“Adoção à brasileira”: o que é isso?

Adoção à brasileira”

No artigo O que é adoção?” (clique aqui) explicamos que “a adoção é o ato pelo qual se cria um vínculo de filiação, até então inexistente, em que não há laço natural (genético).

Para que uma adoção se concretize, existem requisitos previstos em lei: decisão judicial, consentimento dos pais biológicos (a não ser que sejam destituídos do poder familiar), consentimento do adotando (se maior de 12 anos), estágio de convivência, entre outros. É preciso passar por todo um processo para que ela venha, então, a ser concedida.

Apesar de todo esse procedimento ser obrigatório, você já deve ter se deparado com situações como as que seguem:

  • Conheci um rapaz quando estava grávida do meu ex, ele estava ciente da situação e quis assumir. Enquanto eu estava na maternidade e tinha acabado de ganhar a bebê, ele foi registrar minha filha sem meu consentimento. Mas como eu estava com ele na época, eu não recorri.”

  • Tenho uma menina de 10 anos registrada só no meu nome. O meu esposo criou desde a barriga e agora gostaria de registrá-la”.

  • Meu caso é, me separei do meu marido e me relacionei com outra pessoa e engravidei, ele não quis assumir a criança e me abandonou, contei tudo para o meu marido e ele sabe que a criança não é filha dele, mas, mesmo assim, decidiu criá-la e registrá-la como se fosse filha dele”.

  • Minha filha teve uma filha com um rapaz e este rapaz foi preso no dia que tinha que registrar a criança, agora ela está em outro relacionamento e quer registrar com o nome de outro”.

No presente artigo, falaremos um pouco mais sobre a ADOÇÃO À BRASILEIRA!

Ela é caracterizada em casos como os mencionados acima, nos quais alguém registra como se fosse seu um filho que sabe ser de outra pessoa, ou seja, o que acontece é uma adoção irregular, já que não seguiu todos os trâmites legais necessários. A essa adoção irregular é dado o nome de “adoção à brasileira”.

As situações citadas acima são algumas das que vemos diariamente nas Varas de Família e, por isso, resolvemos escrever este texto para alguns esclarecimentos!

A “adoção à brasileira” é ilícita – contrária à norma jurídica – e não pode ser comparada ao ato formal e solene de adoção. Inclusive, a prática de “adoção à brasileira” – ou seja, registrar um filho de outra pessoa como se fosse seu – caracteriza um crime, previsto no artigo 242 do Código Penal:

Art. 242Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo únicoSe o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Podemos observar, então, que as situações que envolvem esse tipo de registro devem ser analisadas com muita cautela.

É que, se de um lado aquela adoção é ilícita – não podendo, em tese, tornar-se válida –, de outro lado também temos no Direito o que se chama de filiação “socioafetiva”.

Esse tipo de filiação decorre da relação entre pais, mães e filhos, cuja origem vem do vínculo afetivo existente entre eles, não sendo necessário que haja um vínculo genético, ou seja, para ser mãe ou pai, não é preciso ter sido aquele que gerou o filho, mas sim, aquele que exerce, de fato, a função paterna ou materna.

Para saber mais sobre o assunto, você pode conferir o artigo “Pai ou mãe é quem cria!: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).

Entende-se, portanto, que, em relação à prática de uma conduta ilícita, isso vem sendo bem relativizado no Direito de Família (que é diferente da criminal), cabendo ao juiz competente analisar criteriosamente todas as circunstâncias que envolvem cada caso.

Por exemplo, para Rolf MADALENO, o intuito de se dedicar como pai e mãe, dando afeto aos filhos “constrói a paternidade ou maternidade socioafetiva e retira por sua intenção altruísta a conotação pejorativa e ilícita, porque trata dos pais do coração”1.

Assim, tem-se que, dependendo do caso, embora a adoção à brasileira seja um comportamento criminoso, fato é que, existindo o vínculo socioafetivo, o registro irregular, assim como a adoção, torna-se irrevogável, ou seja, não pode ser facilmente desfeito, por conta do superior interesse das crianças e dos adolescentes.

Estabelecido o registro, “será possível vislumbrar uma relação jurídica paterno filial decorrente do vínculo socioafetivo, não se recomendando, às vezes, a sua extinção, sob pena de comprometimento da própria integridade física e psíquica do reconhecido”2.

Muitas vezes, o que acontece é que o registro é efetuado sem que se tenha noção de suas consequências e, por conta disso, aquele pai – por exemplo – que realizou o registro, tenta posteriormente negar aquela paternidade, alegando a ausência de ligação biológica (“Registrei uma criança que não é meu filho biológico, e agora?” – clique aqui).

Geralmente, esses pedidos de desconstituição da paternidade aparecem depois do término da relação afetiva com a mãe daquele filho que foi reconhecido indevidamente.

Nesses casos, o entendimento predominante é o de que, apesar de o registro ter sido realizado de forma irregular, estando presente a paternidade socioafetiva, ele será mantido e quem registrou será considerado pai para todos os fins (especialmente se o pai biológico também não é presente).

Assim, embora a “adoção à brasileira” não possa ser considerada tecnicamente uma adoção, ela poderá ter seus efeitos jurídicos protegidos (direitos e deveres decorrentes da relação de filiação), até porque não faria sentido permitir um tratamento diferenciado, aceitando-se eventualmente o arrependimento de quem praticou o ato de forma irregular com consciência de que o estava praticando de forma equivocada.

Situações como as que citamos acima são mais comuns do que você pode imaginar. Certo é que, como sempre falamos em nossos artigos, cada caso deverá ser analisado levando em conta as suas particularidades. Cada pessoa tem uma história de vida, e isso conta muito na hora da análise do caso concreto.

E aí!? Você conhece algum caso de “adoção à brasileira”?

Compartilha com a gente CLICANDO AQUI!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

____________________________

1 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª Ed. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2011.

2 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

Adoção legal: programa de entrega consciente

No artigo Você sabe o que é adoção?” já explicamos o que é esse instituto e quais são alguns critérios a serem seguidos para a adoção de um filho.

Agora, analisando a situação por uma outra perspectiva, você já parou para pensar sobre o que uma mãe precisa fazer quando deseja entregar seu filho para adoção? Continue lendo para entender melhor!

É importante esclarecer que esse é um assunto delicado e precisamos tratar sobre ele despidos de quaisquer preconceitos ou julgamentos.

Isso porque, muitos podem ser os motivos pelos quais uma mãe desiste de criar seu filho (impossibilidade financeira, rejeição por conflitos internos, desejo de não exercer a função materna, não contar com o apoio de familiares, ter sido vítima de estupro, entre outros) e o objetivo principal é buscar que os interesses das crianças sejam sempre resguardados.

Primeiramente, é essencial lembrar que nem toda mulher tem aquele sentimento de que “nasceu para ser mãe” e, que nem todas possuem a intenção ou as devidas condições de exercer essa função, o que não quer dizer que sejam más pessoas.

Muitas mães não conseguem ter essa visão e, por medo de serem condenadas negativamente pela sociedade e de sofrerem ataques, acabam não optando pelos meios adequados de entregar o filho para adoção, o que gera um elevado número de abandono de crianças, dentre outras irregularidades que são prejudiciais ao desenvolvimento dos pequenos.

Pensando nisso, a equipe técnica do Serviço Auxiliar da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cascavel, no estado do Paraná, desenvolveu um guia contendo um “passo a passo” sobre a entrega consciente de um filho para a adoção, com o intuito de diminuir o número de crianças abandonadas ou mal tratadas, além de abortos, infanticídios ou adoções irregulares (por exemplo, por meio da venda de crianças – sim, isso infelizmente existe).

Neste artigo, explicaremos um pouco sobre o processo de entrega de um filho à adoção, utilizando as informações contidas no guia mencionado acima (foto).

De acordo com o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as gestantes que manifestarem desejo de entregar o filho para a adoção serão encaminhadas à Justiça da Infância e Juventude de sua cidade.

Caso o médico ou enfermeiro do hospital – ou do local em que nasceu o bebê – deixe de efetuar esse encaminhamento, ele poderá responder judicialmente por sua conduta, inclusive com o pagamento de multa por descumprimento da lei.

Se a comunicação do desejo acerca da entrega para adoção acontecer no Hospital (logo depois do nascimento do filho), deverá ser providenciada a busca da mãe e da criança, para que a genitora seja ouvida pelos psicólogos e pelos assistentes sociais da Vara da Infância e Juventude.

Eles, então, farão o acolhimento da criança e redigirão um documento que pode ser chamado de “informação”, no qual constará a vontade manifestada pela mãe.

Caso a gestante manifeste seu desejo antes do nascimento do filho, ela será atendida da mesma forma, e será encaminhado um “ofício”, ou seja, um “comunicado” pela equipe de profissionais da Vara da Infância ao Hospital para que, quando do nascimento da criança, a Vara da Infância seja avisada.

Depois disso, a genitora será encaminhada para elaboração do que se chama de “luto pela separação do filho”, nos moldes do que prevê artigo 8o do Estatuto da Criança e do Adolescente1.

A mãe, então, receberá o devido acompanhamento de profissionais atuantes na área, para que ela saiba lidar da melhor maneira com o momento difícil que é o da decisão de entregar um filho para a adoção. Essa assistência tem por finalidade o reconhecimento e a aceitação pela mãe de seu ato e das consequências dele, tudo de maneira consciente e com todo o amparo necessário para tanto.

Em relação à criança, ela ficará em instituição de acolhimento até a regularização de sua situação jurídica, ou seja, até que seja concluído o processo de destituição do poder familiar (clique aqui), para que o bebê possa ser encaminhado à adoção.

O programa de entrega consciente – assim como este artigo de hoje – tem a intenção de divulgar informações sobre o tema da adoção de crianças e provocar uma reflexão sobre o assunto, promovendo inclusive o apoio social àquelas mães que entregam seus filhos para adoção em vez de simplesmente abandoná-los por não terem condições de exercer a maternidade.

É importante que a sociedade tenha acesso a este tipo de informação, para que aquelas mães que estão passando por momentos de dificuldade – por acharem que não possuem condições de criar os filhos, mas que também não sabem quais atitudes poderiam tomar – tenham a possibilidade de escolher, de maneira consciente, o destino dos pequenos.

As pessoas, de modo geral, precisam saber que existem alternativas e que a entrega de um bebê para a adoção regular é mais benéfica para uma criança do que o seu abandono, bem como que essa é a melhor atitude a ser tomada por aquela mãe que realmente não possui condições de permanecer com o filho.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


Art. 8o É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. § 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. § 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.

Sair da versão mobile