Primeira Infância: o que é isso?

Primeira Infância

Se você costuma acompanhar jornais e revistas, é provável que já tenha lido alguma notícia sobre o “marco legal da primeira infância”.

Trata-se de uma lei relativamente nova (nº 13.257/2016), que prevê uma série de políticas públicas para garantir mais direitos aos pais e às mães de crianças com até seis anos de idade, visando o desenvolvimento saudável dos pequenos.

Essas políticas interferem no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Consolidação das Leis do Trabalho e até mesmo do Código de Processo Penal.

Para começar a tratar do assunto, precisamos dizer que a “primeira infância” é o período compreendido entre a concepção do bebê e os seus seis anos de idade. É durante esse tempo que o cérebro humano desenvolve a maioria das ligações entre os neurônios, que a criança adquire os movimentos e desenvolve as capacidades de aprendizado, bem como de interação social e afetiva.

Por isso, a primeira infância é uma fase muito importante para o crescimento da criança e, quanto melhores forem as circunstâncias em que ela está vivendo durante este período, maiores serão as probabilidades de que ela se torne um adulto mais equilibrado, produtivo e realizado. O objetivo da lei, portanto, é de incluir um suporte maior para essas crianças, a fim de que tenham uma vida bem-sucedida, com relações sociais fortalecidas, para que possam contribuir de maneira positiva para a sociedade quando adultas.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a renda mensal per capita média dos brasileiros atingiu cerca de R$1.113,00 no ano de 2015. No entanto, a estimativa é a de que um grande número de famílias brasileiras com crianças de zero a seis anos ainda viva com rendimento mensal de menos de um salário-mínimo. Isso acaba por gerar altas taxas de mortalidade, desnutrição infantil, falta de registro civil, violência doméstica, ou seja, condições adversas ao pleno desenvolvimento infantil. A lei mencionada acima busca a implementação de políticas que evitem o aumento desses números de condutas negativas.

Agora, o que a lei prevê especificamente? Vamos falar sobre algumas das mudanças em seguida! Acompanhe:

1. AMPLIAÇÃO DA LICENÇA PATERNIDADE: de cinco para 20 dias no caso de funcionários de empresas que fazem parte da Empresa Cidadã, um programa federal (art. 38), além de dois dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período da gravidez e um dia por ano para acompanhar o filho de até seis anos em consulta médica (art. 37 – alterando o artigo 473 da CLT). A ampliação é garantida também para aqueles que obtiverem a guarda judicial para posterior adoção de filhos.

2. ORIENTAÇÃO ÀS GESTANTES E FAMÍLIAS: as gestantes e famílias com crianças na primeira infância deverão receber orientação sobre maternidade e paternidade responsáveis, aleitamento materno, alimentação complementar saudável, prevenção de acidentes e educação sem castigos físicos (art. 14, §3o), inclusive com programas de visita domiciliar de profissionais qualificados. Isso inclui, também, aquelas mães que posteriormente pretendam entregar o filho à adoção.

3. QUALIFICAÇÃO DE PROFISSIONAIS: os profissionais que atuam nos diferentes ambientes de execução das políticas e programas destinados à criança na primeira infância terão acesso garantido e prioritário à qualificação, sob a forma de especialização e atualização, em programas que contemplem a especificidade da primeira infância (art. 10). Além disso, receberão formação específica para a detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico da criança.

4. REGISTROS: a lei determina a obrigatoriedade da União em manter registros com os dados do crescimento e desenvolvimento das crianças. Além disso, a União deverá informar à sociedade quanto gastou em programas e serviços para a primeira infância. A mesma obrigação terão os estados e municípios.

5. FORNECIMENTO GRATUITO: cabe ao Poder Público fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas (art. 21).

7. FAMÍLIA ACOLHEDORA: a União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em família acolhedora como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e de adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção (art. 28). Sobre famílias acolhedoras, especificamente, falaremos em um próximo artigo.

8. SAÚDE: os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive as unidades neonatais e de terapia intensiva, deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação (art. 22).

Ressalte-se que, o desenvolvimento de cada criança é particular e não ocorre de forma linear, podendo apresentar avanços e retrocessos, e isso é uma circunstância que precisa ficar clara. Ainda assim, é importante que todas as crianças recebam o suporte essencial ao seu crescimento sadio, independentemente do ambiente em que vivem e das condições financeiras de sua família.

É certo que a proteção integral à criança já era prevista de forma geral na Constituição Federal, em seu artigo 227, o qual dispõe que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança (…) o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

No entanto, devemos reconhecer as boas intenções do Marco da Primeira Infância, na medida em que é uma lei mais específica, que chama atenção da sociedade e da população para as necessidades das crianças, a fim de que se forneça uma estrutura mais completa e uma efetiva rede de proteção àqueles que estão na fase de desenvolvimento que pode ser uma das mais importantes de suas vidas.

 Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho


http://www.fmcsv.org.br/pt-br/Paginas/primeira-infancia.aspx 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm
http://www.ibge.gov.br/home/default.php
http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-02/ibge-renda-capita-media-do-brasileiro-atinge-r-1113-em-2015

Registrei uma criança que não é meu filho biológico: o que fazer?

Qual seria a solução para as situações em que uma pessoa registra um filho em seu nome e, posteriormente, vem a descobrir que não há ligação genética/ biológica?

Um dos caminhos seria pedir judicialmente a desconstituição da paternidade, porém, esses casos tendem a ser complexos e não são fáceis de se resolver, até por conta do interesse da criança ou adolescente e da paternidade socioafetiva que pode ter se estabelecido. Por isso, resolvemos escrever o presente artigo sobre o tema!

A família é considerada pela Constituição Federal como a base da sociedade, e por esse motivo, tem especial proteção do Estado.

Para tentar dar estabilidade às famílias, a lei criou um sistema de reconhecimento dos filhos por meio da presunção. Mas o que isso quer dizer?

Significa que, de acordo com a lei, quando um homem e uma mulher são casados, supõe-se que o marido é sempre o pai da criança gerada durante o casamento, ou seja, “independentemente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é sempre certa, e o marido da mãe é o pai de seus filhos”1.

Nesse caso, para registrar o filho, o pai não precisa necessariamente estar presente, basta que a mãe apresente a certidão de casamento (comprovando que o filho nasceu durante o matrimônio), e será colocado o nome do marido como pai da criança. Essa é uma das situações nas quais pode acontecer o “equívoco” no registro.

Quando as pessoas não são casadas, essa presunção obviamente não existe (mesmo nos casos de união estável) e a presença no Cartório daquele que diz ser o pai é obrigatória, já que o registro, nesses casos, deve ser voluntário, livre e espontâneo, não sendo necessária a comprovação de qualquer vínculo biológico.

Não são raros os casos em que as crianças são registradas durante o casamento pelo então presumido pai e, posteriormente descobre-se que não é o pai biológico (vários podem ser os motivos, ex.: casos extraconjugais). Ou, pode acontecer de o suposto pai, mesmo que não seja casado com a mãe da criança, registrar o filho em seu nome, porque mantinha um relacionamento com a genitora e acreditava ser o pai biológico, vindo a saber, mais tarde, que não o é.

Para resolver esses casos existem duas medidas judiciais cabíveis: a ação negatória de paternidade e a de anulação de registro civil, ambas visando a desconstituição da paternidade.

a) Quem pode propor as ações de desconstituição de paternidade?

A negatória de paternidade deverá ser proposta por aquele que registrou o filho durante o período do casamento – pelo então “marido”. Já o pedido de anulação do registro civil, em tese, deverá ser feito por aquele que registrou o filho por livre e espontânea vontade, sem que a lei presumisse que ele é o pai.

Quando se tratar do então “marido” propondo a ação para desconstituir a paternidade, ele deverá alegar que tem dúvidas se de fato é o pai biológico do filho que foi registrado com seu nome e solicitar a realização de exame de DNA.

Comprovado por exame de DNA que o então “marido” não é realmente o pai, o seu nome poderá – se excluída a possibilidade de filiação socioafetiva, ser retirado da certidão de nascimento.

Para saber mais sobre filiação socioafetiva, confira o artigo “’Pai ou mãe é quem cria’: entenda como o Direito entende isso” (clique aqui).

Entretanto, o mesmo não acontece quando aquele que registrou a criança não era casado com a mãe e simplesmente o fez de livre e espontânea vontade. Para retirar seu nome da certidão de nascimento e desconstituir esta paternidade, este pai precisará comprovar que foi induzido a erro, ou que houve um vício de consentimento, além de comprovar a ausência de vínculo biológico por meio do exame de DNA.

Isso significa que ele precisará demonstrar, de forma convincente, que realmente acreditava ser o pai biológico da criança quando a registrou, mas que foi enganado sobre os fatos.

Por erro ou vício de consentimento, deve-se compreender a falsa percepção da realidade, situação em que a vontade declarada, embasada num conhecimento errado da realidade, não seria assim expressada se aquele que registrou a criança tivesse o total conhecimento da realidade.

Importante esclarecer, ainda, que o exame de DNA negativo, por si só, não serve para retirar a paternidade. Isso porque, o ato de comparecer ao cartório e registrar uma criança é irrevogável, não sendo admitido o simples arrependimento, o que poderia gerar um tumulto nos cartórios de registros, com milhares de registros sendo feitos e refeitos a todo instante.

O registro de um filho é algo muito sério e produz muitos efeitos no mundo jurídico, não sendo aceitável, portanto, a abordagem deste assunto de maneira simplória, banal.

Cabe ressaltar, também, que a negatória (para desconstituir) de paternidade é uma ação personalíssima, ou seja, somente o pai presumido poderá contestar a paternidade.

No entanto, caso este “pai” que pretende desconstituir o registro venha a falecer no decorrer da demanda, ou se torne incapacitado, seus herdeiros poderão dar seguimento ao feito, ou eventual curador, para os casos de incapacidades.

Quanto ao pedido de anulação do registro de nascimento, há entendimento no sentido de que outros interessados podem questionar a paternidade, inclusive terceiros (por exemplo: o pai biológico que pretende reconhecer o filho que já foi registrado por outro; os herdeiros do pai registral; etc).

b) Contra quem se propõe a ação para desconstituir a paternidade?

A ação é proposta contra o filho, em regra. Em sendo falecido o filho, seus herdeiros serão chamados ao processo e, não havendo herdeiros, poderão ser chamados outros eventuais interessados.

Casos que envolvem discussões sobre filiação são muitos comuns e, atualmente, novas discussões têm surgido sobre o tema. A intenção do presente artigo é apenas esclarecer quais meios estão disponíveis no mundo jurídico para desconstituir uma paternidade atribuída de maneira equivocada.

Certo é que, cada caso deve ser analisado levando-se em conta suas particularidades e nem sempre a ausência de ligação biológica será suficiente para se desfazer o vínculo de paternidade.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2006.

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