Sharenting

menina com faixa cobrindo os olhos evitando reconhecimentoSharenting é um termo em inglês criado a partir de duas palavras: share, que significa compartilhar e parenting que significa paternidade.

Com o aumento do uso das redes sociais por todas as pessoas, é comum que pais postem imagens de seus filhos sem se atentar ao fato de que aquela exposição pode ser prejudicial ou pode gerar riscos à segurança das crianças e adolescentes. Em muitos casos os pais podem fazer isso sem intenção de prejudicar os filhos, certamente, mas a exposição, por si só, pode trazer consequências sérias. Em outras circunstâncias, os pais podem também acabar perdendo o controle sobre o conteúdo que vem sendo mostrado (visando somente benefícios próprios), sem se perguntar se a criança aprovaria aquela exibição.

A discussão sobre o assunto tem se tornado frequente e acalorada. Atualmente, a situação envolvendo a jovem Larissa Manoela foi exposta nacionalmente, dando ensejo inclusive à elaboração de um Projeto de Lei que leva o seu nome. Isso porque, quando criança, ela foi muito exposta em meios de comunicação e isso virou sua profissão. No entanto, aparentemente, foram somente os pais que se beneficiaram com isso e ela, agora adulta, encontrou dificuldades para voltar a manejar o patrimônio conquistado com seu trabalho - que foi, durante muito tempo, administrado pelos genitores.

Para entender melhor o sharenting nesse âmbito do trabalho artístico-juvenil (embora haja riscos advindos em outros setores também), convidamos a Júlia Vianna(1), nossa colega de trabalho junto ao Ministério Público Estadual do Paraná, que há algum tempo estuda este tema, para escrever um artigo explicativo — que você confere abaixo!


Quanto vale um like: o sharenting e os impactos da superexposição dos filhos na internet
Júlia Vianna. Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná. 

Em uma geração conectada à internet, ficar offline não é uma opção. É nesse contexto de exposição que nasce o sharenting, conjugação das palavras em inglês “share” (“compartilhar”) e “parenting” (“parentalidade”). O termo define o comportamento de compartilhar exacerbadamente fotos, vídeos e dados de seus filhos na internet, ocasionando ameaça ou lesão aos seus direitos(2).

Obviamente, não é toda postagem envolvendo seus filhos que caracteriza o sharenting. Essa conduta tem espaço quando evidenciada uma violação às garantias da criança e do adolescente, razão pela qual pais e mães devem tomar cuidado redobrado quando compartilham dados ou a imagem de seus filhos na internet. O art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados, inclusive, é claro ao determinar que “o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente”, fazendo alusão ao ECA.

Embora ainda não haja regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, a análise dos casos concretos deve observar a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, garantindo que lhes sejam respeitados os direitos à privacidade, intimidade e imagem, assim como os demais decorrentes da personalidade do sujeito, assegurando a sua dignidade humana(3).

Especificamente sobre o direito à privacidade, enquanto direito personalíssimo e fundamental - arts. 11 a 21 do Código Civil e art. 5º, inciso X, da Constituição Federal -, questiona-se sobre o desejo da criança em divulgar sua imagem publicamente e de forma exorbitante. Crianças e adolescentes são pessoas de direitos e possuem vontades que devem ser respeitadas, quando assim expressas.

Veja-se que o conteúdo compartilhado fica à disposição de todos e se eterniza na internet, considerando o fenômeno da globalização, e jamais poderá ser extinto, vez que, mesmo após deletado, continuará armazenado dentro da plataforma de divulgação. Sobrepõem-se, portanto, o direito de privacidade da criança ao direito de liberdade dos pais, questão que deve ser sopesada com razoabilidade, tendo em vista que os menores de idade devem ser protegidos de maneira integral e prioritária.

Não podemos ignorar que a questão envolve garantias de pessoas ainda em desenvolvimento psicológico, que poderão estar sujeitos a comentários depreciativos decorrentes da exposição causada por seus familiares. Dessa forma, os detentores do poder familiar devem ter consciência dos malefícios da superexposição dos filhos nas redes sociais, o que inclui a submissão destes à críticas constantes, perda da infância, adultização e até erotização precoce.

Além disso, no mundo dos influenciadores digitais e da monetização de postagens nas redes, é reprovável a conduta de pais que veem o conteúdo criado por seus filhos como uma forma de rápida ascensão pessoal e financeira, explorando a imagem da prole somente para esse fim. Evidente que o surgimento de influenciadores mirins acaba atraindo o interesse de pais e filhos, mas é relevante mencionar que qualquer lucro proveniente das atividades de crianças e adolescentes no âmbito digital a eles deve pertencer. Aos pais cabe o dever de administração desse patrimônio, nos termos dos arts. 1.689 e seguintes do Código Civil, sem afastar eventual obrigação de prestar contas, conforme já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.623.098/MG(4).

Essa possível lucratividade e profissionalismo dos pequenos gera discussões, inclusive, no âmbito do Direito do Trabalho, tendo o Conselho Nacional de Justiça reunido juristas para debater o trabalho artístico infanto-juvenil no mundo digital, tendo em vista que crianças que viralizam na internet atraem maior atenção das empresas, incentivando a propaganda para outras crianças.

Nesse contexto, entende-se que o compartilhamento dos dados dos filhos deve ser comedido e razoável, resguardando os seus superiores interesses, sendo certo que eventual abuso do direito de liberdade dos pais é passível de sanção, por configurar descumprimento do dever de cuidado inerente ao poder familiar(5).

 


(1)Júlia Vianna. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Servidora pública do Ministério Público do Estado do Paraná – atuando na área de Família e Sucessões.
(2)EBERLIN, Fernando Buscher von Teschenhausen. Sharenting, liberdade de expressão e privacidade de crianças no ambiente digital: o papel dos provedores de aplicação no cenário jurídico brasileiro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, nº 3, 2017 p. 259. Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/4821/0. Acesso em 14 ago 2023.
(3)ROSA, Conrado Paulino da; SANHUDO, Victória Barboza. O fenômeno do sharenting e a necessidade de regulamentação jurídica dos casos de exposição demasiada de crianças e adolescentes na internet pelos pais. In: GHILARD, Dóris (Org.). Tecnologia, família e vulnerabilidade: novos olhares no Brasil e exterior. Florianópolis: Habitus, 2021, p. 47-74.
(4)REsp n. 1.623.098/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, DJe de 23/3/2018.
(5)TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MULTEDO. Renato Vilela. (Over)sharenting e o abuso da conduta dos pais no ambiente digital. In: SANCHEZ, Patrícia Corrêa (coord.) Direito das famílias e sucessões da era digital. Belo Horizonte: IBDFAM, 2021, p. 335.

Separação obrigatória: perguntas e respostas

Recentemente, fomos procuradas pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo para respondermos dúvidas relacionadas ao regime da separação obrigatória de bens. Nossas respostas foram publicadas em forma de artigo, e achamos válido compartilhá-las também por aqui, com nossos leitores que acompanham o Direito Familiar, neste formato de “perguntas e respostas”.

1. Em que consiste o regime da separação obrigatória de bens?

Assim como os demais regimes de bens, a separação obrigatória é conjunto de regras patrimoniais, aplicável na relação matrimonial e com efeitos também na sucessão. No entanto, diferente dos outros regimes de bens, a separação obrigatória é de aplicação impositiva. Ou seja, como o nome já diz, deve ser aplicado obrigatoriamente em determinados casos, independentemente da vontade daqueles que casarão. Isso porque há previsão legal de que este seja o regime estabelecido em determinadas situações.

De modo geral, durante o casamento, esta modalidade de regime funcionará da seguinte forma: cada cônjuge manterá o seu patrimônio individual. Não haverá, a princípio, bens comuns, ainda que tenham sido adquiridos durante o casamento. Apesar da semelhança, é importante saber que a separação obrigatória não é igual à separação convencional de bens. A primeira, como explicamos, é impositiva, por força da lei, já a segunda é uma escolha do casal. Além disso, há diferenças no tratamento jurídico (nas regras) de cada um destes regimes em relação à dissolução da relação, inclusive no que se refere aos efeitos sucessórios.

2. Quem é obrigado a se casar neste tipo de regime?

A imposição deste regime acontece nos casos em que i) um dos nubentes for o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer o inventário dos bens do casal e a partilha aos herdeiros; ii) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; iii) o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do ex-casal; iv) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas e v) quando um dos noivos contar com mais de 70 anos de idade ou for menor de 18 anos.

No entanto, a lei também prevê a que o regime impositivo seja afastado por decisão judicial, a pedido dos nubentes, se, nas hipóteses i, iii ou iv, restar comprovada a inexistência de prejuízo para o herdeiro, para o ex-cônjuge ou para a pessoa tutelada ou curatelada. Já na hipótese ii o afastamento do regime impositivo dependerá da prova de nascimento de filho ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo de 10 meses.

3. Quais as motivações legislativas para este tipo de regime?

O intuito do regime da separação obrigatória é justamente evitar algum tipo de confusão patrimonial ou prejuízos a um dos cônjuges ou a terceiros. Por exemplo: se algum os cônjuges for divorciado, mas ainda não tiver realizado a partilha de bens da relação anterior, há risco elevado de existir confusão patrimonial caso a nova relação observe o regime de comunhão parcial de bens (que é o mais comum atualmente). E, neste exemplo, até mesmo o ex-cônjuge da relação anterior poderia ser prejudicado. Para evitar esta situação, em vez de impedir (proibir) que estas pessoas se casem, o legislador estabeleceu que o matrimônio poderá ser realizado, desde que se aplique o regime da separação obrigatória de bens.

Na hipótese de casamento de pessoas com 70 (setenta) anos ou mais, em tese o regime da separação obrigatória de bens se justificaria para proteger o patrimônio do idoso. No entanto, esta é uma questão muito polêmica, que, inclusive, será objeto de discussão pelo Supremo Tribunal de Federal.

4. Há direitos envolvidos na separação obrigatória de bens? Se sim, quais seriam estes?

Inicialmente, é importante deixar claro que todo o casamento ou união estável gera direitos e obrigações a ambos os cônjuges ou companheiros(as), independente do regime de bens. Por exemplo: na hipótese de divórcio, o direito de receber alimentos (pensão alimentícia) se comprovada a dependência econômica do cônjuge.

O regime de bens é o que definirá as regras, os direitos e obrigações, referentes ao patrimônio. E, em relação ao regime de separação obrigatória de bens, esta pergunta é tema de inúmeras discussões há anos. Isto porque, por um longo período de tempo, prevaleceu o entendimento de que os bens adquiridos durante a união seriam presumidos como adquiridos pelo esforço comum do casal. Neste caso, existiria o direito à meação em relação a tais bens. Esta situação está prevista na súmula 377 do STF, que diz o seguinte: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Porém, inúmeras discussões vieram à tona em relação à presunção do esforço comum, uma vez que, presumir que os bens adquiridos na constância da união são comuns, faz com que o regime obrigatório assemelhe-se ao da comunhão parcial.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é necessária a comprovação de participação no esforço para a aquisição onerosa de determinado bem que se pretende partilhar, ou seja, a presunção deixou de ser aplicada (EREsp 1171821/PR). Portanto, dependendo do caso, os envolvidos poderão, ou não, ter direitos sobre eventuais bens.

Outro ponto interessante se refere à sucessão: pessoas casadas sob o regime de separação obrigatória de bens não têm o direito de concorrer à herança do cônjuge caso este tenha descendentes (filhos, netos…). No entanto, caso o falecido não tenha descendentes, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança, seja concorrendo com os ascendentes daquele (pais, avós…) ou, se não houve ascendentes, receberá a integralidade do patrimônio.

5. O Supremo Tribunal Federal discutirá em breve se é constitucional o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e a aplicação dessa regra às uniões estáveis. Ao ver das senhoras, essa obrigatoriedade é constitucional? Ou o regime de bens não deve estar atrelado a imposições?

Está é uma questão bastante polêmica.

Como explicamos, a aplicação do regime de separação obrigatória nestas hipóteses se justifica, em tese, para proteger o patrimônio do idoso e a ele próprio, considerando que neste momento da vida eventual perda patrimonial teria impacto muito mais relevante. Também há quem entenda que a medida visa proteger patrimonialmente os descendentes do idoso, privilegiando esta relação familiar em detrimento da nova constituição matrimonial realizada após os 70 anos. A justificativa se sustenta no artigo 5º, inciso XXII e XXX da Constituição Federal, que alçam o direito à propriedade e à herança como fundamentais.

Por outro lado, esta justificativa parte da perspectiva de que a pessoa com 70 anos (ou mais) é cognitivamente vulnerável e, de certa forma, incapaz de autodeterminar-se livremente. Ou seja, a legislação neste termos pressupõe que este idoso não tem plenas condições de decidir sobre si próprio, o que ofenderia o princípio da dignidade humana (artigo 1º, III da CF), a vedação à discriminação contra idosos (artigo 3º, IV, CF), a proteção às uniões estáveis (artigo 226, §3º da CF) e o dever de amparo às pessoas idosas (artigo 230, CF).

Impor o regime de bens significa restringir a liberdade dos noivos. E, como toda a restrição de liberdade, é fundamental que haja uma justificativa sólida e consonante com o ordenamento jurídico pátrio. Portanto, entendemos que a discussão a ser enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal é muito relevante e necessária.

Sobre nossa opinião, entendemos que é Inconstitucional. É dever do Estado, previsto inclusive no Estatuto do Idoso, promover medidas de proteção patrimonial à pessoa idosa. No entanto, pressupor a incapacidade da gestão patrimonial em razão da idade para impedir o direito de escolha do regime de bens, significa promover discriminação etária. Entendemos que a resposta para esta questão não deve estar na restrição da liberdade de escolha, mas sim na promoção de uma escolha consciente.

Para tanto, nossa sugestão é permitir que o regime de separação obrigatória fosse afastado por meio de pacto antenupcial ou contrato de união estável. Neste caso, o casal conhecerá os regimes de bens, avaliará sua realidade e decidirá de forma consciente pelo que melhor se adéque. Evidentemente, é recomendado que haja orientação por um profissional especializado em Direito das Famílias.

Não sendo realizado o pacto antenupcial ou o contrato de união estável para o afastamento da separação obrigatória, ela será aplicada. Assim, entendemos que haveria um tratamento jurídico diferente para casamento de pessoas com setenta anos ou mais, mas isto não significaria uma restrição da liberdade de escolha e manteria o objetivo de proteção que foi o intuito do legislador.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Isabella Mady

A busca dos direitos das mulheres no mundo

A violência contra a mulher já foi abordada no Direito Familiar em outros artigos (clique aqui para ler) e, inclusive, tratou-se sobre os motivos que levaram à criação de uma lei específica para a proteção de mulheres no Brasil (clique aqui). Sempre que tais assuntos são abordados, surgem algumas discussões polêmicas.

Por isso, no presente artigo – apesar de não ser um tema relacionado diretamente ao Direito de Família – resolvemos abordar a questão de uma forma mais global, trazendo como exemplos alguns dos movimentos mais importantes e históricos de outros países, que buscavam  o reconhecimento de direitos às mulheres, diminuindo todas as formas de violência em relação a elas. Se você gosta de história, continue lendo!

Aproveitando, para que se tenha uma noção melhor sobre tudo que falaremos adiante, recomendamos a leitura de dois artigos nossos: “Histórico da posição social feminina no Brasil” (clique aqui) e “Uma análise da história da mulher na sociedade” (clique aqui).

Depois de analisar fatos e períodos históricos relacionados ao papel da mulher na sociedade, fica nítido que a violência contra as mulheres sempre foi presente, devido a posição de inferioridade que ocupavam e ocupam em relação aos homens, desde os períodos mais remotos e, infelizmente, até os dias atuais – ainda que haja muita luta para se combater desigualdades.

Lembrando um pouco do contexto histórico, tem-se que um dos momentos mais relevantes de insatisfação das mulheres quanto à sua posição social ocorreu na Revolução Francesa. Nesse período, a mobilização feminina passou a ser discutida e, assim, tornou públicas as vivências diárias de desvantagem, de violência e injustiça nas relações entre homens e mulheres.

Em 1791, surgiu na França a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, redigida por Olympe de GOUGES (ativista política), e esse é um dos mais importantes documentos que se contrapõe à restrição masculina do conceito de igualdade1. O seu principal objetivo era pôr fim à predominância dos homens, tanto no espaço público quanto no privado, e fazer com que as mulheres passassem a ter autonomia2.

No período anterior à Revolução Francesa, as mulheres se mantiveram sempre ao lado do homem, mas não viram as conquistas políticas desdobrarem-se a elas. A partir desse momento, porém, as mulheres passaram a reivindicar seus direitos de cidadania, e o movimento feminista adquiriu um discurso próprio, afirmando a especificidade da luta da mulher3.

O feminismo pode ser definido, segundo Jane MANSBRIDGE (cientista política americana), como o compromisso de pôr fim à dominação masculina. Não é apenas um discurso, é a busca pela definição ou redefinição da identidade das mulheres, diferenciando-as dos homens, bem como assegurando as especificidades delas4.

O ponto crucial do feminismo é a defesa dos direitos da mulher, que pode ser vista como uma extensão do movimento pelos direitos humanos. As mulheres querem ser vistas como seres humanos, e não serem rotuladas como uma coisa, um objeto5.

Somente nos anos de 1930 e 1940 é que, efetiva e formalmente, algumas das reivindicações das mulheres passaram a ser atendidas. Elas começaram a ser reconhecidas como cidadãs, podiam ingressar nas escolas, trabalhar, e ainda adquiriram o direito de votar e serem votadas.

Nesse período, Simone BEAUVOIR (escritora, filósofa, feminista, ativista política) escreveu o livro “Segundo sexo” que trata, em certa medida, da desigualdade entre homens e mulheres. Ela aprofundou seus estudos no que diz respeito ao desenvolvimento psicológico da mulher, bem como as subordinações que o gênero feminino sofria/sofre nesse período de socialização.

Para BEAUVOIR, “não se nasce mulher, torna-se mulher”, ao passo que os termos “feminino” e “masculino” são criações culturais, tendo em vista o entendimento de que cada gênero deve cumprir funções peculiares e diferentes6.

A partir do movimento feminista e da sua luta pelos direitos das mulheres, que não mais queriam ser vistas como objetos, mas sim como sujeitos, e tornarem-se cidadãs, é que a violência praticada contra elas passa a ser exteriorizada para o espaço público7.

Pode-se dizer que, outrora, a violência doméstica era invisível, pois era pouco divulgada, não era objeto de estudo de políticas públicas, não tinha um nome, não gerava polêmica, estava somente limitada aos debates feministas8.

Os grupos feministas fizeram com que muitos governos e organizações internacionais prestassem mais atenção ao problema da violência contra as mulheres,  tornando esse assunto uma das pautas nas agendas desses órgãos9.

Em 1975, na primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres, na cidade do México, foi discutida a questão do conflito dentro da família. No ano de 1979, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a convenção que versava sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.

Em 1980, na segunda Conferência Mundial sobre as Mulheres, foram abordados de maneira objetiva os problemas de mulheres agredidas e também a violência doméstica, passando então a ser adotada uma resolução a respeito do assunto.

Na quinta Conferência Regional da Eclac, em 1991, a violência doméstica passou a ser vista como um obstáculo para o desenvolvimento das mulheres.

Em 1993, na Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, em Viena, a violência contra a mulher passou a ser efetivamente reconhecida como violação aos direitos humanos. Nesse mesmo ano, na Declaração da ONU sobre a eliminação da violência contra as mulheres, deu-se real importância ao assunto, considerando de extrema urgência a necessidade de aplicar a todas as mulheres os direitos de todos os seres humanos, tais como: liberdade, igualdade, dignidade e integridade.

No ano seguinte (1992), na Convenção Interamericana sobre prevenção, punição e erradicação da violência contra as mulheres, foi considerado que o reconhecimento e respeito aos direitos das mulheres são de suma importância para o seu desenvolvimento como pessoa, além se ser o caminho para uma sociedade mais justa e unida10.

A importância que passou a ser dada ao assunto fez surgir em diversos países muitos métodos de combate à violência contra a mulher, de modo que se pode concluir que as revoluções não foram em vão.

A luta contra a violência não pode ser deixada de lado, pois faz parte do desenvolvimento da sociedade e a violência doméstica gera consequências tanto no aspecto social, quanto econômico e político11 dos países.

A intenção primordial do movimento feminista não é melhorar a relação entre os gêneros feminino e o masculino, mas sim estabelecer a igualdade entre eles. Por terem sido – e ainda serem – vítimas dos homens, as mulheres necessitam de uma lei que as proteja especialmente.

A busca pela igualdade deve ser feita na medida das diferenças entre os gêneros, ou seja, devem ser levadas em consideração algumas diferenças para que se alcance a efetiva igualdade12. Em outras palavras, as diferenças existentes entre homens e mulheres não servem de justificativas para a manutenção da desigualdade.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 GERHARD, Ute. Sobre a liberdade, igualdade e dignidade das mulheres: o direito “diferente” de Olympe de Gouges. In: BONACCHI, Gabiella; GROPPI, Angela. (Ed.). O dilema da cidadania: direito e deveres das mulheres. São Paulo: Afiliada, 1994.

2 GERHARD, Ute. Sobre a liberdade, igualdade e dignidade das mulheres: o direito “diferente” de Olympe de Gouges. In: BONACCHI, Gabiella; GROPPI, Angela. (Ed.). O dilema da cidadania: direito e deveres das mulheres. São Paulo: Afiliada, 1994.

3 ALVES, Branca Moreira; PINTANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

4 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

5 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

6 ALVES, Branca Moreira; PINTANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1981.

7 SANTOS, Maria de Fátima de Souza. Representações sociais e violência doméstica. In: SOUZA, Lídio De. TRINDADE, Zeidi Araujo. (Orgs.) Violência e exclusão: convivendo com paradoxos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

8 SOARES, Barbara Musumeci. Mulheres invisíveis: violência conjugal e novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

9 LARRAÍN, Soledad. Reprimindo a violência doméstica: duas décadas de ação. In: MORRISON, Andrew R.; BIEHL, María Loreto. (Eds.). A família ameaçada: violência doméstica nas Américas. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

10 LARRAÍN, Soledad. Reprimindo a violência doméstica: duas décadas de ação. In: MORRISON, Andrew R.; BIEHL, María Loreto. (Eds.). A família ameaçada: violência doméstica nas Américas. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

11 LARRAÍN, Soledad. Reprimindo a violência doméstica: duas décadas de ação. In: MORRISON, Andrew R.; BIEHL, María Loreto. (Eds.). A família ameaçada: violência doméstica nas Américas. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

12 BADINTER, Elisabeth. Rumo equivocado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Inventário: Ordem sucessória

O inventário é um tema muito presente nas dúvidas que recebemos dos nossos leitores. Falar sobre este assunto não é algo simples, afinal, tudo depende da análise do caso concreto e – temos de convir – nossa legislação não facilita muito para a compreensão do tema.

Uma das dúvidas recorrentes dos nossos leitores está relacionada ao direito do cônjuge, ou do companheiro(a) sobrevivente de receber herança ou ter direitos sobre os bens deixados pela pessoa que faleceu.

Primeiramente, temos que ressaltar que, embora o regime de bens seja escolhido quando se realiza o casamento ou a união estável, devemos lembrar que ele, além de gerir o patrimônio do casal durante a união, produzirá efeitos não só quando (e se) houver separação, mas também interferirá diretamente na partilha de bens quando um dos cônjuges/companheiro vier a falecer.

Ou seja, quando falamos em regime de bens, temos que considerar o regime durante o casamento e também depois da abertura da sucessão.

Conforme mencionamos no artigo “O que é inventário e para que serve?” (clique aqui), o Direito das Sucessões é o ramo que disciplina a transmissão do patrimônio de uma pessoa que faleceu para os seus sucessores.

Assim, quando uma pessoa falece, ocorre a abertura de sua sucessão, para verificar o patrimônio deixado e dividi-lo entre os herdeiros.

E aí surge a pergunta, mas quem são os herdeiros?

Pois bem, neste artigo falaremos sobre os herdeiros legítimos, ou seja, aqueles considerados herdeiros por Lei. Importante esclarecer tal ponto, pois existem os herdeiros testamentários, ou seja, aqueles indicados em testamento deixado pela pessoa que faleceu.

Dito isso, para esclarecer quem será herdeiro legítimo, ou não, temos que ler o artigo 1.829 do Código Civil.

Este artigo apresenta a seguinte ordem de sucessão:

1º – os descendentes (filhos) em concorrência com o cônjuge/companheiro.

2º – se não tiver filhos, os ascendentes (pais) concorrem com o cônjuge/companheiro sobrevivente.

3º – se não tiver filhos, nem pais, o cônjuge/companheiro herdará tudo.

4º – se não tiver filhos, nem pais, nem cônjuge/companheiro, os herdeiros serão os parentes colaterais (irmãos, primos, tios….)

No entanto, o artigo faz algumas ressalvas ao considerar os regimes de bens.

Se o cônjuge/companheiro e a pessoa que faleceu optaram pelo regime da comunhão universal, aquele que sobreviveu, não será herdeiro, apenas meeiro.

Para entender melhor leia nosso artigo “Qual é a diferença entre herdeiro e meeiro?” (clique aqui).

Se casados pelo regime da comunhão parcial, o cônjuge/companheiro será meeiro em relação ao patrimônio comum (de ambos) adquirido durante a união, e será herdeiro apenas se existirem bens particulares (somente do falecido).

Confira a lista de bens comuns e particulares clicando aqui (clique aqui).

Em relação ao regime da separação obrigatória, muito tem se discutido, pois, se o regime para a união não foi escolhido pelas partes, mas imposto por lei, então o que aconteceria depois do falecimento de um dos cônjuges ou companheiros? Poderia haver alguma alteração?

Há entendimento de que, mesmo no regime da separação obrigatória, o cônjuge/companheiro sobrevivente participará da sucessão como herdeiro em relação aos bens particulares, da mesma forma que ocorre no regime da comunhão parcial de bens. Contudo, a análise poderá ser diferente, dependendo da posição do juiz que estiver julgando o caso.

Ainda, em que pese o artigo da lei não mencione todos os regimes de bens, importante falar sobre o regime da separação total de bens.

Quanto a este regime, o entendimento predominante é o de que o cônjuge/companheiro poderá ser herdeiro, muito embora as partes tenham optado – em vida – por não compartilhar os bens durante a união. Há, contudo, muitas divergências sobre o tema e não há um posicionamento consolidado pelos tribunais.

Certo é que cada caso vai apresentar suas particularidades e a aplicação desta ordem sucessória pode ser alterada (por exemplo, se algum herdeiro legítimo já tiver falecido).

Conforme sempre afirmamos em nossos artigos, cada situação deverá ser analisada individualmente.

Por tal motivo, ressaltamos a importância de procurar a ajuda de profissionais especializados na área de Direito de Família e Sucessões, para que as informações sejam obtidas de maneira precisa, a partir da análise de documentos e de fatos.

Nos próximos artigos falaremos como funciona a questão da divisão patrimonial em cada um dos regimes de bens existentes.

Fique ligado!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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