O que são uniões paralelas?

Você sabe o que são uniões paralelas? Talvez você já tenha visto em filmes, novelas, ou até mesmo conheça alguém que vive sob estas circunstâncias. Mas, como o Direito entende essas situações? Esse é o tema deste artigo!

Sabe-se que a família passou por diversas transformações ao longo dos anos e a legislação precisou se adaptar às mudanças para atender aos anseios da sociedade. Em um primeiro momento, as disposições da legislação buscavam assegurar a indissolubilidade do vínculo criado com o matrimônio, enquanto as relações fora do casamento não recebiam proteção do Direito de Família.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, reconheceram-se as mais diversas formas de família e, pode-se dizer que a família adquiriu um caráter muito menos patrimonial, passando a ser reconhecida como a constituída pelo afeto e pela liberdade de cada indivíduo – não apenas pelo casamento.

Além disso, a atual Constituição Federal não determina qualquer tipo específico de família a ser protegido, o que faz presumir que podem ser atribuídas consequências jurídicas a quaisquer tipos de família, desde que os integrantes do núcleo familiar se reconheçam como tal.

Dentro desse contexto de transformação social e de reconhecimento das mais diversas formas de entidades familiares, observa-se que a legislação novamente “tem se mostrado incapaz de acompanhar a evolução, a velocidade e a complexidade dos mais diversos modelos de núcleos familiares que se apresentam como verdadeiras entidades familiares”1. Um exemplo disso seriam as uniões paralelas.

As uniões paralelas são aquelas que acontecem simultaneamente. A “simultaneidade familiar diz respeito à circunstância de alguém se colocar concomitantemente como componente de duas ou mais entidades familiares diversas entre si”2. Ou seja, é a situação em que uma mesma pessoa possui duas uniões ao mesmo tempo, mas uma teve início antes da outra.

Apesar de a Constituição Federal não deixar as diversas formas de família existentes atualmente desamparadas juridicamente, as uniões paralelas, para muitos, não poderiam ser reconhecidas.

No entanto, de acordo com Giselda HIRONAKA, embora ainda seja lenta a evolução no sentido de reconhecer as uniões paralelas, “aqui e ali, já se apresentam decisões que, corajosamente, têm chancelado a possibilidade de reconhecimento”3.

É certo que o avanço nesse sentido não tem sido rápido e, apesar de já se ter admitido a possibilidade das uniões paralelas4, ainda existem diversos posicionamentos no que diz respeito às consequências jurídicas do reconhecimento dessas entidades familiares para os envolvidos.

São três principais correntes:

1. As uniões paralelas não podem ser reconhecidas: se uma pessoa é casada ou vive em união estável e mantém outro relacionamento paralelo, mesmo que tal relação seja duradoura e dela advenham filhos, não há a possibilidade de reconhecer o relacionamento como uma entidade familiar.

Se da relação resultou a aquisição de patrimônio por esforço comum, tal situação será regulada pelo direito civil (e não familiar). O princípio da monogamia (que veda mais de uma união) deve prevalecer.

Em setembro de 2022, o STJ entendeu que não é possível o reconhecimento de união estável paralela ao casamento, mesmo que iniciada antes do matrimônio. Segundo constou,  a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes impede o reconhecimento de novo vínculo, em virtude da consagração da monogamia pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ainda assim, reconheceu-se a união como uma “sociedade de fato”, sendo possível a partilha dos bens adquiridos, desde que comprovado esforço comum na construção patrimonial. 

2. Possibilidade de reconhecimento da união estável de quem estiver de boa-: o reconhecimento das uniões paralelas deve considerar a existência de união estável somente quando um dos membros da família é impedido de iniciar outro relacionamento (por já estar em uma relação anterior) e o outro, apesar disso, acredita que não há impedimento.

Assim, para aquele que estiver de boa-fé dentro da relação, ela será reconhecida e produzirá efeitos. Isso porque se pretende, por exemplo, evitar o enriquecimento indevido daquele que foi infiel. O princípio da monogamia, portanto, é relativizado.

3. Todas as uniões poderiam ser reconhecidas: o conhecimento sobre uma união anterior “não pode ter o condão de tornar juridicamente irrelevante a existência de família constituída em concomitância com a originária”5. Para os adeptos deste pensamento, a monogamia deve ser considerada somente uma regra moral, mas não um princípio no qual se baseia o Direito.

Mais do que a monogamia, valorizam-se a autonomia, a liberdade de escolha e a intimidade dos indivíduos no momento da constituição de sua família.

Assim, diante de entidades familiares paralelas, merecedoras da chancela jurídica, o estado precisaria assumir o encargo de proteger o livre desenvolvimento da personalidade e os planos de vida dos cidadãos.

Importante dizer que, não se trata de criticar a orientação da monogamia. Afinal, cada um pode escolher viver e se relacionar da forma que bem entender. Trata-se, porém, de respeitar e conferir proteção estatal àqueles que escolhem uma diferente configuração familiar.

Agora, fica a pergunta para nossos leitores: com qual corrente vocês concordam? Escrevam para a gente contando!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1HIRONAKA, Giselda. Famílias paralelas. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67983/70840. Acesso em 07/2017.
2PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias simultâneas e monogamia. Disponível em:http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/9.pdf. Acesso em: 07/2017.
3 HIRONAKA, Giselda. Famílias paralelas. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67983/70840. Acesso em 07/2017.
4 SILVA, Marcos Alves da. Da Monogamia: a sua superação como princípio estruturante do Direito de Família. Editora Juruá. Curitiba, 2013. “No Direito Civil brasileiro contemporâneo já existem significativas manifestações que apontam na direção da superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família. O tema da simultaneidade de famílias foi suscitado só recentemente. Ele não tinha lugar na pauta das reflexões daqueles que se debruçavam sobre o Direito de Família. Antes da Constituição de 1988, só era tangenciado, quando se tratava do concubinato adulterino. O novo enfoque constitucional dado à família ou às famílias, termo ultimamente preferido por alguns doutrinadores, abriu espaço ao debate. O fato que estava posto à margem do âmbito jurídico foi trazido para o centro de acaloradas discussões e alcançou dignidade de tratamento reflexivo e não mais apenas a pecha irrefletida”.

5SILVA, Marcos Alves da. Da Monogamia: a sua superação como princípio estruturante do Direito de Família. Editora Juruá. Curitiba, 2013.

Primeira Infância: o que é isso?

Primeira Infância

Se você costuma acompanhar jornais e revistas, é provável que já tenha lido alguma notícia sobre o “marco legal da primeira infância”.

Trata-se de uma lei relativamente nova (nº 13.257/2016), que prevê uma série de políticas públicas para garantir mais direitos aos pais e às mães de crianças com até seis anos de idade, visando o desenvolvimento saudável dos pequenos.

Essas políticas interferem no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Consolidação das Leis do Trabalho e até mesmo do Código de Processo Penal.

Para começar a tratar do assunto, precisamos dizer que a “primeira infância” é o período compreendido entre a concepção do bebê e os seus seis anos de idade. É durante esse tempo que o cérebro humano desenvolve a maioria das ligações entre os neurônios, que a criança adquire os movimentos e desenvolve as capacidades de aprendizado, bem como de interação social e afetiva.

Por isso, a primeira infância é uma fase muito importante para o crescimento da criança e, quanto melhores forem as circunstâncias em que ela está vivendo durante este período, maiores serão as probabilidades de que ela se torne um adulto mais equilibrado, produtivo e realizado. O objetivo da lei, portanto, é de incluir um suporte maior para essas crianças, a fim de que tenham uma vida bem-sucedida, com relações sociais fortalecidas, para que possam contribuir de maneira positiva para a sociedade quando adultas.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, a renda mensal per capita média dos brasileiros atingiu cerca de R$1.113,00 no ano de 2015. No entanto, a estimativa é a de que um grande número de famílias brasileiras com crianças de zero a seis anos ainda viva com rendimento mensal de menos de um salário-mínimo. Isso acaba por gerar altas taxas de mortalidade, desnutrição infantil, falta de registro civil, violência doméstica, ou seja, condições adversas ao pleno desenvolvimento infantil. A lei mencionada acima busca a implementação de políticas que evitem o aumento desses números de condutas negativas.

Agora, o que a lei prevê especificamente? Vamos falar sobre algumas das mudanças em seguida! Acompanhe:

1. AMPLIAÇÃO DA LICENÇA PATERNIDADE: de cinco para 20 dias no caso de funcionários de empresas que fazem parte da Empresa Cidadã, um programa federal (art. 38), além de dois dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período da gravidez e um dia por ano para acompanhar o filho de até seis anos em consulta médica (art. 37 – alterando o artigo 473 da CLT). A ampliação é garantida também para aqueles que obtiverem a guarda judicial para posterior adoção de filhos.

2. ORIENTAÇÃO ÀS GESTANTES E FAMÍLIAS: as gestantes e famílias com crianças na primeira infância deverão receber orientação sobre maternidade e paternidade responsáveis, aleitamento materno, alimentação complementar saudável, prevenção de acidentes e educação sem castigos físicos (art. 14, §3o), inclusive com programas de visita domiciliar de profissionais qualificados. Isso inclui, também, aquelas mães que posteriormente pretendam entregar o filho à adoção.

3. QUALIFICAÇÃO DE PROFISSIONAIS: os profissionais que atuam nos diferentes ambientes de execução das políticas e programas destinados à criança na primeira infância terão acesso garantido e prioritário à qualificação, sob a forma de especialização e atualização, em programas que contemplem a especificidade da primeira infância (art. 10). Além disso, receberão formação específica para a detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico da criança.

4. REGISTROS: a lei determina a obrigatoriedade da União em manter registros com os dados do crescimento e desenvolvimento das crianças. Além disso, a União deverá informar à sociedade quanto gastou em programas e serviços para a primeira infância. A mesma obrigação terão os estados e municípios.

5. FORNECIMENTO GRATUITO: cabe ao Poder Público fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas (art. 21).

7. FAMÍLIA ACOLHEDORA: a União apoiará a implementação de serviços de acolhimento em família acolhedora como política pública, os quais deverão dispor de equipe que organize o acolhimento temporário de crianças e de adolescentes em residências de famílias selecionadas, capacitadas e acompanhadas que não estejam no cadastro de adoção (art. 28). Sobre famílias acolhedoras, especificamente, falaremos em um próximo artigo.

8. SAÚDE: os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive as unidades neonatais e de terapia intensiva, deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação (art. 22).

Ressalte-se que, o desenvolvimento de cada criança é particular e não ocorre de forma linear, podendo apresentar avanços e retrocessos, e isso é uma circunstância que precisa ficar clara. Ainda assim, é importante que todas as crianças recebam o suporte essencial ao seu crescimento sadio, independentemente do ambiente em que vivem e das condições financeiras de sua família.

É certo que a proteção integral à criança já era prevista de forma geral na Constituição Federal, em seu artigo 227, o qual dispõe que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança (…) o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

No entanto, devemos reconhecer as boas intenções do Marco da Primeira Infância, na medida em que é uma lei mais específica, que chama atenção da sociedade e da população para as necessidades das crianças, a fim de que se forneça uma estrutura mais completa e uma efetiva rede de proteção àqueles que estão na fase de desenvolvimento que pode ser uma das mais importantes de suas vidas.

 Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho


http://www.fmcsv.org.br/pt-br/Paginas/primeira-infancia.aspx 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm
http://www.ibge.gov.br/home/default.php
http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-02/ibge-renda-capita-media-do-brasileiro-atinge-r-1113-em-2015
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