Registrei uma criança que não é meu filho biológico: o que fazer?

Qual seria a solução para as situações em que uma pessoa registra um filho em seu nome e, posteriormente, vem a descobrir que não há ligação genética/ biológica?

Um dos caminhos seria pedir judicialmente a desconstituição da paternidade, porém, esses casos tendem a ser complexos e não são fáceis de se resolver, até por conta do interesse da criança ou adolescente e da paternidade socioafetiva que pode ter se estabelecido. Por isso, resolvemos escrever o presente artigo sobre o tema!

A família é considerada pela Constituição Federal como a base da sociedade, e por esse motivo, tem especial proteção do Estado.

Para tentar dar estabilidade às famílias, a lei criou um sistema de reconhecimento dos filhos por meio da presunção. Mas o que isso quer dizer?

Significa que, de acordo com a lei, quando um homem e uma mulher são casados, supõe-se que o marido é sempre o pai da criança gerada durante o casamento, ou seja, “independentemente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é sempre certa, e o marido da mãe é o pai de seus filhos”1.

Nesse caso, para registrar o filho, o pai não precisa necessariamente estar presente, basta que a mãe apresente a certidão de casamento (comprovando que o filho nasceu durante o matrimônio), e será colocado o nome do marido como pai da criança. Essa é uma das situações nas quais pode acontecer o “equívoco” no registro.

Quando as pessoas não são casadas, essa presunção obviamente não existe (mesmo nos casos de união estável) e a presença no Cartório daquele que diz ser o pai é obrigatória, já que o registro, nesses casos, deve ser voluntário, livre e espontâneo, não sendo necessária a comprovação de qualquer vínculo biológico.

Não são raros os casos em que as crianças são registradas durante o casamento pelo então presumido pai e, posteriormente descobre-se que não é o pai biológico (vários podem ser os motivos, ex.: casos extraconjugais). Ou, pode acontecer de o suposto pai, mesmo que não seja casado com a mãe da criança, registrar o filho em seu nome, porque mantinha um relacionamento com a genitora e acreditava ser o pai biológico, vindo a saber, mais tarde, que não o é.

Para resolver esses casos existem duas medidas judiciais cabíveis: a ação negatória de paternidade e a de anulação de registro civil, ambas visando a desconstituição da paternidade.

a) Quem pode propor as ações de desconstituição de paternidade?

A negatória de paternidade deverá ser proposta por aquele que registrou o filho durante o período do casamento – pelo então “marido”. Já o pedido de anulação do registro civil, em tese, deverá ser feito por aquele que registrou o filho por livre e espontânea vontade, sem que a lei presumisse que ele é o pai.

Quando se tratar do então “marido” propondo a ação para desconstituir a paternidade, ele deverá alegar que tem dúvidas se de fato é o pai biológico do filho que foi registrado com seu nome e solicitar a realização de exame de DNA.

Comprovado por exame de DNA que o então “marido” não é realmente o pai, o seu nome poderá – se excluída a possibilidade de filiação socioafetiva, ser retirado da certidão de nascimento.

Para saber mais sobre filiação socioafetiva, confira o artigo “’Pai ou mãe é quem cria’: entenda como o Direito entende isso” (clique aqui).

Entretanto, o mesmo não acontece quando aquele que registrou a criança não era casado com a mãe e simplesmente o fez de livre e espontânea vontade. Para retirar seu nome da certidão de nascimento e desconstituir esta paternidade, este pai precisará comprovar que foi induzido a erro, ou que houve um vício de consentimento, além de comprovar a ausência de vínculo biológico por meio do exame de DNA.

Isso significa que ele precisará demonstrar, de forma convincente, que realmente acreditava ser o pai biológico da criança quando a registrou, mas que foi enganado sobre os fatos.

Por erro ou vício de consentimento, deve-se compreender a falsa percepção da realidade, situação em que a vontade declarada, embasada num conhecimento errado da realidade, não seria assim expressada se aquele que registrou a criança tivesse o total conhecimento da realidade.

Importante esclarecer, ainda, que o exame de DNA negativo, por si só, não serve para retirar a paternidade. Isso porque, o ato de comparecer ao cartório e registrar uma criança é irrevogável, não sendo admitido o simples arrependimento, o que poderia gerar um tumulto nos cartórios de registros, com milhares de registros sendo feitos e refeitos a todo instante.

O registro de um filho é algo muito sério e produz muitos efeitos no mundo jurídico, não sendo aceitável, portanto, a abordagem deste assunto de maneira simplória, banal.

Cabe ressaltar, também, que a negatória (para desconstituir) de paternidade é uma ação personalíssima, ou seja, somente o pai presumido poderá contestar a paternidade.

No entanto, caso este “pai” que pretende desconstituir o registro venha a falecer no decorrer da demanda, ou se torne incapacitado, seus herdeiros poderão dar seguimento ao feito, ou eventual curador, para os casos de incapacidades.

Quanto ao pedido de anulação do registro de nascimento, há entendimento no sentido de que outros interessados podem questionar a paternidade, inclusive terceiros (por exemplo: o pai biológico que pretende reconhecer o filho que já foi registrado por outro; os herdeiros do pai registral; etc).

b) Contra quem se propõe a ação para desconstituir a paternidade?

A ação é proposta contra o filho, em regra. Em sendo falecido o filho, seus herdeiros serão chamados ao processo e, não havendo herdeiros, poderão ser chamados outros eventuais interessados.

Casos que envolvem discussões sobre filiação são muitos comuns e, atualmente, novas discussões têm surgido sobre o tema. A intenção do presente artigo é apenas esclarecer quais meios estão disponíveis no mundo jurídico para desconstituir uma paternidade atribuída de maneira equivocada.

Certo é que, cada caso deve ser analisado levando-se em conta suas particularidades e nem sempre a ausência de ligação biológica será suficiente para se desfazer o vínculo de paternidade.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2006.

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