemplo, mas isso seria em razão da “sociedade” que fizeram e não da “família” e da comunhão de vida instituída.

Os primeiros avanços foram notados quando a jurisprudência (“O que é jurisprudência?” clique aqui) passou a admitir que os casos envolvendo a separação de casais homossexuais fossem analisados nas Varas de Família, sob o viés das normas pertinentes à união estável (ano 2001). Tal circunstância veio a ser reforçada, posteriormente, pelo enunciado 524 das Jornadas de Direito Civil2.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável homossexual como entidade familiar e atribuiu direitos aos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em seguida, o “Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante”3, o que significa dizer que esse seria um posicionamento a ser seguido pelos demais juristas do país4.

Assim, entende-se que o artigo 226, §3o, da Constituição Federal, segundo o qual “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”, embora não tenha sido efetivamente alterado, deve ser lido de outra maneira. Portanto, onde se lê “o homem e a mulher”, a interpretação que passou a ser dada é de que se leia “pessoas”.

Em junho de 2011, foi convertida a primeira união estável homossexual em casamento, via judicial (é possível a conversão de uma união em casamento). Depois desse pedido, outros também começaram a ser concedidos judicialmente.

Conrado Paulino da ROSA5 explica que “o Brasil passou a figurar no rol de países que possibilitam e aceitam juridicamente o casamento gay, ainda que na forma de conversão, em uma patente demonstração de acatamento das diferenças, sem hipocrisias, possibilitando, acima de tudo, a felicidade de seus cidadãos”.

Se a união estável homossexual passou a poder ser convertida em casamento, por qual motivo não se reconhecer o matrimônio homossexual diretamente? Isso não faria sentido. Assim, passou-se a reconhecer, também, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que com a eventual necessidade de intervenção judicial para tanto – em caso de negativa por parte dos cartórios em relação à celebração.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução nº. 175/2013, o que caracterizou mais um avanço, na medida em que determina que as autoridades (cartórios) não podem rejeitar a celebração do casamento homossexual e nem a conversão da união estável em casamento. Caso exista tal recusa, isso deve ser comunicado ao juiz corregedor para a adoção das medidas adequadas.

É certo que, da mesma forma que acontecia outrora em relação a outros tipos de família, as uniões homossexuais não deixarão de existir por não estarem regulamentadas, do mesmo modo que elas não aumentarão somente em decorrência do reconhecimento legal.

Ao não se reconhecer uma união homossexual, fere-se o princípio da dignidade. Com o não reconhecimento, a Justiça estaria a colaborar, de fato, para a criação de injustiças, já que estaria “fechando os olhos” para sujeitos que merecem igualdade de proteção.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1HIRONAKA, Giselda. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas. In: SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de (coord.). Direito de Família, diversidade e multidiciplinariedade. IBDFAM, Porto Alegre, 2007.
2524) Art. 1.723. As demandas envolvendo união estável entre pessoas do mesmo sexo constituem matéria de Direito de Família.
3ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.
4“Enquanto isso, os Poderes Judiciário e Executivo, atendendo a clamor social de justiça e equilíbrio, apesar das resistências e preconceitos, começam a dar efetividade às normas e aos princípios constitucionais e a dispensar tratamento especial ao tema, objetivando não mais excluí-lo, pois a orientação de cada ser humano especialmente no campo sexual, deve ser respeitada.” ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.
5ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Editora Juspodvm. Salvador, 2016.

Casamento civil: como funciona?

O casamento civil é um ato formal submetido a diversos requisitos previstos em lei, conforme já visto no artigo “Menores de idade podem se casar?” (clique aqui). Mas, você sabe como funciona o procedimento para sua celebração?

Pode ser que você já tenha participado de diversos casamentos civis e não tenha parado para pensar sobre as formalidades que envolvem o ato. É esse o tema deste artigo!

Anteriormente ao casamento em si, já explicamos em outros artigos que é essencial passar por um procedimento de habilitação, por meio do qual aqueles que pretendem se casar apresentam seus documentos, a fim de demonstrar sua capacidade civil para o casamento e a inexistência de impedimentos matrimoniais.

Para saber mais sobre impedimentos matrimoniais, clique aqui e aqui.

Para a celebração do matrimônio civil também são exigidas certas formalidades. A primeira providência que os nubentes (aqueles que querem se casar) devem tomar é elaborar um pedido à autoridade competente, solicitando – depois da habilitação – a designação de dia, local e hora para a realização da cerimônia (artigo 1533 do Código Civil Brasileiro).

Não há limites para a escolha dos dias e horários, podendo a cerimônia acontecer em finais de semana ou feriados, além dos dias úteis, desde que isso seja de interesse dos nubentes e da autoridade que celebrará a união.

No que diz respeito ao local, vale dizer que o casamento pode ser realizado nas dependências do cartório de registro civil (se presidido por um juiz de paz) ou no próprio Fórum da comarca (se presidido por um juiz de direito – o que acontece em alguns estados).

Afora isso, existe a possibilidade de realização da cerimônia em prédio particular. Para esses casos, exige-se em lei que o imóvel esteja de portas abertas (artigo 1534 do Código Civil Brasileiro). Esta norma tem por objetivo dar publicidade ao ato, ou seja, dar a chance para que todos saibam que o casamento está acontecendo e para que aqueles que eventualmente sabem de impedimentos dos nubentes possam revelá-los antes de finalizada a cerimônia.

É certo, contudo, que esta regra é pouco considerada, até porque nos dias de hoje se preza pela segurança dos presentes no local e as arguições de impedimentos são raras. Esse seria o momento que vemos nas novelas, por exemplo, nos quais aquele alguém que tem “algo contra a união” se manifesta. Na vida real, porém, “é preciso entender com mais prudência e cautela a exigência de portas abertas de prédios particulares”1.

Existe a possibilidade, também, de celebração de casamentos coletivos, o que descomplica a atividade estatal e permite que mais pessoas tenham o acesso à justiça facilitado, com maior economia e com a mesma eficiência para a realização dos matrimônios.

No dia da celebração, exige-se, obviamente, a presença dos nubentes ou de seus procuradores (caso decidam se casar por procuração2 – o que é possível). Ressalte-se que, se ambos estiverem representados por procurador, devem ser procuradores diferentes, ou seja, um para cada noivo.

Procuração: o que é e para que serve? (clique aqui)

Também será necessária a presença do juiz de paz ou do juiz de direito, do oficial de cartório do registro civil – que é o responsável pela lavratura da certidão de casamento – e de duas testemunhas (ou quatro, quando se tratar de prédio particular ou quando um dos noivos não souber escrever, conforme dispõe o artigo 1534 do Código Civil Brasileiro).

A autoridade deve perguntar se é de livre e espontânea vontade que os noivos ali estão. Certamente você já ouviu isso em alguma cerimônia, certo? Agora você sabe que isso é uma obrigatoriedade durante a celebração do matrimônio!

E qual deve ser a resposta dos noivos? Ela não precisa ser necessariamente o clássico “sim”, mas é importante que o consentimento seja claro e que não restem dúvidas quanto ao seu desejo. Neste tópico, embora a previsão legal exija a resposta oral dos noivos, entende-se que tal regra deve ser flexibilizada para a proteção de pessoas que possuem eventual deficiência da fala.

Caso um dos noivos se recuse a manifestar sua vontade, a cerimônia deverá ser imediatamente suspensa (artigo 1538 do Código Civil Brasileiro). A curiosidade aqui é que a celebração não poderá ser retomada no mesmo dia, sob pena de o casamento ser considerado juridicamente inexistente.

Por fim… “de acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”, você já deve ter ouvido isso também, não é mesmo?

Mais uma vez, tal frase não é uma liberalidade da autoridade que está a celebrar o matrimônio, ela deve ser obrigatoriamente dita e é chamada de “fórmula sacramental”, prevista no artigo 1535 do Código Civil Brasileiro. É somente depois desse momento que se pode considerar o casamento existente.

Depois disso, promover-se-á a lavratura da certidão de casamento e, então, os noivos podem ser “felizes para sempre” ou até que resolvam pôr fim à união.

Para ler o artigo “Divórcio: extrajudicial e judicial”, clique aqui.

Alguns aspectos sobre a cerimônia de casamento são interessantes, não é? Se você conhece alguém que está em processo de se casar ou que tem dúvidas sobre o assunto, aproveite para compartilhar este artigo!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

2A procuração é um documento legal que transfere a alguém (outorgado) poderes para agir no nome de outra pessoa (outorgante). Logo, quem concede o direito é o outorgante e quem recebe, o outorgado.

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