Prestação de contas da pensão alimentícia

A prestação de contas da pensão alimentícia é um assunto que gera bastante divergência entre os juristas e muita discussão entre aqueles que estão travando batalhas judiciais.

Pensemos na seguinte situação: um dos genitores ficou com a guarda dos filhos, ou foi estabelecido o compartilhamento, tendo por residência de referência a moradia de um deles (clique aqui), e ao outro ficou estipulado pelo juízo que deveria prestar pensão alimentícia à prole (clique aqui) em uma determinada quantia.

Caso o alimentante (aquele que presta os alimentos) comece a suspeitar que os valores prestados a título de pensão alimentícia não estão sendo adequadamente destinados aos filhos, o que ele pode fazer? Quais medidas tomar?

Conforme sempre ressaltamos, o melhor caminho para a resolução dos conflitos familiares é por meio do DIÁLOGO! Isso porque não há ninguém melhor do que os próprios envolvidos naquela situação que saiba o que é melhor para eles.

No entanto, havendo a necessidade de levar a questão para o Judiciário, alguns defendem a possibilidade de o alimentante pedir em juízo a PRESTAÇÃO DE CONTAS quanto aos alimentos! Veremos, porém, que há posicionamentos divergentes quanto à possibilidade de uma demanda assim.

Em uma ação desse tipo, seria solicitada a prestação de contas, a fim de verificar se os valores da pensão alimentícia estão efetivamente sendo utilizados em benefício dos alimentados.

Para alguns doutrinadores, no entanto, esse seria um “pedido impossível”, até porque os alimentos que já foram prestados são irrepetíveis (ou seja, não poderiam ser devolvidos).

Segundo Maria Berenice Dias,1 o “alimentante não tem relação jurídica com o guardião do alimentado. Como os valores se destinam ao filho e não a quem detém sua guarda e está a exercer o poder familiar, não pode responder por crédito que não lhe pertence. Assim, flagrante a ilegitimidade passiva de quem é acionado. Ao depois, falta interesse processual do autor, pois os alimentos pagos são irrepetíveis. Assim, estão presentes todas as hipóteses configuradoras da carência de ação. Se tudo isso não bastasse, foge à razoabilidade pretender que o genitor que exerce o poder familiar venha periodicamente a juízo prestar contas de forma contábil, quando desempenha sozinho mister que não é só seu”.

Para ela, os destinatários são os filhos, e, ainda, o dever de sustento e de cuidado com a prole permanece sendo de ambos os genitores.

A ação de prestação de contas, portanto, não teria um resultado satisfatório, já que, ainda que eventualmente se comprovasse que os valores não estão sendo bem utilizados, seria necessário propor outra ação para qualquer alteração da pensão alimentícia, levando em conta a possibilidade dos alimentantes e a necessidade dos filhos para o estabelecimento do valor.

Vale dizer que, é nesse sentido decisão recente do STJ (RESp 1.637.378), de fevereiro de 2019, na qual o Ministro relator do caso argumentou que: “Permitir ações de prestação de contas significaria incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família.”

A orientação, nesses casos, é a de que, havendo suspeitas de que o valor não está sendo devidamente destinado às crianças, seja proposta uma ação visando a alteração da quantia dos alimentos, na qual poderá ser realizada uma sindicância ou estudo social para verificar todas as circunstâncias e, se for o caso, poderá ser alterado o valor dos alimentos, adequando-o à situação dos envolvidos (clique aqui).

De qualquer forma, se ainda assim houver interesse em realizar o pedido de prestação de contas, é importante observar que, nestes casos, considerando a irrepetibilidade dos alimentos, a ação pretendida terá um cunho mais pessoal do que patrimonial, uma vez que não se pretende reaver valores (o que nem seria cabível), mas tão somente fiscalizar se foram devidamente destinados aos fins propostos.

O resultado desta ação poderia vir a servir de prova em uma ação revisional, mas tal ponto poderia perfeitamente ser discutido já nos próprios autos em que se pretende a alteração da pensão alimentícia.

De outro lado, há quem entenda que as hipóteses nas quais se pode requerer a prestação de contas são mais abrangentes do que se poderia imaginar, de modo que cada caso deverá ser analisado de acordo com suas particularidades, até porque o devedor da obrigação (alimentante) tem o direito de fiscalização, nos termos dos artigos 1589 e 1583 do Código Civil.

Por conta dos diferentes posicionamentos, se você está passando por uma situação assim, antes de promover qualquer medida, é interessante procurar o auxílio de advogados que possam informar como a questão vem sendo entendida na sua cidade ou no seu estado.

Vale dizer, ainda, que nada impede que seja solicitada informalmente uma prestação de contas (ou seja, sem processo) e que tentem resolver a situação por meio do diálogo, conforme já mencionado acima, já que é a forma mais eficaz de garantir que o interesse de todos – e especialmente dos filhos – seja levado em consideração.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho 

1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7ª edição. Editora RT. São Paulo, 2010. p. 584-585.

A cobrança de pensão alimentícia em atraso: cumprimento de sentença

* artigo atualizado de acordo com o CPC/15

Quando o juiz estabelece os alimentos a serem prestados por um dos genitores (ou outro familiar) aos filhos, seja por meio de uma sentença em processo litigioso ou por meio de homologação judicial de um acordo realizado entre as partes, surge o que se chama no meio jurídico de “título judicial”.

Quando não se cumpre a obrigação estabelecida no “título judicial”, existem meios jurídicos para se exigir a sua cobrança. No caso dos alimentos, isso acontecerá por meio do pedido de “cumprimento de sentença” (art. 528 do CPC/15).

O cumprimento de sentença é o meio judicial que possibilita cobrar as parcelas de pensão alimentícia em caso de descumprimento da decisão que fixou o valor a ser pago. Ou seja, “A” devia receber todo mês R$ 100,00 de “B” e este não fez o pagamento nos últimos meses, portanto, cabe a “A” recorrer ao judiciário para cobrar os valores não pagos por “B”.

Assim, quem deve ingressar com a ação de execução de alimentos é aquele que deveria receber a pensão alimentícia, ou seja, o credor dos alimentos.

  • De quais formas podem ser cobrados os alimentos?

No pedido de cumprimento de sentença, podem ser formulados os pedidos de prisão do devedor, penhora de bens do devedor e, ainda, existem algumas outras providências possíveis, que foram consideradas inovações trazidas pelo CPC/2015, sobre as quais falamos no artigo “Novidades sobre a cobrança de pensão alimentícia” (clique aqui para ler).

Mediante pedido de prisão do devedor

De acordo com o artigo 528, §3o do CPC/15, o juiz determinará a intimação do executado para que, no prazo de três dias, comprove o pagamento do débito ou justifique a impossibilidade de fazê-lo e, se o executado (devedor) não o fizer, poderá ser decretada a sua prisão civil, pelo prazo de um a três meses.

O mesmo acontecerá se ele, intimado, deixar de apresentar justificativa para a ausência de pagamento. A prisão civil somente terá fim antes do prazo determinado pelo juiz se o executado providenciar o pagamento de todas as parcelas vencidas. Sendo esse o caso, será suspensa a ordem de prisão.

É extremamente importante ressaltar que este pedido no cumprimento de sentença de alimentos tem caráter emergencial.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera urgente, e passível da decretação de prisão, portanto, apenas as parcelas vencidas e não pagas nos últimos três meses antes da propositura da ação, conforme súmula 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”

Ou seja, poderão ser cobradas na execução de alimentos, que corre com pedido de prisão civil, até as três últimas parcelas que venceram antes do credor ingressar com a ação, mais as parcelas que vencerem no decorrer do processo (art. 528, §7o do CPC/15).

Isso significa dizer que, estando o devedor em atraso por um mês, já pode ser formulado pedido nesse sentido. Para as parcelas anteriores (que venceram antes dos últimos três meses, o pedido deverá ser outro – não o de prisão).

Decretada a prisão civil do devedor de alimentos, ela deverá ser cumprida em regime fechado (de acordo com o que dispõe o art. 528, §4o do CPC/15). Há muita discussão sobre a efetividade desse dispositivo, porém, é assim que a lei prevê.

É importante esclarecer que o cumprimento da prisão civil não exonera o devedor do pagamento, ou seja, mesmo depois de preso, o devedor continua obrigado a pagar as pensões em atraso. Para informações mais específicas sobre a prisão civil por débito alimentar, confira o artigo “Não paguei a pensão alimentícia e serei preso. E agora?” (clique aqui).

Mediante pedido de penhora de bens do devedor

O artigo 528, §8o do CPC/15 determina que também pode ser promovido o cumprimento de sentença com pedido de penhora de bens (ou valores) do devedor. Essa é a modalidade que abrangeria as parcelas mais antigas – que não cabem no pedido de prisão civil.

Sendo esse o pedido, o devedor será intimado para, no prazo de 15 dias, pagar o débito alimentar. Não ocorrendo o pagamento, há a incidência de multa de 10% sobre o valor total devido e começa a correr o prazo (automaticamente) para a apresentação de impugnação pelo devedor.

Na impugnação, ele poderá alegar, nos moldes do artigo 525, §1o do CPC/15, as seguintes questões: I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II – ilegitimidade de parte; III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV – penhora incorreta ou avaliação errônea; V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.

A apresentação de impugnação, porém, não impede necessariamente a prática dos atos executivos, ou seja, a penhora de valores (bloqueio de quantias encontradas em contas bancárias) ou de bens, embora o juiz – a requerimento do executado – possa conceder o efeito suspensivo, dependendo das circunstâncias.

Os valores e/ou bens bloqueados e penhorados podem ser utilizados, nesta hipótese, para o pagamento do débito alimentar.

Por fim, importante esclarecer que, como houve mudanças na legislação, ainda existem algumas discussões sobre a aplicação do CPC/2015 em relação ao cumprimento de sentença de alimentos. Alguns entendem que o ideal seria formular os pedidos (de prisão ou de penhora) separadamente e outros acreditam que não há qualquer prejuízo caso sejam formulados conjuntamente.

O ideal, portanto, é buscar informações sobre como a questão vem sendo tratada pelo Tribunal de seu estado, antes de propor a medida.

O fato é que, se muitas parcelas acabarem vencendo no decorrer da demanda (que se iniciou com pedido de prisão), o juiz poderá converter o feito para o pedido da penhora (considerando o elevado número de parcelas e a perda do caráter emergencial que justificaria a prisão).

Observação: este artigo foi originariamente escrito na vigência do Código de Processo Civil de 1973, pois foi publicado em 16/12/2016. Porém, o texto foi atualizado em 2019, estando, assim, em acordo ao que dispõe do CPC/2015.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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