Isso porque percebemos que grande parte das desavenças familiares que dão origem a inúmeros processos judiciais podem ser resolvidas de modo mais satisfatório com o auxílio de especialistas da área da psicologia e quando as partes estão dispostas a falar sobre seus problemas sem a intenção de aumentar as brigas.
Conflitos familiares envolvem muito mais os sentimentos das pessoas do que questões jurídicas efetivamente. A aplicação da Lei, não raras as vezes, torna-se superficial diante dos embates emocionais vivenciados, pois não há legislação que se aplique às emoções e que funcione como remédio para os familiares.
Por isso, frisamos sempre que, ao passar por um momento de conflito familiar, é extremamente importante o auxílio de profissionais da área da Psicologia, para que o problema seja tratado desde a sua origem, da melhor maneira possível.
Para falar um pouco mais sobre o assunto, convidamos Maiana Jugend Zugman, psicóloga do Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família de Curitiba.
“Direito de Família e Psicologia: a busca de direitos ou a judicialização da vida?”
Maiana Jugend Zugman (CRP 08/15199)
Psicóloga do Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família de Curitiba.
Muitos casais, quando se separam, recorrem à Justiça para regulamentar seus direitos. São diversos os aspectos legais envolvidos, como partilha de bens, guarda e visitas dos filhos, assim como pensão alimentícia. Também são muitos os afetos vivenciados, que podem variar desde tristeza, culpa e frustração, até raiva, ódio e vingança.
Quando o sofrimento se converte em sentimentos destrutivos, o diálogo entre os ex-cônjuges torna-se muito raro ou inexistente. Nos momentos em que ocorre, é voltado a acusações mútuas, em que um responsabiliza o outro pelos fracassos do relacionamento. A partir de então, já sob a assessoria de advogados, o ex-marido e a ex-mulher transformam-se em partes opostas de um processo judicial. Cada um busca a sua absolvição e espera que o juiz o proclame inocente.
Porém, nesse momento, é importante se questionar: será que a Justiça conseguirá fornecer respostas e verdades decisivas sobre a vida das pessoas?
O que percebemos é que, hoje em dia, é depositada grande expectativa sobre as decisões judiciais, como se estas dessem conta de cicatrizar as feridas deixadas pelos conflitos conjugais e familiares. Este seria o movimento de judicialização da vida, em que, de acordo com as psicólogas Camilla de Oliveira e Leila Brito, os cidadãos esperam que “a Justiça legisle sobre todos os aspectos do viver”, de forma que “leis e processos passam a regular danos, afetos, interferências, humilhações”.
A partir do momento em que se solicita que o juiz regulamente assuntos que, a princípio, eram privados, tornam-se públicas as experiências íntimas e os pactos do casal e da família. Conforme afirmam as psicólogas Ana Lúcia Antunes, Andrea Magalhães e Terezinha Féres-Carneiro, “a etapa jurídica de separação, que poderia ser uma breve intervenção do Estado, apenas confirmando o que já fora definido entre os ex-cônjuges no âmbito privado, se transforma, então, numa longa e sofrida batalha judicial”.
O impacto disso é que as pessoas têm que ficar à espera, sem possibilidade de controle ou interferência, do tempo que a Justiça precisa para elaborar a sua decisão. Desse modo, os conflitos são tratados como se fossem externos aos sujeitos, os quais perdem autonomia sobre suas vidas, como se a responsabilidade pelo sofrimento vivido não pertencesse a si, mas à Justiça.
Assim, o alongamento do litígio, somado às diversas tentativas de destruir o outro, podem acarretar a perpetuação do vínculo e, consequentemente, separações intermináveis.
A renomada psicanalista francesa, Françoise Dolto, em seu livro “Quando os pais se separam”, ao abordar a temática da criança diante da Justiça, avalia que os pais permanecem girando em torno de seus pretensos direitos, que se transformam em obsessão. Ou seja, o marido e a esposa, o pai e a mãe, convertem-se em rivais de uma disputa sem fim, cujo objetivo final é a vitória, independentemente dos danos causados a si, ao outro e aos filhos.
Os resultados dessa realidade são, conforme percebem as psicólogas Liana Costa, Maria Aparecida Penso e Viviane Sudbrack, tribunais “cada vez mais abarrotados de processos que se estendem por anos, com audiências que não se esgotam, com pedidos e mais pedidos de revisão de procedimentos (…)”. Tudo isso com a intenção de apresentar ao juízo argumentos que anulem e renovem as decisões judiciais.
Nós, psicólogos do Judiciário, entendemos que, quando as pessoas recorrem à Justiça para resolver dificuldades conjugais e familiares, é porque não encontraram outras formas de lidar com o sofrimento decorrente daquelas situações. Portanto, no momento em que o juiz determina a realização de estudos ou avaliações psicológicas, nós procuramos, além de auxiliar o magistrado em suas tomadas de decisão, ajudar os próprios envolvidos a buscar maneiras de solucionar os seus conflitos – ou, ao menos, amenizá-los.
É necessário que os sujeitos voltem a se questionar. Que busquem saídas ou respostas possíveis e viáveis para eles. Mesmo quando o litígio está instalado e o diálogo já não existe mais, pode haver interlocutores – psicólogos, advogados, mediadores, conciliadores – que auxiliem os ex-cônjuges ou os familiares a encontrarem alternativas às suas necessidades. É uma oportunidade para as pessoas reassumirem a responsabilidade e a autonomia sobre suas próprias vidas, contando com o Estado para a formalização das decisões tomadas no âmbito privado.
Antunes, A. L. M. P., Magalhães, A. S., & Féres-Carneiro, T. (2010). Litígios intermináveis: uma perpetuação do vínculo conjugal? Aletheia, 31 , 199-211.
Costa, L. F., Penso, M. A., Legnani, V. N., & Sudbrack, M. F. O. (2009). As competências da psicologia jurídica na avaliação psicossocial de família em conflito. Psicologia & Sociedade, 21(2), 233-241.
Dolto, F. (1989). Quando os pais se separam. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Oliveira, C. F. B., & Brito, L. M. T. (2013). Judicialização da vida na contemporaneidade. Psicologia: Ciência e Profissão, 33 (núm. esp.), 78-89.