Violência obstétrica

 Violência obstétrica

Para mudar o mundo, é preciso primeiro mudar a forma de nascer”

(Michel Odent)

Você já ouviu relatos semelhantes a estes?

  • Durante um exame de toque, eu pedi para parar pois estava sentindo muita dor. O médico disse: ‘na hora de fazer tava gostoso né?’. Nessa hora me senti abusada”.

  • Seis acadêmicos fizeram fila para fazer toque em mim sem se apresentarem, sem me explicarem o porquê do procedimento”.

  • Não deixaram meu acompanhante entrar. Falaram que é uma regra interna. O hospital pode ter uma regra contrária a uma lei?”.

Tratam-se de trechos de depoimentos de mulheres que sofreram algum tipo de violência obstétrica. E esse é o assunto deste artigo.

Antes de falarmos sobre a violência obstétrica de fato, é preciso explicar conceito de “parto humanizado”. Ao contrário do que muitos podem pensar, o parto humanizado não é só aquele que acontece sem anestesia e com a presença de uma doula, em casa. Parto humanizado é, de fato, aquele que respeita as escolhas da mulher para o momento – desde que com segurança – e resguarda os direitos dela e da criança.

O parto é um momento muito importante e, como a maioria dos nascimentos ocorre em unidades de saúde, a gestante e sua família precisam receber os serviços “com dignidade, promovendo um ambiente acolhedor e uma atitude ética e solidária”.1

Assim, a humanização do parto pode ser entendida como um direito, para que todas as mães e bebês sejam respeitados, desde o pré-natal até o pós-parto, com cuidado e acolhimento.

Isso inclui: informar a gestante sobre todos os procedimentos utilizados, pedir sua autorização para utilização de procedimentos diferenciados, garantir a presença de acompanhante, respeitar a individualidade da mulher (seus medos e suas necessidades), seguir as normas técnicas e recomendações do Ministério da Saúde, permitir o contato do bebê com a mãe logo depois do nascimentocaso não haja nenhuma situação emergencial –, entre outros.

A violência obstétrica acontece, então, sempre que um desses direitos que compõem o parto humanizado for desrespeitado. Ela é cometida contra a gestante e sua família, podendo ser verbal, física, psicológica e até sexual.

Listamos abaixo alguns exemplos de violência obstétrica:

  • Impedir que a mulher tenha acompanhante;

  • Condicionar a presença do acompanhante à autorização médica (Lei 8080/1990);

  • Não prestar informações claras sobre o estado de saúde da mulher;

  • Realizar procedimentos sem o seu consentimento;

  • Não oferecer opções para o alívio da dor;

  • Impedir que a mulher se movimente, beba água, ou alimente-se de forma leve durante o trabalho de parto;

  • Realizar exames de toque vaginal repetidas vezes;

  • Fazer piadas, dar broncas ou não permitir que a mulher se expresse.

É importante lembrar que os médicos não podem ser considerados sempre os “vilões” quando se fala em violência obstétrica, especialmente no que diz respeito à saúde pública, porque deve ser levado em conta todo um contexto de falta de estrutura, falta de profissionais e falta de equipamentos adequados.

Ainda assim, a prática de atitudes como as mencionadas acima pode gerar responsabilização administrativa, civil e penal para os profissionais.

Então, como agir nesses casos?

O ideal é que a mulher que foi violentada no momento do parto exija cópia de seu prontuário de atendimento junto à instituição de saúde onde foi atendida e, com os documentos, procure a Defensoria Pública do seu local de residência para as medidas adequadas. Ainda, dependendo da situação, existe a possibilidade de procurar o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil para eventual ingresso de ação de reparação de danos morais e materiais.

As provas podem ser feitas através dos prontuários, receitas médicas, testemunhas e até mesmo pelos laudos periciais.

Para mais informações, pode-se, também, ligar para os números referentes à violência contra mulher e disque saúde (136) ou procurar pelos Comitês de Mortalidade Materna ou de Mortalidade Infantil do município ou região, bem como Conselhos de Saúde Municipais.

É de se ressaltar que, embora estejamos abordando a temática, essa não é uma questão tratada pelo Direito de Família na prática. No entanto, sabendo que temos um público feminino elevado e, por entender que esta questão ultrapassa a esfera da mulher e atinge a família como um todo, optamos por tratar sobre esse assunto aqui no Direito Familiar.

As informações deste artigo foram retiradas da Cartilha elaborada pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco sobre a humanização do parto. Para mais informações sobre o trabalho desenvolvido pelo MPPE, acesse: www.mppe.mp.br.

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Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1 Humanização do parto. Cartilha do MPPE.

“Barriga de Aluguel”: Gestação em útero alheio

Você já deve ter ouvido falar sobre “barriga de aluguel”, não é mesmo? São aquelas situações nas quais a mulher, por algum motivo médico, não possui condições de gerar o filho em seu útero e a gestação, por conta disso, será exercida por outra pessoa.

Em que pese se diga barriga “de aluguel”, vamos ver neste artigo que, no Brasil, o recebimento de valores para gestar é proibido! Tal proibição está entre um dos demais requisitos para que o procedimento aconteça, sobre os quais trataremos em seguida.

Importante dizer, primeiramente, que a gestação em útero alheio não está prevista na legislação civil brasileira, mas é regulamentada por Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.

Há duas modalidades: uma é aquela em que a mulher é tida somente como “portadora”, já que apenas cede o útero para a gestação e a outra em que é considerada “mãe de substituição” por oferecer, além do útero, seus óvulos.

O procedimento pode ser indicado quando a mulher possui: idade avançada, pobre resposta ovariana, má qualidade dos óvulos, sucessivas falhas em tentativas de inseminação artificial, endometriose avançada e abortos de repetição com causa desconhecida.

Existem, contudo, exigências para que se possa efetivar a gestação em útero alheio. Os requisitos mais relevantes para que ela aconteça são os seguintes:

a) a mãe gestacional deve pertencer à mesma família dos interessados em realizar a gestação;

b) o empréstimo do útero deverá ter caráter gratuito e

c) a técnica somente poderá ser aplicada nos casos em que a mulher efetivamente não puder ficar grávida por razões médicas 2.

O ideal, portanto, é que a gestação em útero alheio seja realizada somente em casos mais extremos, nos quais se demonstrou efetivamente que a gravidez seria prejudicial à saúde da mulher.

Caso seja realizada a doação de óvulos – além da cessão de útero – ela também não poderá envolver fins lucrativos (similarmente ao que acontece nas situações em que se busca o banco de sêmen, embora não exista, ainda, banco de óvulos no Brasil).

Em relação ao reconhecimento dos filhos, sabe-se que o mais comum seria a presunção de que mãe é aquela que pariu o filho. Porém, nas situações de gestação em útero alheio, há necessidade de se avaliar com mais cuidado:

Tradicionalmente, ou segundo as leis vigentes, a verdadeira mãe é aquela que dá a luz à criança, ou a que pariu. […] Tal concepção, no entanto, não pode ser acolhida. Nos tempos atuais, não revela um caráter de verdade sólida, diante do fato da fecundação artificial. E nesta forma de procriar a vida, partiu-se para um fundamento da paternidade ou maternidade diferente da tradicional. A paternidade ou maternidade passou a fundar-se em nova explicação: o ato preciso da vontade3.

Conclui-se, então, que a vontade das partes, nesses casos, externada pela concordância com o procedimento fecundante, seria fator decisivo para se determinar a relação de filiação.

É imprescindível, portanto, a concordância dos envolvidos para a regularidade do ato, a fim de que as partes comprometam-se com a situação, e até mesmo para a proteção da criança que nascerá, evitando-se, com isso, que os envolvidos venham, futuramente, a repelir a filiação instituída.

Assim, “se surgir algum conflito entre a mãe gestante e aqueles que contrataram com ela, o caso deverá ser resolvido em função de suas particularidades e do superior interesse da criança”4, não importando somente a realidade biológica, mas os outros vínculos advindos, primeiramente, do desejo dos pais de terem o filho em sua companhia.

Caso seja, por um equívoco, declarada a maternidade da mãe gestacional no registro da criança, devem ser tomadas as medidas cabíveis no sentido de resguardar os pais que manifestaram a vontade de ser genitores e procuraram a realização do procedimento. Dessa maneira, será resguardado, além do interesse dos genitores, também o direito do filho de ser criado pelos pais que efetivamente o desejaram e esperaram.

Tem-se, assim, que a presunção da maternidade perdeu seu caráter absoluto de outrora. Para a eventual averiguação da filiação, deverão ser analisados outros quesitos além do laço consanguíneo, pois não se estabelece vínculo de filiação com a mãe gestacional ou com eventual doador de sêmen, vez que não houve a intenção de paternidade e maternidade.

O elo de filiação deve ser dimensionado de acordo com os aspectos biológicos, mas também em conformidade com a sua extensão social.

Conforme já se tratou em diversos artigos do canal, a família contemporânea é “orientada pelo princípio da solidariedade em função da afetividade e laços emocionais conjuntos”5 e, por isso, o paradigma que a define atualmente parece ser muito mais afetivo do que meramente biológico.

Sobre a socioafetividade, sugere-se a leitura do seguinte artigo: “’Pai ou mãe é quem cria!’: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui).

Conclui-se, então, que, embora algumas pessoas acreditem que um contrato de gestação em útero alheio não terá efeitos, se ele for elaborado dentro dos parâmetros recomendados, há uma relação jurídica que deverá ser protegida.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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1 Resolução CFM 2121/2015. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.

2 Resolução CFM 2121/2015. VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero). As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima). 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

4 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

5GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias Reconstituídas. São Paulo: RT, 2010.

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