Curatela: o que é isso?

No artigo “Uma criança perdeu os pais: quem ficará responsável por elas?” (clique aqui), explicamos que a tutela existe para garantir a criação e a educação de crianças ou adolescentes que tenham perdido seus genitores. Isso porque, até que atinjam os 18 anos de idade, entende-se que não teriam capacidade de reger sua própria vida civil.

Mas, para o Direito, o que significa essa “capacidade” afinal? E o que acontece se uma pessoa maior de idade não a possui? É esse o tema do artigo de hoje! Quer entender melhor? Continue lendo!

A capacidade civil é a aptidão de adquirir direitos e de assumir deveres nas relações jurídicas patrimoniais (ex.: comprar, vender, realizar contratos). Ou seja, somente aqueles que são considerados “capazes” para a lei, podem, sozinhos, realizar estes atos.

Por exemplo, uma criança é um sujeito titular de direitos como qualquer outro, mas não lhe é permitido praticar atos jurídicos, pois somente atinge a capacidade total quando completa 18 anos de idade. No caso das crianças e dos adolescentes, geralmente os genitores ou algum dos familiares é que exercerá a guarda ou a tutela (leia sobre as diferenças entre esses dois institutos clicando aqui), sendo eles, portanto, que representarão os interesses dos pequenos até que atinjam a maioridade.

A curatela, por sua vez, segue o mesmo raciocínio. No entanto, ela vale para aqueles que já completaram a maioridade civil (ou seja, já possuem 18 anos ou mais), porém, por conta de alguma doença mental – ou por alguma outra razão, listada em lei – não possuem capacidade de autodeterminação, de gerir seus próprios interesses. Embora eles sejam adultos, que, teoricamente, poderiam exercer os atos jurídicos, a doença (ou o outro motivo) lhes retira a “capacidade” para tanto. E por isso precisam de um representante. Este representante exercerá a “curatela” daquele incapaz.

Então, o que é a curatela afinal?

A curatela é um mecanismo de proteção para aqueles que, mesmo maiores de idade, não possuem capacidade de reger os atos da própria vida. Ela é o “encargo imposto a uma pessoa natural para cuidar e proteger uma pessoa maior de idade que não pode se autodeterminar patrimonialmente por conta de uma incapacidade”1.

E quem pode ser interditado?

O artigo 1767 do Código Civil Brasileiro, foi atualizado pela Lei nº 13.146 de 2015, a qual institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e prevê as seguintes hipóteses de interdição:

a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade: Neste ponto, o artigo é bastante genérico, com o objetivo de retirar o estigma de que pessoas com determinadas síndromes, tal como a Síndrome de Down, ou doenças como o Alzheimer, por exemplo, sejam automaticamente inseridas no rol de incapazes.

Portanto, neste contexto, cada situação será analisada considerando suas particularidades. A curatela poderá ser definida, considerando as condições ou estados psicológicos, que podem reduzir a capacidade de discernimento acerca da vida e do cotidiano de cada indivíduo.

Ainda, por causa transitória, por exemplo, podem ser considerados aqueles que encontram-se internados em UTI, mesmo que temporariamente, mas que não possuem condições de manifestar a vontade na situação em que se encontram.

A causa da incapacidade, nesses casos, dependerá de comprovação médica.

b) os ébrios habituais (alcoolistas) e viciados em tóxicos: Importante dizer aqui que, nesses casos, o discernimento é reduzido e não se trata de uso eventual de determinadas substâncias.

c) pródigos: São aqueles que dilapidam seu patrimônio de modo a prejudicar seu próprio sustento. É um desvio comportamental e se exige a presença da psicologia para sua averiguação, não bastando o mero volume de gastos para sua verificação. Nesse caso, pode ser que a interdição seja parcial, ou seja, somente para realizar negócios que envolvam o patrimônio da pessoa.

Ressalte-se que este rol é taxativo, o que significa que somente poderá ser concedida a curatela se a situação se amoldar a uma das hipóteses previstas em lei, não sendo possível requisitá-la em qualquer outra circunstância.

E como ela é instituída?

A curatela é estabelecida por meio de um processo de “interdição”. É exigido que se comprove, dentro do processo, a causa geradora da incapacidade. Como é uma medida drástica que atinge determinados direitos, a curatela não pode ser aplicada sem a devida análise do caso, e deve ter sempre por base a proteção do indivíduo interditado. Além disso, somente se justifica em razão das necessidades dele.

Na sentença, o juiz estabelecerá o grau da incapacidade, pois nem sempre ela será absoluta. Assim, a interdição incidirá somente em determinados atos e situações. O ideal é que o juiz observe o alcance do “comprometimento mental do interditando, procurando assegurar que ele mesmo, pessoalmente, possa continuar, se possível, exercendo seus interesses existenciais”2.

No mais, será nomeado um curador, que exercerá a curatela. Esse curador será, preferencialmente, o cônjuge ou companheiro do interditando, bem como um dos parentes mais próximos (ascendente, descendente ou colateral). Caberá ao juiz verificar quem possui melhores condições de exercer o encargo e quem possui uma relação de afeto e afinidade com o incapaz (ou relativamente incapaz).

O curador terá a obrigação de administrar os bens do curatelado e de prestar contas a cada dois anos (ou a critério do juiz) por meio de um relatório contábil com os comprovantes das despesas. Verificada qualquer irregularidade, ele poderá ser destituído do encargo, providenciando-se a sua substituição.

Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho
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1 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

O que fazer se o devedor de alimentos se tornar incapaz?

Você sabe o que fazer se o devedor de alimentos se tornar incapaz, seja por ter adquirido alguma doença, sofrido algum acidente, ou por algum outro motivo que tenha retirado sua capacidade de gerir a própria vida?

Por exemplo, podemos imaginar uma situação na qual o alimentado está pedindo judicialmente o cumprimento de uma decisão em relação aos alimentos (leia mais sobre isso: Como faço para cobrar a pensão alimentícia que não é paga?” Clique aqui) e, no entanto, o genitor que está obrigado a prestar a pensão alimentícia sofre algum acidente e acaba ficando em coma ou com sequelas que não lhe permitem exercer função remunerada. Outro exemplo pode ser quando se constata que o devedor de alimentos possui alguma doença mental.

Isso tudo, por certo, dificulta o pagamento dos alimentos de forma adequada. No entanto, a obrigação permanece. Então, o que fazer?

Em artigos anteriores, já mencionamos que, se uma pessoa tem alguma doença (ou outra circunstância) que a impede de praticar os atos da vida civil, ela pode ser considerada “incapaz”. Nesses casos, deve-se buscar a curatela daquele indivíduo (“Curatela: o que é isso? Clique aqui). É claro que nem todas as situações de deficiência ou doença serão tão graves a ponto de fundamentar a curatela. Porém, sendo esse o caso, aquele adulto passará a ser representado por um curador.

Assim, uma das medidas a serem tomadas pelo alimentante incapaz (representado por seu curador) será ingressar com uma ação revisional de alimentos (“O valor da pensão alimentícia pode ser alterado?” Clique aqui), por meio da qual explicará toda a situação e buscará diminuir o valor da pensão alimentícia, se efetivamente não estiver em condições de prestá-la na quantia determinada anteriormente.

Vale lembrar que a interdição (incapacidade), por si só, não necessariamente justifica a mudança do valor dos alimentos. Aquele que possui essa obrigação alimentar deverá demonstrar nos autos que, por conta de doença ou outra situação (custos de medicamentos, internações, incapacidade de trabalhar…), sua condição financeira se modificou e que, em decorrência dos problemas de saúde, sofreu diminuição da sua renda ou aumento das suas despesas (artigo 1699 do Código Civil Brasileiro).

Ademais, grife-se que, ainda que o valor dos alimentos venha a ser alterado – ou que haja eventual exoneração do encargo –, a alteração passará a valer apenas para as parcelas futuras da pensão alimentícia. O curador deverá ficar responsável pelo encargo. As parcelas que não foram pagas e já estiverem sendo cobradas, porém, permanecem.

Assim, estando o processo de cobrança dos alimentos em curso, as circunstâncias pelas quais o executado (devedor) está passando deverão ser informadas nos autos, comprovando-se documentalmente, inclusive, a curatela.

Além disso, se a cobrança estiver tramitando pelo rito da prisão civil, é importante dizer que, embora a dívida permaneça e o processo possa seguir, não poderá continuar pelo rito da coerção pessoal. Isso porque os incapazes não vão para a detenção quando cometem crimes (há outras medidas específicas a serem aplicadas para eles), e também não cabe sua prisão civil, até mesmo pela situação de vulnerabilidade em que se encontram. A alternativa, então, será a penhora dos bens, entre outras medidas que mencionamos no artigo “Novidades sobre a cobrança de pensão alimentícia” (Clique aqui).

Desse modo, deverá ser formulado ao juiz um pedido para que a ação passe a tramitar sob o rito da penhora de bens (sobre o qual falamos no artigo “Como faço para cobrar a pensão alimentícia que não é paga?” Clique aqui), tendo em vista que, ainda que esteja incapacitado de exercer os atos da vida civil, o alimentante pode ter bens que garantirão o sustento do filho e a quitação do débito, ou poderá ser descontado o valor da pensão alimentícia de eventual benefício previdenciário recebido por ele.

Ressalte-se que, embora deva ser considerada a incapacidade do alimentante, o filho – se for menor de idade – também é considerado incapaz e tem o direito de receber auxílio para seu sustento. O genitor incapaz não poderá ser preso, mas, considerando que ele ainda era capaz quando contraiu o débito alimentar, deve ser levado em conta também o superior interesse do menor, que não poderá ser prejudicado porque o genitor, quando tinha condições, deixou de cumprir com seu dever.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

Como vender um bem de um familiar curatelado/incapaz?

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Vender um bem de alguém considerado incapaz é uma situação muito comum e que deve ser tratada com muito cuidado.

Apenas para relembrar: “A capacidade civil é a aptidão de adquirir direitos e de assumir deveres nas relações jurídicas patrimoniais (ex.: comprar, vender, realizar contratos). Ou seja, somente aqueles que são considerados “capazes” pela lei, podem, sozinhos, realizar estes atos.”

Se você possui algum familiar ou conhecido incapaz – menor ou maior de idade –, a dúvida sobre como vender um bem de alguém que precisa de um representante para a prática dos atos da vida civil já deve ter passado por sua cabeça.

Neste texto, vamos esclarecer alguns pontos sobre esse tema!

No artigo “Curatela: o que é isso?” (clique aqui), explicamos que a curatela é “um mecanismo de proteção para aqueles que, maiores de idade, não possuem capacidade de reger os atos da própria vida”. É, portanto, o encargo conferido a uma pessoa para cuidar de um adulto (ou seja, de alguém que já é maior de idade), mas que, por algum motivo (enfermidade, deficiência, dependência química, etc.) não é capaz de se autodeterminar e não possui condições de entender e compreender as consequências, o alcance e a importância de seus atos.

Assim, o curador será o responsável por administrar, proteger e cuidar dos bens do curatelado. Então, pode surgir o questionamento: e se for necessário vender o bem de propriedade daquele incapaz? O que se deve fazer?

Pois bem, o primeiro ponto é procurar o atendimento de advogados ou da Defensoria Pública, pois, para a venda do bem de um curatelado é necessária uma autorização judicial, que poderá ser concedida em um processo de “alvará para venda”.

Tem-se, portanto, que um dos requisitos é a autorização judicial.

Porém, existem mais três aspectos essenciais a serem observados: a “real necessidade”, “inequívoca vantagem” e a “avaliação judicial do bem”.

Vamos saber do que se tratam?

REAL NECESSIDADE: a venda de bem de incapaz somente pode ser autorizada em situação de real necessidade porque o seu patrimônio e seus interesses devem ser plenamente resguardados. Mas, o que pode ser considerado real necessidade? Isso vai depender de caso para caso.

De maneira geral, pode-se dizer que os casos de real necessidade são aqueles que envolvem a educação, saúde ou subsistência do incapaz. Além disso, existe a possibilidade de se demonstrar a real necessidade de alienar um bem para a aquisição de outro em seu lugar. A lei, porém, não se preocupa em fornecer um rol preestabelecido de situações nas quais há real necessidade.

A título de exemplo, pode-se mencionar os casos nos quais os envolvidos são pessoas com poucos recursos, nos quais o incapaz está hospitalizado em estado crítico e precisa do valor para arcar com o tratamento; e quando há necessidade do recebimento da quantia para garantir os custeios básicos e essenciais à sobrevivência do incapaz. Ou seja, não é recomendado que se autorize a venda de um bem de incapaz por motivos supérfluos, mas a “real necessidade”, de fato, deverá ser verificada no caso concreto, avaliando-se com cautela as circunstâncias em que vive o incapaz e seus familiares (incluindo seu curador).

INEQUÍVOCA VANTAGEM: de acordo com o artigo 1750 do Código Civil Brasileiro, os imóveis pertencentes aos menores sob tutela somente podem ser vendidos quando houver inequívoca vantagem – ou seja, uma vantagem certa. Esse artigo é aplicável também à curatela (não sendo caso de menor de idade), por conta do disposto no artigo 1774 do Código Civil Brasileiro. Assim, somente será concedida a autorização para a venda de bem de incapaz se for demonstrado no caso, efetivamente, que haverá vantagem para ele.

Importante ressaltar aqui, que a vantagem advinda do negócio deve vir em benefício do incapaz (e não de seu curador ou outras pessoas) e, ainda, que não basta somente a comprovação de ausência de prejuízo.

A título de exemplo, pode-se mencionar que, a eventual venda de bem, sob a justificativa de que se está a arcar com as despesas de manutenção de determinado imóvel, por si só, não deve prevalecer sem que haja prévia e cuidadosa avaliação, demonstrando-se que, além de utilizar os valores da venda para arcar com as despesas de manutenção, o negócio a ser realizado trará vantagem – de fato – ao incapaz.

AVALIAÇÃO DO BEM: a avaliação do bem será necessária até mesmo para que se verifique a presença da inequívoca vantagem na realização do negócio jurídico. Ela serve para que, avaliado o valor do bem a ser vendido e também, se for o caso, do bem a ser adquirido em seu lugar, seja possível analisar se o incapaz não terá prejuízo financeiro.

Com relação ao dinheiro obtido com a venda do bem (não inferior à avaliação), o Código Civil determina que o curador somente poderá ficar em poder de valores necessários para as despesas com o sustento e a administração dos bens da pessoa incapaz. Por este motivo, o valor obtido com a venda, por ser do curatelado, deverá ser depositado em conta judicial vinculada ao processo, e só será liberado mediante novo alvará, comprovada a necessidade do curatelado, e com a posterior apresentação de prestação de contas.

Por fim, será nulo o negócio jurídico quando ausente a prévia autorização judicial e, declarada a nulidade, por força da proibição de enriquecimento sem causa, deve ser restituída ao comprador a quantia paga, garantindo-se ao possuidor de boa-fé o direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Ou seja, se alguém comprar o imóvel de incapaz que foi vendido sem autorização judicial, o comprador poderá, dependendo das circunstâncias, ser indenizado quando da anulação do negócio.

Todos esses cuidados são essenciais, tendo em vista a preocupação do Estado em proteger o patrimônio do incapaz e resguardar seus interesses. É extremamente necessária a fiscalização acerca da correta administração de seu patrimônio, para que o incapaz não seja prejudicado e, eventualmente, fique desamparado financeiramente.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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