A lei da alienação parental surgiu para proteger crianças e adolescentes que eventualmente são impedidos por um dos genitores (ou pelos avós) de manter contato com o outro (O que é alienação parental? – clique aqui). O que isso teria, então, a ver com os idosos?
Em alguns textos do Direito Familiar, já se mencionou que a família passou por diversas transformações ao longo dos anos e, contemporaneamente, nos deparamos diversas vezes com famílias recompostas, formadas, a título exemplificativo, por pais/mães que, depois do divórcio, acabam por constituir uma nova união.
Pode-se pensar, como um exemplo, na seguinte situação: o pai se separou da mãe e constituiu uma nova união, havendo animosidade entre os filhos já adultos e a atual companheira. Como se não bastasse, este pai não anda muito bem de saúde e, por conta desses conflitos, a nova companheira impede que os filhos visitem o genitor – que não está fisicamente ou psicologicamente bem para fazer valer as suas próprias vontades. O que fazer em um caso assim?
Há quem defenda a aplicação, por analogia, da lei de alienação parental quando a “vítima” for um idoso.
Isso porque o “idoso pode ser utilizado como instrumento de agressividade direcionada aos demais familiares” e pode “ser levado a afastar-se dos demais familiares que com ele mantêm uma relação de afeto”. Embora diversas medidas de proteção ao idoso sejam previstas na Lei 10.741/2003, o Estatuto do Idoso não prevê a hipótese de alienação parental, o que justificaria a analogia para o preenchimento de uma lacuna da lei.
De outro lado, porém, há o posicionamento no sentido de que a lei da alienação parental tem por objetivo principal a proteção de crianças e adolescentes que estão em condição de vulnerabilidade por não terem completado sua formação e, por isso, o idoso, ainda que possa vir a possuir mais necessidades e cuidados em razão da idade, e apesar de se tornar um sujeito de prioridade, nem sempre poderá ser considerado vulnerável1.
É que o idoso, ao contrário do menor, que é presumivelmente incapaz na definição da lei civil, é pessoa presumivelmente capaz de agir e atuar na vida civil, não se justificando a intervenção em casos nos quais não se discuta questão relacionada com sua condição de idoso.
Aqueles que entendem que a lei da alienação parental pode ser aplicada ao idoso acreditam que tal aplicação seria baseada “na vulnerabilidade da pessoa idosa e sua proteção integral, tendo em vista a possibilidade de o idoso sofrer alienação parental quando na casa em que mora é impedido de ver outros parentes pelo cuidador”2 e deve ser garantido o direito à convivência familiar, previsto na Constituição Federal (art. 227).
Eles explicam que aquele pai ou mãe pode não estar em plenas condições para tomar decisões sozinho e, dessa forma, acaba sendo convencido de que não deve ver os filhos (ou outros familiares). A vontade real da pessoa é, portanto, minada, manipulada, ou seja, alienada.
Apesar de as crianças serem mais suscetíveis, argumenta-se que pode haver situações nas quais pessoas idosas com algum grau de vulnerabilidade também estariam sujeitas à alienação, ainda que não tenham sido interditadas judicialmente – até porque o processo de interdição é demorado e que em determinados casos sequer há o interesse de realizar a interdição.
Diante dessa divergência de entendimentos (em certa medida), qual seria uma solução viável para tais situações?
Primeiramente, conforme sempre ressaltamos, o ideal seria entrar em um consenso, por meio do diálogo, a fim de estabelecer uma forma de convivência que seja viável e interessante para todos os envolvidos.
Não sendo possível, porém, realizar um acordo, e, sendo necessário ingressar com uma ação judicial, é preciso lembrar que as medidas previstas na lei de alienação parental são pertinentes quando se fala em crianças e nem sempre servirão para resolver a questão quanto aos idosos.
No entanto, um possível caminho seria o de investigar a situação do idoso, dentro do processo judicial, antes de adotar qualquer medida (seja das previstas na lei de alienação parental ou não).
Isso até para que se verifique se o idoso está em pleno gozo de sua capacidade mental, se possui autonomia e autodeterminação, se há notícias de eventuais maus tratos (art. 136 do Código Penal e art. 99 da Lei 10741/2003), ou se há situação de risco que enseje a aplicação das medidas previstas no Estatuto do Idoso.
Caso haja uma situação de efetiva vulnerabilidade do idoso, mas não sendo caso de aplicação de outras medidas previstas no Estatuto do Idoso, caberá ao juiz responsável por analisar o caso verificar quais atitudes podem ser adotadas, tais como: designação de audiência, advertência, regulamentação das visitas.
Não havendo vulnerabilidade do idoso, contudo, será preciso ter muita cautela, na medida em que certas ações podem acabar por retirar a autonomia e a liberdade dele, que pode vir a ter sua dignidade ofendida.
Tem-se, pois, que o Judiciário deve ser cauteloso ao analisar tais casos, contando com a colaboração de equipe interdisciplinar (psicólogos e assistentes sociais) e visando sempre a conciliação entre os envolvidos.
Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho
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1 SOUZA, Laice. Juíza entende que lei pode ser aplicada ao idoso. MidiaJur, Cuiabá, Mato Grosso.
2 BARBEDO, Claudia Gay. A possibilidade de extensão da lei de alienação parental ao idoso. In: SOUZA, Ivone M. Cândido Coelho de. Família contemporânea: Uma visão interdisciplinar. Porto Alegre. IBDFAM, 2011.