Adoção por casais homoafetivos

A adoção é um instituto que visa à proteção de crianças e adolescentes e ocorre por meio da formação, entre o adotante e o adotado, de um vínculo de filiação. Sobre a adoção, já se falou no artigo “O que é adoção?” (clique aqui).

O instituto é considerado um instrumento de determinação de filiação afetiva, por meio do qual se valoriza a família formada pelo afeto. Prioriza-se o interesse das crianças e dos adolescentes a serem adotados, a fim de que sejam respeitados seus direitos fundamentais. Os adotantes, na verdade, ficam em segundo plano, pois se tem como finalidade principal “dar pais aos menores desamparados”1.

A adoção realizada por somente uma pessoa é unilateral e a bilateral (ou conjunta) seria a adoção por duas pessoas, para a qual há necessidade de se comprovar que os interessados são casados entre si ou que há estabilidade da entidade familiar da qual fazem parte.

Sabe-se que o STF reconheceu a união estável homoafetiva em 2011 como entidade familiar, conforme já tratado no artigo “Casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo” (clique aqui).

No que diz respeito à adoção, outrora, “gays e lésbicas se candidatavam individualmente, não sendo questionado se mantinham relacionamento homoafetivo”2. Assim, ainda que o adotante vivesse com companheiro ou companheira, a criança a ser adotada manteria vínculo jurídico com somente um deles e permaneceria desamparada em relação ao outro, mesmo que, na prática, formassem uma família.

Logo, “o não estabelecimento de uma vinculação obrigacional gerava absoluta irresponsabilidade de um dos genitores para com o filho que também era seu”3, o que poderia, muito provavelmente, ser prejudicial ao interesse das crianças ou adolescentes envolvidos.

Após o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da união estável homoafetiva e da possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo, inúmeras decisões passaram a admitir a adoção de crianças ou adolescentes por casais homoafetivos. Não há motivos para impedir que casais homoafetivos realizem a adoção.

Há quem tente argumentar, ainda nos dias de hoje, que tais adoções poderiam ser prejudiciais às crianças e adolescentes, especialmente porque causariam confusão psicológica e obstáculos na identificação sexual do filho, contudo, tais argumentos não se sustentam.

Diversas pesquisas já demonstraram “não haver diferenças significativas entre o desenvolvimento de crianças criadas por famílias heterossexuais comparadas àquelas criadas por famílias homossexuais”4, até porque a orientação sexual dos pais não vincula o filho5 e “o acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de qualquer dano no desenvolvimento psíquico ou social da criança”6.

É certo que, tanto homossexuais quanto heterossexuais têm sua personalidade formada de acordo com inúmeras circunstâncias sociais, culturais e étnicas. De acordo com Vera Lucia da Silva SAPKO, já se demonstrou que há “bons pais e maus pais tanto entre homossexuais como entre heterossexuais”7.

Christiano Chaves de FARIAS e Nelson ROSENVALD afirmam que sustentar a “impossibilidade da adoção por pessoas do mesmo sexo é explicitar a discriminação e o preconceito”8, mesmo porque a orientação sexual, por si só, não implica no apropriado (ou no inapropriado) exercício da autoridade parental (clique aqui), e também porque a parentalidade responsável não guarda relação com as opções íntimas de cada pessoa.

O importante é que a prole tenha um referencial de pai e um referencial de mãe, não sendo imperioso que “o homem seja a pessoa que exerça o papel de pai e a mulher, o papel de mãe”9. Os filhos precisam de alguém que desempenhe em suas histórias as funções paterna e materna, não interessando se será um homem ou uma mulher.

É nesse sentido o posicionamento de Silvana do Monte MOREIRA, para quem a “paternidade pode ser exercida igualmente por pessoas do sexo masculino ou do sexo feminino, mesmo com identidade cisgênero, pois os papéis parentais independem do sexo biológico ou da identidade de gênero masculino para seu exercício, idem com relação à maternidade”10. Desse modo, uma mulher pode exercer uma função mais “paterna”, ao passo que o homem pode ser o que apresenta, dentro daquele contexto, um lado mais “materno”.

O interesse da criança e do adolescente, embora seja um conceito subjetivo, engloba todos os cuidados essenciais a um desenvolvimento sadio e, certamente, será muito mais respeitado quando a criança estiver inserida em um contexto familiar no qual há afeto – independentemente da orientação sexual e identidade de gênero dos pais.

As crianças que aguardam o processo de adoção geralmente permanecem em lares de acolhimento institucional, aguardando por uma família que os recebam, sem qualquer previsão do tempo que precisarão permanecer naquele local. Esses locais, se comparados à colocação em família substituta homoafetiva, atendem os interesses dos infantes em uma proporção muito inferior.

Veja-se:

De acordo com o Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, produzido pela Fundação Oswaldo Cruz com dados colhidos entre setembro de 2009 e novembro de 2010, havia nesse período cerca de trinta e sete mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos em todo o país. Além da expressiva quantidade de crianças abrigadas, o quadro mostra-se ainda mais grave dado o desrespeito aos direitos das crianças e adolescentes nessas situações. (…) Assim, um paralelo entre a qualidade do desenvolvimento de uma criança ou adolescente dentro de um abrigo ou outras formas de acolhimento provisório, em que o tratamento sabidamente é padronizado e despersonalizado, e o benefício dessa mesma criança ou adolescente adotado no seio de uma família homossexual, faria despertar as mentes mais aguerridas para a necessidade de dar à criança e ao adolescente uma família, independentemente da orientação sexual de seus membros. (…) No abrigo ou nas outras formas de acolhimento provisório, contrariamente, não se consegue levar em consideração as singularidades de cada criança. (…)11.

Vale dizer que, nos lares de acolhimento – por melhores que sejam – o tratamento destinado a atender as necessidades dos infantes sempre acontecerá de forma coletiva, sem individualidade. Uma família, além de proporcionar elementos que não são encontrados – infelizmente – em outras formas de acolhimento, apresenta real vantagem, não havendo qualquer prejuízo em se “ter dois pais e uma mãe, ou duas mães e dois pais ou até mesmo um número maior de pais e mães. A criança ganhará, e muito, em afeto, carinho, cuidado”12.

Ana Carla Harmatiuk MATOS13 observa, ainda, que alguns estudos indicaram que “as crianças lidam bem com a homossexualidade dos genitores e que essa adoção (colocação em família substituta) é tão benéfica às crianças e adolescentes quanto a que tem feição tradicional”, não sendo razoável retirar dos filhos o direito de estarem inseridos em uma família que promova o crescimento saudável da prole.

Quanto à alteração do registro de nascimento depois da realização da adoção, lembre-se que, com o advento do Provimento nº. 02 do Conselho Nacional de Justiça, “as certidões de nascimento, casamento e óbito foram padronizadas em todo o país, ou seja, são iguais em qualquer município, e os campos pai e mãe foram substituídos por filiação e os de avós paternos e maternos por, simplesmente, avós”14. Dessa forma, evita-se constrangimento aos envolvidos.

A adoção é, em tese, irrevogável, pois o que se pretende é a estabilidade dos vínculos de filiação. Ainda que apareçam problemas de relacionamento familiar, isto também acontece em famílias consanguíneas, de modo que não teria qualquer lógica o estabelecimento de normas para fazer cessar o vínculo instituído pela adoção.

Conclui-se, portanto, que permitir que uma criança ou adolescente esteja inserido em um núcleo familiar no qual possa receber afeto e atenção deve ser o pensamento norteador do ordenamento jurídico brasileiro, independentemente da orientação sexual dos integrantes daquela família.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 14ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.

2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9ª Ed. São Paulo: RT, 2013.

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9ª Ed. São Paulo: RT, 2013.

4 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade sócioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2014.

5 “Acreditamos que não é a convivência com homossexuais que mudará a orientação sexual da pessoa. Entretanto, mesmo que houvesse alguma influência, em termos de orientação sexual do menor, qual seria o problema? Não há demérito em relação à escolha da orientação sexual, muito pelo contrário. Em uma sociedade pluralista, que tutela a minoria, que abarca a totalidade dos projetos de vida individuais, não pode haver este tipo de discriminação. Além disso, em termos de tutela do menor, o que está em jogo não é a orientação sexual do genitor, mas a potencialidade do pleno exercício da autoridade parental.” TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O Direito das Famílias entre a Norma e a Realidade. São Paulo: Atlas, 2010. 

6 DIAS, Maria Berenice. Rumo a um novo Direito. In: Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. Coordenadora: Maria Berenice DIAS. Editora dos Tribunais. 3ª Edição. São Paulo, 2017.

7 SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005.

8 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

9 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O Direito das Famílias entre a Norma e a Realidade. São Paulo: Atlas, 2010.

10 MOREIRA, Silvana do Monte. Parentalidade em abordagem singular. In: Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. Coordenadora: Maria Berenice DIAS. Editora dos Tribunais. 3ª Edição. São Paulo, 2017.

11 MATOS, Ana Carla Hamatiuk. A adoção conjunta de parceiros do mesmo sexo e o direito fundamental à família substituta. In: Manual do Direito Homoafetivo. Coordenadores: FERRAZ, Carolina Valença. LEITE, George Salomão. LEITE, Glauber Salomão, LEITE. Glauco Salomão. Editora Saraiva. São Paulo, 2013.

12 MOREIRA, Silvana do Monte. Parentalidade em abordagem singular. In: Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. Coordenadora: Maria Berenice DIAS. Editora dos Tribunais. 3ª Edição. São Paulo, 2017.

13 MATOS, Ana Carla Hamatiuk. A adoção conjunta de parceiros do mesmo sexo e o direito fundamental à família substituta. In: Manual do Direito Homoafetivo. Coordenadores: FERRAZ, Carolina Valença. LEITE, George Salomão. LEITE, Glauber Salomão, LEITE. Glauco Salomão. Editora Saraiva. São Paulo, 2013.

14 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade sócioafetiva: efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2014.

ADOÇÃO: 8 tópicos importantíssimos que você precisa saber!

Adoção

  1.  Eu quero adotar, qual é a primeira medida que devo tomar? 

O primeiro passo é procurar a Vara da Infância e Juventude de seu município e obter as informações acerca de quais são os documentos que devem ser apresentados. Alguns deles são:  identidade; CPF; certidão de casamento ou nascimento; comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal. Para dar início ao processo de habilitação à adoção, é preciso contratar um advogado (ou ser representado pela Defensoria Pública) que ingressará com o pedido para que seu nome passe a fazer parte do cadastro de pretendentes à adoção.

  1. Há uma preparação específica para quem pretende adotar?

Sim. É necessário fazer um curso de preparação psicossocial e jurídico, além de realizar avaliação psicossocial (com entrevistas por psicólogas e assistentes sociais, bem como visita domiciliar). O formato da preparação pode variar de estado para estado. Depois da aprovação nessa fase, aquele que pretende adotar entrará na “fila” de espera para a adoção, e aguardará até que apareça uma criança ou adolescente com o perfil compatível, para que seja proposta a demanda. 

O processo de preparação é importante para que fiquem bem claras as consequências de uma adoção, que são muito sérias. Algumas razões apresentadas pelos que querem adotar (como por exemplo solidão; perda de um ente querido; superar crise conjugal) podem fazer com que se verifique que essa pessoa não está apta a adotar. Além disso, é preciso lembrar que a criança ou adolescente possui uma história antes daquela família e, por isso, passará por uma fase de adaptação que, em alguns casos, pode ser conturbada . É essencial que quem pretende adotar tenha conhecimento disso para lidar com eventuais dificuldades. 

  1. A adoção pode ser realizada por estrangeiros?

Sim. Sendo esse o caso, ela será considerada internacional. Mesmo se o adotando for brasileiro, se o destino de residência dos adotantes for fora do país, será considerada adoção internacional. A adoção internacional somente será concedida quando forem esgotadas todas as tentativas de manutenção da criança em seu país de origem e com os pais biológicos, sendo exigido estágio de convivência no Brasil.

  1. Existe adoção após a morte do adotante?

Ela pode acontecer, desde que o adotante tenha manifestado expressamente sua vontade de adotar em vida (ou seja, se já estiver tramitando a ação de adoção). Há quem entenda que a morte do(a) candidato(a) antes da adoção deveria ter por consequência a interrupção e extinção do processo, no entanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente admitiu a conclusão do procedimento, visando resguardar os laços de afetividade com outros familiares eventualmente estabelecidos durante o processo.

  1. A partir de que momento a adoção começa a produzir efeitos?

Em regra, a sentença de adoção produz efeitos após o seu trânsito em julgado (que ocorre quando não existe mais a possibilidade de recurso). No caso de adoção póstuma (ou seja, após a morte do adotante), entretanto, os efeitos da sentença retroagirão ao momento da morte do adotante (o que quer dizer que a sentença “valerá” a partir do falecimento de quem estiver adotando).

  1. Há o rompimento com os pais biológicos?

A adoção é uma forma de constituição da filiação e tem por consequência a extinção da relação familiar mantida pela criança ou adolescente com sua família anterior (ao menos formalmente), garantindo-se a segurança jurídica e a proteção do(a) adotado(a).

O procedimento de adoção e a sentença transitada em julgado fazem com que se estabeleça uma nova relação de parentesco entre o adotante e o adotado. Inclusive, a autoridade parental será concedida ao adotante. Desse modo, os filhos e netos do adotado também serão parentes do adotante, e enquanto os irmãos biológicos, por exemplo, deixam de ter vínculo com o adotado, exceto para os impedimentos matrimoniais (artigo 1.521, incisos I, III e V, do Código Civil).

  1. Como são feitas as alterações do registro de nascimento do(a) adotado(a)?

O adotado receberá o nome do adotante e será procedida a alteração da Certidão de Nascimento, sem referências ao procedimento de adoção. Caso os adotantes já tenham outros filhos, o sobrenome atribuído ao adotado deve ser o mesmo, para que não aconteça qualquer discriminação. Existe a possibilidade de alteração do primeiro nome também, desde que isso esteja de acordo com os interesses do adotado. Em caso de divergência, o Juízo decidirá.

  1. Aquele que foi adotado(a) pode procurar seus pais biológicos no futuro?

Não há a possibilidade de se investigar a parentalidade (https://direitofamiliar.com.br/o-que-e-investigacao-de-paternidade/) após a adoção. Apesar disso, o adotado pode buscar sua ascendência genética, sem efeitos patrimoniais, ou seja, em regra não há  como alterar a filiação e requerer que sejam produzidos os efeitos (nome, herança, pensão alimentícia…), mas aquele que foi adotado pode querer saber seus laços consanguíneos (https://direitofamiliar.com.br/investigacao-de-paternidade-x-investigacao-de-ascendencia-genetica/) ou ter acesso ao processo de adoção, depois de completar 18 anos.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

Alimentos: Perguntas e respostas

Alimentos: perguntas e respostas

Recentemente, fomos procuradas pelos administradores do site Jusbrasil para respondermos dúvidas comuns relacionadas à pensão alimentícia. Nossas respostas foram publicadas em forma de artigo, e achamos válido compartilhá-las também por aqui, com nossos leitores que acompanham o Direito Familiar, neste formato de “perguntas e respostas”. Confira! 

  1. Como pedir revisão da pensão alimentícia?

Os valores podem ser alterados para mais ou para menos, desde que fique comprovado que houve modificação na situação de quem recebe os alimentos ou na de quem os paga. Para tanto, é essencial a propositura de uma ação judicial (Ação Revisional de Alimentos), para que a alteração tenha validade jurídica.

  1. Como funciona uma audiência de pensão alimentícia? 

Em audiências para tratar de questões referentes ao pagamento de pensão, geralmente será oportunizada aos interessados uma tentativa de resolver o litígio consensualmente, ou seja, as partes terão a oportunidade de conciliar. Dependendo da fase em que estiver o processo, poderão, também, ser apresentadas provas, documentos, e se for pertinente, poderão ser ouvidas testemunhas.

Participarão da audiência, afora as partes e advogados, o Juiz, o Ministério Público (se houver interesse de incapaz) e um conciliador (geralmente algum servidor do cartório daquela Vara). Todos poderão fazer perguntas e apresentar seus argumentos. 

As audiências serão conduzidas levando em consideração o caso concreto e suas peculiaridades, por isso, pode haver variações conforme a Vara em que tramita o processo, o Juiz que atende o caso, enfim. Como sempre dizemos, cada caso é um caso!  

  1. Quanto tempo demora um processo de pensão alimentícia?

Isso é algo praticamente impossível de mensurar, tendo em vista as diversas variáveis existentes, tais quais: se o processo é consensual ou litigioso, a agilidade  do Cartório ou da Secretaria em que o processo  está tramitando, o tempo para cumprir diligências, etc. Certo é que se o processo for consensual ele será muito mais célere do que um processo litigioso. 

  1. Dei entrada no pedido de pensão. Em quanto tempo sai a decisão?

Se houver pedido de fixação de alimentos provisórios (liminar), em tese já deve haver manifestação do juízo logo no despacho inicial. Considerando que essa decisão inicial será proferida antes da instauração do contraditório (ou seja, antes da apresentação de defesa pelo réu), o valor será provisório e muitas vezes não condizente com as necessidades do autor e das possibilidades do réu.  

No entanto, a decisão final (sentença) – com a fixação dos alimentos definitivos – dependerá muito da tramitação do processo e da produção de provas, conforme explicamos acima.

  1. O que fazer quando o alimentante não paga a pensão alimentícia ao filho?

O diálogo tende a ser o melhor caminho. No entanto, se tal meio tornar-se inviável, existe a possibilidade de entrar com um processo cobrando/executando tais valores, quando houver descumprimento por parte da pessoa que deveria prestar alimentos aos filhos. Importante esclarecer que somente será possível ingressar com uma ação de cumprimento de sentença quando já existir a fixação judicial de um valor relativo à pensão alimentícia (provisório ou definitivo, in natura ou in pecúnia), ou se as partes já tiverem realizado um acordo extrajudicial, desde que preencha os requisitos legais. 

  1. Com quantas parcelas atrasadas de pensão pode ser decretada a prisão?

O débito que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento ao cumprimento de sentença e as que se vencerem no curso do processo. Ou seja, a partir de uma parcela em atraso, já é possível pedir a prisão do devedor de alimentos.

  1. É possível pedir pensão alimentícia retroativa?

Em tese, não existe a possibilidade de pedir pensão alimentícia retroativa. A pensão alimentícia somente é considerada depois de estabelecida em decisão judicial. Ou seja, ela somente passa a valer juridicamente a partir do momento da decisão.

  1. Quando posso pedir a exoneração da pensão alimentícia?

Muitas pessoas acreditam que quando o filho completa a maioridade, cessa o dever de prestar alimentos. No entanto, a questão não é tão simples assim. É necessário fazer uma reflexão sobre situações nas quais o alimentado ainda pode precisar do auxílio financeiro, por exemplo: portadores de alguma deficiência, formação escolar profissionalizante ou faculdade, situação de pobreza não proposital. Caso a situação não se encaixe em nenhuma dessas, entende-se que o alimentante pode pedir a exoneração (porque ela não é automática).

Quando os alimentos são devidos entre ex-cônjuges, pela regra geral, se aquele que recebe os alimentos contrair novo casamento ou estiver vivendo em união estável, o devedor dos alimentos pode pedir a exoneração. 

Em todo caso, o alimentante deverá demonstrar que não possui mais condições de arcar com os valores fixados, assim como também deve demonstrar que o alimentado não mais necessita do recebimento dos alimentos. O mesmo critério para a fixação dos alimentos serve também para a exoneração da obrigação: a ponderação entre a necessidade do alimentado e da possibilidade do alimentante.

No entanto, cada caso é um caso e pode ser que as particularidades daquela situação façam com que a exoneração não seja concedida.

  1. Quando posso pedir a revisão do valor da pensão alimentícia?

Quando houver modificação na situação de quem recebe os alimentos ou na de quem os paga, podendo os alimentos ser  aumentados ou diminuídos. Também é possível pedir a revisão quando se pretende alterar a forma de pagamento, além do valor. Ressaltamos que, para que haja alteração do valor dos alimentos, deve-se provar a alteração da situação anterior (alteração na situação financeira do alimentante, diminuição ou alteração das necessidades do alimentado, etc.).

  1. Onde dar entrada na pensão alimentícia?

É competente o foro de domicílio ou residência do alimentando para dar entrada no processo de alimentos. Quando há interesse de incapaz, o foro competente é o do seu domicílio. No entanto, tal competência é relativa, podendo as partes optarem por foro diverso. 

  1. Meus filhos moram em outro Estado. Como fica o processo de alimentos?

Em tese o processo de alimentos deve ser proposto no lugar onde os alimentandos residem. O trâmite seguirá normalmente, como qualquer outra ação de alimentos.

  1. Quais os documentos necessários para pedir pensão alimentícia?

Documentos de praxe devem ser apresentados, tais como: documentos de identificação (certidão de nascimento, RG, CPF, certidão de casamento, se for o caso), comprovantes de despesas, comprovantes de rendimentos; enfim, quaisquer documentos que comprovem as condições financeiras e necessidade de receber o auxílio. 

  1. Quanto custa entrar com um processo de pensão alimentícia?

Esta é uma pergunta difícil de responder, pois depende se a pessoa irá contratar advogado particular, ou se será atendida pela Defensoria Pública; se haverá pedido de justiça gratuita ou não. Não é possível apontar um valor, mesmo que aproximado.

  1. Quanto custa um advogado para pensão alimentícia?

Depende do profissional que você pretende contratar. No entanto, vale a pena consultar a tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil do seu Estado, e verificar a sugestão do valor mínimo que deve ser cobrado à título de honorários para a ação. Desta forma, você poderá ter uma boa noção dos valores de cada ação.

  1. É necessário um advogado para pedir pensão alimentícia?

Sim. Se não houver condições de arcar com  a contratação de um advogado particular, existe o atendimento gratuito prestado pelas Defensorias Públicas e Núcleos de Prática Jurídicas de diversas Universidades. Caso não haja tais alternativas na sua cidade, recorra ao Ministério Público Estadual.

  1. Como conseguir um advogado público para pensão alimentícia?

Basta comparecer à Defensoria Pública de sua cidade e solicitar o atendimento, bem como aos Núcleos de Prática Jurídicas de Universidades e verificar a disponibilidade de atendimento. É importante lembrar, contudo, que é realizada uma triagem, levando em conta as condições financeiras de quem pretende ser atendido de forma gratuita. 

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

“Adoção à brasileira”: o que é isso?

Adoção à brasileira”

No artigo O que é adoção?” (clique aqui) explicamos que “a adoção é o ato pelo qual se cria um vínculo de filiação, até então inexistente, em que não há laço natural (genético).

Para que uma adoção se concretize, existem requisitos previstos em lei: decisão judicial, consentimento dos pais biológicos (a não ser que sejam destituídos do poder familiar), consentimento do adotando (se maior de 12 anos), estágio de convivência, entre outros. É preciso passar por todo um processo para que ela venha, então, a ser concedida.

Apesar de todo esse procedimento ser obrigatório, você já deve ter se deparado com situações como as que seguem:

  • Conheci um rapaz quando estava grávida do meu ex, ele estava ciente da situação e quis assumir. Enquanto eu estava na maternidade e tinha acabado de ganhar a bebê, ele foi registrar minha filha sem meu consentimento. Mas como eu estava com ele na época, eu não recorri.”

  • Tenho uma menina de 10 anos registrada só no meu nome. O meu esposo criou desde a barriga e agora gostaria de registrá-la”.

  • Meu caso é, me separei do meu marido e me relacionei com outra pessoa e engravidei, ele não quis assumir a criança e me abandonou, contei tudo para o meu marido e ele sabe que a criança não é filha dele, mas, mesmo assim, decidiu criá-la e registrá-la como se fosse filha dele”.

  • Minha filha teve uma filha com um rapaz e este rapaz foi preso no dia que tinha que registrar a criança, agora ela está em outro relacionamento e quer registrar com o nome de outro”.

No presente artigo, falaremos um pouco mais sobre a ADOÇÃO À BRASILEIRA!

Ela é caracterizada em casos como os mencionados acima, nos quais alguém registra como se fosse seu um filho que sabe ser de outra pessoa, ou seja, o que acontece é uma adoção irregular, já que não seguiu todos os trâmites legais necessários. A essa adoção irregular é dado o nome de “adoção à brasileira”.

As situações citadas acima são algumas das que vemos diariamente nas Varas de Família e, por isso, resolvemos escrever este texto para alguns esclarecimentos!

A “adoção à brasileira” é ilícita – contrária à norma jurídica – e não pode ser comparada ao ato formal e solene de adoção. Inclusive, a prática de “adoção à brasileira” – ou seja, registrar um filho de outra pessoa como se fosse seu – caracteriza um crime, previsto no artigo 242 do Código Penal:

Art. 242Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo únicoSe o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena – detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Podemos observar, então, que as situações que envolvem esse tipo de registro devem ser analisadas com muita cautela.

É que, se de um lado aquela adoção é ilícita – não podendo, em tese, tornar-se válida –, de outro lado também temos no Direito o que se chama de filiação “socioafetiva”.

Esse tipo de filiação decorre da relação entre pais, mães e filhos, cuja origem vem do vínculo afetivo existente entre eles, não sendo necessário que haja um vínculo genético, ou seja, para ser mãe ou pai, não é preciso ter sido aquele que gerou o filho, mas sim, aquele que exerce, de fato, a função paterna ou materna.

Para saber mais sobre o assunto, você pode conferir o artigo “Pai ou mãe é quem cria!: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).

Entende-se, portanto, que, em relação à prática de uma conduta ilícita, isso vem sendo bem relativizado no Direito de Família (que é diferente da criminal), cabendo ao juiz competente analisar criteriosamente todas as circunstâncias que envolvem cada caso.

Por exemplo, para Rolf MADALENO, o intuito de se dedicar como pai e mãe, dando afeto aos filhos “constrói a paternidade ou maternidade socioafetiva e retira por sua intenção altruísta a conotação pejorativa e ilícita, porque trata dos pais do coração”1.

Assim, tem-se que, dependendo do caso, embora a adoção à brasileira seja um comportamento criminoso, fato é que, existindo o vínculo socioafetivo, o registro irregular, assim como a adoção, torna-se irrevogável, ou seja, não pode ser facilmente desfeito, por conta do superior interesse das crianças e dos adolescentes.

Estabelecido o registro, “será possível vislumbrar uma relação jurídica paterno filial decorrente do vínculo socioafetivo, não se recomendando, às vezes, a sua extinção, sob pena de comprometimento da própria integridade física e psíquica do reconhecido”2.

Muitas vezes, o que acontece é que o registro é efetuado sem que se tenha noção de suas consequências e, por conta disso, aquele pai – por exemplo – que realizou o registro, tenta posteriormente negar aquela paternidade, alegando a ausência de ligação biológica (“Registrei uma criança que não é meu filho biológico, e agora?” – clique aqui).

Geralmente, esses pedidos de desconstituição da paternidade aparecem depois do término da relação afetiva com a mãe daquele filho que foi reconhecido indevidamente.

Nesses casos, o entendimento predominante é o de que, apesar de o registro ter sido realizado de forma irregular, estando presente a paternidade socioafetiva, ele será mantido e quem registrou será considerado pai para todos os fins (especialmente se o pai biológico também não é presente).

Assim, embora a “adoção à brasileira” não possa ser considerada tecnicamente uma adoção, ela poderá ter seus efeitos jurídicos protegidos (direitos e deveres decorrentes da relação de filiação), até porque não faria sentido permitir um tratamento diferenciado, aceitando-se eventualmente o arrependimento de quem praticou o ato de forma irregular com consciência de que o estava praticando de forma equivocada.

Situações como as que citamos acima são mais comuns do que você pode imaginar. Certo é que, como sempre falamos em nossos artigos, cada caso deverá ser analisado levando em conta as suas particularidades. Cada pessoa tem uma história de vida, e isso conta muito na hora da análise do caso concreto.

E aí!? Você conhece algum caso de “adoção à brasileira”?

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Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª Ed. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2011.

2 FARIAS, Christiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.

Procuração: o que é e para que serve?

Você sabe o que é procuração? Geralmente quando as pessoas precisam entrar com algum processo judicial, uma das primeiras coisas com a qual se deparam quando conversam com um advogado é a necessidade de “assinar uma procuração”.

Mas afinal, o que é isso?

Para que o advogado possa representar o seu cliente no processo judicial, é necessário que a ele sejam concedidos poderes para atuar em seu nome. Ou seja, a procuração – no âmbito jurídico – é uma autorização que o cliente dá ao seu advogado para que ele possa praticar todos os atos necessários dentro do processo. É somente com a procuração assinada pelo cliente que o advogado pode iniciar e dar continuidade ao processo.

A procuração é, portanto, um documento formal e legal, que pode ser realizada por instrumento público (em cartório) ou particular. Nesse último caso (particular), a assinatura de quem confere os poderes (o cliente, no caso dos processos judiciais) é essencial, sendo em alguns casos necessário também o reconhecimento de firma.

Geralmente, nos processos judiciais, as procurações são “ad judicia”, ou seja, elas concedem poderes gerais para o advogado agir no processo (como apresentar contestação, comparecer em audiência, arrolar testemunhas, apresentar documentos, etc.).

Porém, para que o advogado possa praticar alguns atos específicos, é preciso que na procuração também constem poderes especiais. Estes atos estão enumerados no artigo 1051 do Novo Código de Processo Civil, quais sejam:

receber citação

confessar

reconhecer a procedência do pedido,

transigir

desistir

renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação

receber e dar quitação

firmar compromisso

assinar declaração de hipossuficiência econômica.

Vale lembrar que, por serem poderes específicos, não é necessário que todos eles constem da procuração, podem ser colocados apenas alguns deles (por exemplo – para receber citação). Neste caso, o ideal é conversar com o seu advogado para determinar exatamente o que será necessário ser praticado no processo, além dos poderes gerais acima mencionados.

Para que seja válida, a procuração deve conter o nome do advogado, o número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o endereço completo. Caso o advogado faça parte de uma sociedade de advogados, a procuração também deve conter o nome da sociedade, o número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e o endereço completo. Além disso, é necessário conter todos os dados do outorgante (no caso, do cliente).

Em regra, a procuração outorgada ao advogado é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença (execução). Somente não será assim se houver menção expressa na procuração de que ela só é eficaz para determinadas fases (por exemplo, deve estar expresso na procuração que ela só será eficaz até a sentença do Juiz de primeiro grau ou que somente serve para aquela ação).

E ai? Entendeu qual seria o conceito e a importância de uma “procuração” para o meio jurídico? Se você tiver dúvidas sobre outros termos, verifique os artigos “10 termos jurídicos para entender melhor seu processo!” ou “11 termos jurídicos para entender melhor seu processo!”. Caso não encontre o termo que procura lá, escreva para a gente com sua pergunta! Pode ser por e-mail ou em nossas redes sociais!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1Art. 105/CPC. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

O que é “coisa julgada”? E como ela se aplica no Direito de Família?

Quem tem um ou mais processos na Justiça, provavelmente já ouviu a expressão “coisa julgada”, mas pode não entender muito bem o que isso significa, principalmente se não tiver formação em Direito.

No texto de hoje, vamos explicar o que é a tal da “coisa julgada” e como ela é aplicada no Direito de Família.

Já falamos em alguns artigos que o Juiz (ou juíza), depois de analisar todos os fatos e provas dos processos, proferirá uma sentença, decidindo sobre o assunto que está em discussão. A parte insatisfeita com esta decisão do Juiz/a, pode tentar modificá-la, no prazo determinado pela Lei, por meio da interposição do que chamamos no Direito de “recurso”. Em regra, é somente por meio dos recursos que se pode alterar uma sentença.

Porém, quando não existir mais a oportunidade de interpor nenhum recurso (seja porque passou o prazo, ou porque já foram interpostos todos os recursos possíveis), a sentença se torna imutável, ou seja, ela não pode mais ser alterada. E a isso se dá o nome de “coisa julgada”. Portanto, podemos dizer que coisa julgada é uma característica da sentença que não pode mais ser alterada e, que existe para dar segurança às relações jurídicas e aos processos judiciais.

No ramo do Direito, é muito comum ouvirmos a expressão “a sentença fez coisa julgada”. E agora você já sabe o que isso significa: essa decisão não pode mais ser alterada, é válida e precisa ser cumprida rigorosamente.

Isso significa que, em tese, não pode ser aberto um novo processo para discutir algo que já tem uma decisão a respeito. Tanto que, normalmente, quando isso acontece, nem é dado prosseguimento ao processo, pois o Juiz/a irá verificará logo de início que já existe coisa julgada sobre aquele assunto e que este novo processo deverá ser extinto sem nem mesmo discutir a questão apresentada.

Acontece que, no Direito de Família, por tratar de questões dinâmicas, que dizem respeito à vida particular das pessoas, as circunstâncias podem mudar e, consequentemente, uma decisão tomada em um processo pelo Juiz/a pode não ter mais efetividade na prática. Por isso, dizemos que em muitos processos do Direito de Família a coisa julgada é relativa, sendo aceitável que se ingresse com uma nova demanda judicial para discutir novamente uma questão que havia sido resolvida anteriormente.

Veja o exemplo:

Maria entrou com um processo contra João, pedindo o divórcio, a partilha dos bens, a guarda do filho e o pagamento de alimentos no valor de R$ 1.000,00. Na sentença, o Juiz decretou o divórcio, especificou quem ficaria com cada bem, deixou a guarda do filho com a Maria, e determinou que o pai (João) pagasse os alimentos no valor mensal de R$ 800,00.

Nenhuma das partes recorreu (ninguém interpôs recurso) e, portanto, fez-se coisa julgada (a sentença ficou imutável e teve que ser cumprida pelas partes).

Entretanto, um ano depois, o filho foi morar com João, e desde então o pai ficou responsável por todas as despesas dele.

Houve, portanto, uma alteração na situação vivenciada por aquela família, e a parte da sentença que falava sobre a guarda e sobre a pensão alimentícia não está mais adequada à realidade vivida pelos envolvidos, de modo que deixou de fazer sentido, não possuindo mais eficácia, já que agora o filho mora com o pai, que é quem paga todas as suas despesas.

Neste exemplo, no que diz respeito ao divórcio e à partilha de bens, a sentença continuará imutável, uma vez que ninguém recorreu, ou seja, não será possível desfazer o divórcio e nem rediscutir, ainda que em uma nova ação, a forma como os bens foram divididos.

Porém, mesmo não tendo sido apresentado recurso na época em que a sentença foi proferida, poderá haver um novo julgamento, com relação à guarda e aos alimentos, já que a situação fática mudou.

Citando o caso utilizado como exemplo, João deverá procurar um advogado ou a Defensoria Pública para ingressar com um processo pedindo a alteração da guarda, para que seja atribuída a ele (que já vem exercendo de fato) e, a exoneração do pagamento dos alimentos que antes eram devidos por ele também. A sentença que será proferida nesse novo processo passará a valer, tornando a primeira sem qualquer efeito (com relação à guarda e aos alimentos).

Como podemos perceber, o Direito de Família tem maior flexibilidade, por tratar de direitos que são considerados indisponíveis e, principalmente por muitas vezes envolver a vida de crianças e adolescentes, motivo pelo qual se permite, em caráter excepcional, a relativização da coisa julgada.

As vidas das pessoas podem sofrer mudanças inesperadas, não podendo o Direito impedir a regularização de tais mudanças. Assim, é permitida, dentro do Direito de Família, a alteração de decisões proferidas anteriormente em outros processos, ainda que seja necessário o ingresso de uma outra ação, isso, é claro, desde que respeitados o bem-estar e o melhor interesse da criança e do adolescente.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

“Recebi uma citação! O que eu faço?”

Conforme já vimos no artigo “10 termos jurídicos para você compreender melhor seu processo, a citação: “é o ato pelo qual se chama determinada pessoa para integrar o processo – geralmente a ‘outra parte’ da ação, ou seja, o réu. É por meio da citação que a pessoa toma conhecimento de que existe uma ação contra ela. Por exemplo: João quer pedir pensão alimentícia para Maria. João (autor) entrará com um processo de pensão alimentícia e pedirá na petição inicial que Maria seja citada, para que ela tome conhecimento e passe a ser parte do processo como ‘ré’ ou ‘requerida’ e apresente seus contra-argumentos à inicial, se quiser.”

Portanto, não se assuste, pois receber uma citação não significa que você fez necessariamente algo de errado. Quando você recebe uma citação, o ideal é não agir por impulso, e sim manter a calma. Evite ligar para amigos, familiares, ou até mesmo para a pessoa que entrou com o processo contra você. Isso pode ser muito desgastante e te levar para o caminho errado, ou simplesmente não te levar a lugar algum, e não é isso que queremos que aconteça.

Se você recebeu uma citação, você precisa, primeiramente, fazer uma leitura com calma e verificar o que está acontecendo, além de identificar a situação. Sua primeira conduta depois da leitura deve ser a de ligar para seu advogado, procurar a Defensoria Pública (leia sobre esse órgão clicando aqui) ou as demais instituições que prestam serviços jurídicos de forma gratuita.

É importante que você leve a conhecimento desses profissionais o teor da citação, para que eles tomem as medidas necessárias, a fim de saber sobre o que se trata o processo a fim de orientá-lo da melhor maneira possível. Em hipótese alguma rasgue, jogue fora ou ignore esse “papel” que lhe foi entregue. Ele contém informações importantíssimas para que você descubra o que está acontecendo.

Quando esse documento chega em suas mãos, isso será informado no processo, portanto, dê a devida atenção, pois você terá um prazo para se manifestar nos autos, e o prazo para isso acontecer começará a contar a partir da informação na ação de que o ato da sua citação efetivamente foi realizado.

Quando seu advogado e você tiverem conhecimento sobre o assunto daquela ação, deverão preparar uma contestação.

Já explicamos em nosso outro artigo (clique aqui) que a contestação “é uma peça processual, assim como a petição inicial, mas ela deve ser vista como uma forma de responder ao que foi pedido na petição inicial. É na contestação que o réu contará a sua versão dos fatos e se defenderá das alegações do autor. Por exemplo: João apresentou uma petição inicial, na qual pede pensão alimentícia para Maria. Depois da citação de Maria (item 5), ela deverá apresentar uma contestação para dizer se concorda, ou não, com o pedido formulado inicialmente por João, além de explicar os seus motivos também, e até mesmo contradizer o que foi dito por João, expondo as suas razões. De maneira resumida, podemos dizer que é uma resposta à petição inicial.”

Portanto, caso você tenha recebido uma citação, não se desespere! Procure um advogado para maiores explicações o quanto antes, já que o seu “silêncio” no processo pode acabar lhe prejudicando. É muito importante que você dê a devida atenção a esta carta de citação que está recebendo, pois lhe está sendo garantido o direito de defesa e o ideal é que ele sempre seja exercido.

Vale dizer que, você também pode ter, eventualmente, recebido uma “intimação” (descubra a diferença entre intimação e citação clicando aqui), que se aplicaria mais aos casos em que houve a designação de audiência, por exemplo, ou outras situações.

Em qualquer circunstância, sempre que receber qualquer uma dessas “cartas”, recomendamos que procure um advogado que possa lhe orientar no sentido de tomar as medidas cabíveis!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

Utilizando registros de redes sociais como prova em um processo

Com o avanço da tecnologia, passamos a nos comunicar por diversos meios que antes não existiam, tais como mensagens de celular e também através das redes sociais.

Assim, é natural que o sujeito envolvido em algum conflito judicial queira utilizar esses registros das conversas ou de fotos, por exemplo, como meios de prova dentro de um processo.

Ocorre que, como se sabe, existem diversos aplicativos e programas que permitem a montagem e a alteração desses dados, o que torna duvidosa a veracidade dos documentos, fazendo com que uma decisão judicial baseada somente nesses registros perca sua “força”.

Diante disso, você pode se perguntar: Como utilizar corretamente os registros de redes sociais como prova dentro de um processo?

E nós respondemos: por meio da ata notarial!

A ata notarial é um instrumento público, lavrado em cartório pelo tabelião de notas, que serve para formalizar a constatação de um fato. É por meio desse documento que os “fatos” existentes nas redes sociais, nas mensagens de celular e também em outros locais serão transformados em meios de prova para serem apresentados em um processo judicial.

E como funciona o procedimento?

O notário é funcionário dotado de fé pública, o que significa dizer que tudo aquilo que ele certifica é presumido como verdadeiro, até que se prove o contrário. Assim, ele averiguará os fatos apresentados por aquele que pedir a elaboração do documento e fará o registro em seu livro. Por conta da fé pública, as informações que forem registradas passam a ter valor de prova e presumem-se verdadeiras.

O notário, para efetivar o registro daquele fato constatado, pode inclusive fazer “print screen” (ou seja, uma cópia, captura) da tela de aparelho eletrônico, bem como reproduzir textos, figuras e vídeos. Assim, se eventualmente aquela prova desaparecer com o tempo ou se for excluída do ambiente virtual, por exemplo, ela terá sido registrada no livro do tabelião, podendo ser utilizada a qualquer tempo.

Importante dizer que o notário “apenas narrará o fato, ele não poderá emitir juízo de valor ou modificar a situação fática”1, ou seja, a ata notarial serve tão somente para que se registre o que aconteceu de fato, sem qualquer análise sobre o fato em si.

Você pode estar se perguntando qual seria a diferença entre a ata notarial e a escritura pública, já que ambos são documentos públicos. Então, vamos às diferenças:

ATA NOTARIAL:

– não há manifestação de vontade

– narração de fatos

– se aquele que requereu o documento recusar-se a assiná-lo, “o tabelião poderá consignar tal ato e mesmo assim, a ata estará perfeita, válida e eficaz”, já que apenas constata uma situação

ESCRITURA PÚBLICA:

– há manifestação de vontade

– constituição de direitos

– se aquele que requereu o documento recusar-se a assiná-lo, ele será considerado incompleto, inválido e ineficaz, vez que trata de direitos

Um exemplo de escritura pública é aquela realizada por pessoas que vivem em união estável e pretendem ver declarada sua união. A escritura declara a vontade dos companheiros e a existência de uma união. Em decorrência disso, constituem-se os direitos advindos daquele relacionamento. A ata notarial, por sua vez, não possui a mesma função.

Dentro do Direito de Família, existem diversas formas de aplicação da ata notarial, a exemplo: “na constatação de cartas, fotografias, escritos, imóveis, residências, automóveis” 2 . Apesar disso, ela é mais utilizada para a constatação de fatos acontecidos no espaço da internet.

Veremos a seguir, alguns exemplos comuns de utilização da ata notarial no Direito de Família:

CONVERSAS VIA E-MAIL OU WHATSAPP: Se você quiser juntar ao processo “prints” de mensagens trocadas por e-mail ou Whatsapp, o ideal é que você leve seu aparelho até um tabelião (cartório) para que ele abra o e-mail/aplicativo e transcreva as mensagens ali constantes. Nesse momento, o tabelião explicará na ata notarial o procedimento que está sendo realizado para acessar as mensagens, informando, além do conteúdo, o remetente e destinatário, ou o número de telefone.

 FOTOS DE REDES SOCIAIS: Juntar fotos obtidas nas redes sociais é algo extremamente comum nos processos que envolvem discussões familiares. Se eventualmente em uma ação de pensão alimentícia , por exemplo, a pessoa está dizendo que tem condições financeiras precárias, mas você quer mostrar pelas imagens que ela aparenta levar uma vida que não condiz com o que fala (ex.: fotos de viagens pelo mundo, usando carros importados, etc.) encaminhe-se ao tabelião (cartório) e solicite que seja feito o mesmo procedimento realizado com as mensagens trocadas via Whatsapp, conforme explicamos acima.

Ressalte-se que os exemplos citados acima não abrangem todas as hipóteses de utilização da ata notarial para constituição de provas dentro de um processo, vez que existem outras possibilidades. No entanto, considerando o crescente uso da tecnologia para comunicação, acreditamos ser importante esclarecer principalmente sobre esses registros. 

É certo que a utilização das atas notariais no Direito de Família sempre deverá ser feita com cuidado, porque envolve situações muito delicadas e de caráter íntimo. Assim, a exposição – e o registro dos fatos – deve ser feita somente depois de ponderação, com a devida responsabilidade que se espera dos operadores do Direito e dos notários, devendo ser analisados os prós e os contras de se realizar uma ata, com a avaliação das possíveis consequências.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

Flávia Kirilos Beckert Cabral


1 AGAPITO, Priscila. Atas Notariais no Direito de Família . In: Grandes Temas de Direito de Família e das Sucessões. Coordenadores: SILVA, Regina Beatriz Tavares da. CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Editora Saraiva. São Paulo, 2014.

2 AGAPITO, Priscila. Atas Notariais no Direito de Família. In: Grandes Temas de Direito de Família e das Sucessões. Coordenadores: SILVA, Regina Beatriz Tavares da. CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Editora Saraiva. São Paulo, 2014

Direito de Família e Psicologia: O luto e o inventário

Foto de Irina Anastasiu

 Quando uma pessoa falece e deixa bens, é necessário verificar quem tem o direito de ficar com este patrimônio deixado pelo de cujus (falecido). A forma de regularizar esta situação acontece por meio do procedimento do inventário e partilha que visa formalizar a transmissão dos bens do falecido para os seus sucessores (herdeiros).

No entanto, passar por esse processo de inventário pode vir a ser doloroso para muitas pessoas, tendo em vista que o prazo é relativamente curto entre digerir tudo o que acontece em nossas vidas quando perdemos um ente querido e abrir o processo de inventário.

Como prezamos muito pela união do Direito de Família à Psicologia, convidamos as psicólogas Mariana Bayer e Paula Leverone, sócias-fundadoras do Instituto Trilhar, cuja missão é promover acesso a ampliação dos conhecimentos e cuidados relativos ao processo de luto, para falar um pouquinho mais sobre o assunto, e partilhar com todos vocês um pouco do trabalho delas.

O luto e o inventário

Mariana Bayer (CRP 08/19103)

Paula Leverone (CRP 08/18775)

A perda de um ente querido traz o luto, um processo natural e psiquicamente trabalhoso. É um período difícil, porém indispensável para a reorganização emocional do indivíduo.

Os impactos desse rompimento de vínculo interferem em diversas áreas da vida, como: social, familiar, escolar, profissional, sexual, entre outras, fazendo com que o enlutado lide com novas sensações, emoções, lembranças e comportamentos. Tarefas que não faziam parte da rotina do indivíduo passam a existir e o inventário é uma delas.

O inventário consiste em verificar quem tem o direito de ficar com os bens da pessoa que faleceu. A família tem aproximadamente 60 dias após o falecimento de seu ente para fazer a abertura do inventário. O tempo é considerado curto e muitas vezes exaustivo para os enlutados que precisam lidar com toda a burocracia, prazos, preocupações e busca por documentos, em paralelo a dor do luto.

O processo do inventário pode ser ainda mais penoso quando ocorre o falecimento de um dos herdeiros neste período, quando há descoberta de novos herdeiros, ou novos bens, dívidas do falecido e/ou a necessidade de sacar saldos em poupanças, PIS, FGTS e etc.

Isso, frequentemente, exige uma comunicação entre familiares, o que por um lado pode proporcionar um contato importante com a dor da perda e a possibilidade de falar sobre ela, mas por outro, pode haver conflitos diante de interesses distintos. Para tais decisões é necessário levar em conta que as mudanças na rotina, ocasionadas pela perda de um ente querido já são, geralmente, drásticas e difíceis, por isso qualquer decisão importante a ser tomada neste processo merece cautela.

Na prática do atendimento psicológico com pessoas enlutadas, lidamos com todas essas questões emocionais relacionadas ao inventário. Nos deparamos comumente com pacientes muito fragilizados quando começam a buscar os documentos exigidos para o inventário, como a certidão de óbito, de casamento, matrícula de imóveis, e quando existe, um testamento.

Também é comum ouvirmos reclamações sobre a quantidade de documentos exigidos e as surpresas em caso de dívidas deixadas pelo falecido, que muitas vezes acabam por comprometer a qualidade de vida da família.

É comum encontrarmos falas como a da seguinte mãe, que perdeu um de seus filhos: “Eu pedi pro meu outro filho fazer. Fiz uma procuração e ele me representou. Mas foi muito sofrido mesmo assim, principalmente quando há muitas desavenças. Inventário é coisa complicada”.

Outra mãe enlutada afirma: “O inventário é muito dolorido de fazer, é uma revolta muito grande saber que seu filho conseguiu tudo com o esforço dele e não usufruiu de nada. Depois você tem que dividir com as pessoas que não ajudaram em nada, e sem dizer que acham que seu filho virou um objeto e não se importam com o seu sentimento de pai ou mãe. Isso não se resolve de um dia para o outro, já faz dois anos e quatro meses que estou mexendo com o inventário e até agora não saiu nada. Sempre tem alguma coisa que o juiz acha de errado e você tem que remexer em todos aqueles documentos de novo e reviver tudo aquilo de novo, aquela dor (…) A vontade é de abandonar tudo e não mexer com nada!”.

Além da cautela nas decisões tomadas neste momento, orientamos que o enlutado respeite seus limites e sentimentos, recorrendo a sua rede de apoio, familiares e amigos, e se necessário busque ajuda de profissionais especializados.

Assim como a morte de um ente querido, o inventário não é algo desejado, mas, da mesma forma que na lei da vida existe a perda, na lei dos homens existe o inventário e o enfrentamento desses dois processos que se entrelaçam se faz necessário para todos.

Advogado(a): precisa elaborar um pedido de abertura de inventário? Confira os modelos de petição disponíveis na loja do Direito Familiar (clique aqui)!


Informações para contato:Av. Visconde de Guarapuava, n°2764, Cj. 1412
CEP: 80.010-100 – Curitiba/PR
(41) 3011-4848
www.institutotrilhar.com.br

O que é o inventário e para que serve?

Quando uma pessoa falece e deixa bens, é necessário verificar quem tem o direito de ficar com este patrimônio deixado pelo de cujus (falecido). A forma de regularizar esta situação acontece através do procedimento do inventário e partilha que visa formalizar a transmissão dos bens do falecido para os seus sucessores (herdeiros).

O Direito das Sucessões é o ramo do Direito formado pelo conjunto de normas que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que faleceu aos seus sucessores. O termo “patrimônio” não abrange somente bens, ele abarca também alguns direitos e algumas obrigações (com exceção daquelas que somente poderiam ser prestadas pelo próprio falecido, quando em vida).

Euclides de OLIVEIRA e Sebastião AMORIM explicam que a sucessão “tem o sentido de substituição de pessoas ou de coisas” e, assim, quando uma pessoa falece deixando bens, “opera-se a sucessão, pela transmissão da herança ao herdeiro”¹.

A transmissão sucessória é formalizada pelo processo de INVENTÁRIO, sendo esse, portanto, o procedimento por meio do qual “os bens, direitos e dívidas deixados pelo de cujus são levantados, conferidos e avaliados de modo a que possam ser partilhados pelos sucessores”² .

Até o fim do processo de inventário, o conjunto de bens que forma a herança é indivisível, ou seja, há necessidade, por exemplo, de autorização judicial para a venda de bens que façam parte dele.

O prazo previsto em lei para a abertura do inventário é de 60 dias a contar da abertura da sucessão (momento do falecimento). Apesar disso, os herdeiros costumam demorar para pedir a abertura do procedimento de inventário, até mesmo por razões emocionais. Assim, importante dizer que não há sanção específica para o descumprimento do prazo, mas uma das consequências pode ser a imposição de multa de caráter tributário.

A abertura do inventário deve acontecer no último local de domicílio do falecido. Caso ele residisse fora do país, o inventário deve tramitar no último domicílio que ele teve no Brasil. Afora isso, na hipótese de o falecido não ter um domicílio definido, abre-se o inventário no local onde ele tinha seus imóveis.

Importante esclarecer que o inventário não é um processo exclusivamente judicial, sendo admitida sua realização pela via administrativa, ou seja, diretamente em cartório, desde que preenchidos alguns requisitos, como veremos a seguir.

MODALIDADES DE INVENTÁRIO:

  • Judicial

O pedido de abertura do inventário judicial pode ser formulado por qualquer um que demonstre seu legítimo interesse na instauração do processo. Se ninguém pedir a abertura do procedimento, ele poderá ser iniciado também pelo Ministério Público, pela Fazenda Pública, pelo próprio Juízo ou pelos credores (aqueles que deixaram de receber valores devidos pelo falecido ou pelos herdeiros).

Alguns dos documentos essenciais para a abertura do inventário são os seguintes:

– procuração
– certidão de óbito do falecido
– testamento (se houver) ou certidão comprobatória de inexistência do testamento
– certidão de casamento ou prova da união estável
– documentos pessoais dos herdeiros
– escrituras dos bens imóveis
– comprovação de propriedade de outros bens a inventariar
– certidões negativas de débitos fiscais

A apresentação dos documentos mencionados é essencial para que se possa aferir os dados corretamente, evitando erros na partilha e questionamentos por terceiros. Será nomeado um inventariante, o qual assinará um termo de compromisso, ficando responsável por dar andamento ao feito e por cuidar do espólio (conjunto de bens, direitos e obrigações) até o fim do trâmite processual. Se não o fizer com o devido zelo, o inventariante poderá ser removido pelo Juízo.

Há possibilidade de ingressar judicialmente com o pedido de inventário por arrolamento. Nesses casos, o Juízo somente homologará a proposta de partilha apresentada pelos herdeiros, sem maiores discussões. É um processo judicial menos formal. Os documentos, porém, devem ser apresentados da mesma maneira.

  • Extrajudicial

O inventário extrajudicial, por escritura pública, pode ser realizado desde que³:

a) não haja menores de idade ou incapazes na sucessão;
b) haja concordância entre todos os herdeiros;
c) o falecido não tenha deixado testamento;*
d) sejam partilhados todos os bens (vedando-se a partilha parcial);
e) se tenha a presença de um advogado comum a todos os interessados;
f) estejam quitados todos os tributos;
g) o Brasil tenha sido o último domicílio do falecido.

Além dos documentos essenciais ao inventário judicial, também é preciso que se apresente a minuta do esboço do inventário e da partilha para o procedimento extrajudicial. A indicação de inventariante é obrigatória, nos termos do artigo 11 da Resolução nº. 35 do CNJ, e o tabelião do Cartório lavrará a escritura pública, fazendo menção aos poderes decorrentes da inventariança para transferência de propriedade (vender, comprar, receber, ceder, levantar dinheiro, etc.).

Por fim, importante mencionar que o inventário é um procedimento obrigatório, ainda que o falecido não tenha deixado patrimônio. Nesses casos, ocorre o que se costumou chamar de “inventário negativo”, sendo necessário que alguém abra o procedimento para demonstrar a ausência de bens, direitos e deveres.

As questões chamadas de “alta indagação”, quais sejam, aquelas que possuem relação com o inventário, podem ser remetidas pelo juiz para as vias autônomas. A exemplo, tem-se as investigações de paternidade, que podem definir se uma pessoa será ou não herdeira do falecido. Nessas situações, pode-se reservar certa quantia do patrimônio que seria destinada ao possível herdeiro para que, sendo ele declarado filho em uma demanda própria de investigação de paternidade, tenha seu direito à herança resguardado.

*Em recente decisão, o STJ proferiu decisão autorizando a realização de inventário extrajudicial quando existir testamento, desde que preenchidos os demais requisitos. Na prática tem acontecido da seguinte maneira: quando os interessados entram com a ação para registrar o testamento, já devem pedir a autorização para realizar o inventário extrajudicial; se os demais requisitos forem preenchidos, os juízes têm manifestado concordância quanto ao pedido.

Advogado(a): precisa elaborar um pedido de abertura de inventário? Confira o modelo de inventário por arrolamento na loja do Direito Familiar (clique aqui).

Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho

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1OLIVEIRA, Euclides de e AMORIM, Sebastião. Inventários e Partilhas. 23a Edição. Editora Universidade de Direito. São Paulo, 2013.
2LÔBO, Paulo. Direito Civil: Sucessões. Editora Saraiva. São Paulo, 2013.
3 CASSETTARI, Christiano. Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública . 6a Edição. Editora Método. São Paulo, 2013.

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