Investigação de paternidade X Investigação de ascendência genética

Nos últimos dias, recebemos algumas perguntas de leitores relacionadas à investigação de paternidade e à possibilidade de se averiguar apenas o vínculo genético (ascendência) com o suposto pai (ou mãe). Por isso, resolvemos escrever o artigo de hoje para o esclarecimento de alguns pontos!

A família passou por diversas transformações e, contemporaneamente, com o reconhecimento das diversas entidades familiares e com a constitucionalização da família, a paternidade e a maternidade assumiram um significado mais profundo do que a verdade biológica, pautado também pela afetividade (“Pai ou mãe é quem cria!”: Descubra como o Direito entende isso – Clique aqui).

A filiação socioafetiva é a aquela que se constrói a partir de um respeito recíproco entre o filho e aquele que desempenha a função paterna (ou materna), o qual pode ser uma série de pessoas (os próprios pais, os tios, avós, padrinhos…), desde que o filho tenha nele um referencial. Este vínculo advém da vontade de ser pai ou mãe, mas não necessariamente da ascendência genética.

Com isso, torna-se essencial diferenciar a filiação (relação paterno-filial) da ascendência genética. É que, a filiação é tida como o relacionamento entre pais e filhos, do qual decorrem direitos e deveres previstos em lei, tendo por origem o vínculo biológico, ou não. Ela é um instrumento de formação do núcleo familiar e, por isso, não necessita somente do caráter biológico, podendo ser reconhecida também por meio da vivência e do cotidiano.

A ascendência genética, de outro lado, diz respeito ao conhecimento da origem ancestral, da consanguinidade.

Assim, quem pretende a investigação da paternidade ou maternidade (O que é investigação de paternidade? Clique aqui), busca, em tese, estabelecer um estado filiatório, uma relação de parentesco (paterno-filial), com todos os seus efeitos (herança, convivência, pensão alimentícia, etc.).

Quem busca a ascendência genética, por sua vez, pode até já ter um estado de filiação estabelecido (até mesmo por adoção), mas almeja informação sobre sua origem biológica, por alguma razão, que pode ser inclusive médica.

Todos têm o direito ao reconhecimento de sua origem genética. Inclusive, já se visualiza essa orientação na jurisprudência brasileira: “caracteriza violação ao princípio da dignidade da pessoa cercear o direito de conhecimento da origem genética, respeitando-se, por conseguinte, a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica” (STJ, Ac.unân. 3ªT., REsp nº 833.712/RS rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.5.07, DJU 4.6..07, p; 357).

De se dizer, ainda, que, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 48, prevê a possibilidade de investigação da origem genética em favor de pessoa adotada – sem qualquer alteração no parentesco – principalmente em situações nas quais, por motivos de saúde, há necessidade de buscar o vínculo genético. Isso, porém, não altera o status de “pai” ou “mãe” daquele adotante.

O pedido judicial para a averiguação da ascendência genética será formulado no sentido de se exigir uma prestação de fazer, para a realização de exame genético (DNA), não cabendo, por exemplo, a presunção legal da investigação de paternidade (leia mais sobre isso aqui), mas sim outras medidas a serem tomadas pelo Juízo.

Conhecer a ascendência genética é um direito da personalidade e, assim como a pretensão de investigar a parentalidade, é imprescritível (ou seja, pode ser formulado o pedido a qualquer tempo, independentemente de idade ou outras circunstâncias).

No mais, é importante frisarmos alguns aspectos:

A ação de investigação de paternidade pode ser proposta pelo Ministério Público, como substituto processual. A ação de investigação da ascendência genética, não.

A decisão judicial em ação de investigação de paternidade tem por consequência a averbação em certidão de nascimento, com a inclusão do nome do pai ou da mãe. A decisão judicial relativa à ascendência genética, não.

A decisão reconhecendo ou declarando a paternidade gera efeitos para o filho, tais como inclusão do sobrenome, alimentos e herança. A decisão no que diz respeito à ascendência genética não produz tais efeitos.

Você já sabia dessas diferenças e da possibilidade de se buscar judicialmente somente a ascendência genética? Embora seja em casos mais específicos, ela existe! Então, escreve para a gente contando o que achou desse assunto! Até a próxima!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

O que é investigação de paternidade?

Antes de falarmos sobre a ação de investigação de paternidade, é preciso definir o termo “filiação”. Em um conceito geral, podemos resumir a filiação como sendo a relação entre pais e filhos, cujo vínculo pode ser de origem genética/biológica, afetiva ou registral. O direito a este vínculo de filiação é indisponível, ou seja, ninguém pode “abrir mão” dele.

Importante frisar que falaremos neste post sobre a investigação de paternidade considerando a hipótese de uma pessoa não ter sido registrada com o nome paterno, contendo apenas em sua certidão de nascimento o nome da mãe, a fim de traçar brevemente o caminho que será perseguido para se investigar a paternidade nessas situações.

Inúmeras são as causas que podem dar origem ao registro de um filho somente pela mãe, dentre elas: o pai ser desconhecido, existir dúvida sobre quem pode ser o pai, o suposto pai falecer antes do nascimento da criança ou não ser casado com a mãe, dentre várias outras hipóteses que podem existir.

A filiação se prova, em regra, pela certidão do termo de nascimento no Registro Civil. Conforme mencionamos acima, existem casos em que o filho nasce e não é reconhecido pelo pai biológico, ou até mesmo a própria mãe da criança deixa de informar quem é o pai. Quando isso ocorre é possível ingressar na Justiça com a ação de investigação de paternidade.

Mas como é o procedimento?

Pois bem, inicialmente, devemos esclarecer que, quando uma criança é registrada somente pela mãe, o cartório do registro de nascimento deverá informar essa situação ao Ministério Público, que tentará entrar em contato com a genitora e com o suposto pai, a fim de que se tente o reconhecimento da paternidade de forma mais rápida e amigável. Caso o genitor não seja encontrado ou se negue a reconhecer a paternidade sem a necessidade de um processo, o caminho será, então, pelo ingresso de uma ação judicial. Este procedimento poderá ser iniciado a qualquer momento, inclusive, independentemente da atuação do Ministério Público.

O procedimento de averiguação se dará da seguinte maneira: a pessoa interessada deverá informar ao Judiciário quem é o suposto pai. Sendo o autor da ação menor de idade, ele deverá estar representado por sua genitora, ou, por outro responsável legal, que indicará logo no início da ação todos os dados do possível pai, para que esse tome conhecimento da ação (por meio da citação por oficial de justiça) e apresente sua defesa.

A maneira mais eficaz de descobrir se há vínculo de paternidade entre o suposto pai e o filho é realizando o exame de DNA. Em data a ser designada pelo Juiz, geralmente depois da apresentação da defesa, será agendada a coleta do material genético tanto da criança, quanto do suposto pai (e, às vezes, da mãe também), para realização do exame.

E se o suposto pai não quiser fazer o exame de DNA?

Quando a parte investigante pede a realização do exame de DNA, é comum ouvirmos que alguns homens se recusam a realizá-lo, por não serem obrigados a “produzirem provas contra si mesmos”.

Apesar disso, é importante deixar claro que o não comparecimento do suposto pai na realização do exame de DNA, sem qualquer motivo justificado, faz surgir a presunção de paternidade, ou seja, se ele não comparecer na data da coleta do material genético, ficará subentendido que é efetivamente o pai do investigante (será uma prova contra ele, portanto), mesmo sem a comprovação real pelo exame de DNA.

Essa presunção é o que se pode chamar no meio jurídico de “relativa”. Isso porque o juiz precisará analisar a recusa do pai em fazer o exame de DNA em conjunto com as outras provas juntadas ao processo.

E se o suposto pai não for encontrado?

Se o suposto pai não for encontrado para responder a ação (pode ser que ele more em local desconhecido ou então que a genitora não tenha todas as informações necessárias sobre ele), ou caso não se realize o exame de DNA, a parte investigante terá que comprovar, com o depoimento de testemunhas, a existência de relacionamento afetivo entre ela e o suposto pai.

O ideal é que as testemunhas sejam pessoas que tiveram contato com as partes, como amigos do pai e da mãe ou parentes do possível pai. Além disso, o investigante pode promover a juntada aos autos de fotos, a fim de demonstrar a semelhança física, ou de outras provas que entender necessárias.

E se o suposto pai já tiver falecido?

Sendo o suposto pai falecido, os seus herdeiros serão chamados ao processo. Observe-se, porém, que, por se tratar de ato personalíssimo, os herdeiros não podem reconhecer voluntariamente o filho (autor da demanda), vez que esse reconhecimento somente poderia ser realizado pelo próprio genitor, quando vivo. Será necessária, nessa hipótese, a produção de provas para a efetiva declaração da paternidade, dentre elas, podemos citar como exemplos a realização de exame de DNA com os herdeiros do suposto pai falecido, ou até mesmo com os restos mortais do investigado – quando isso for possível.

Realizado todo o procedimento e, sendo constatado o vínculo de paternidade, ele será declarado por sentença judicial. Feito isso, será expedido um documento chamado de “mandado de averbação”, com as novas informações que deverão ser incluídas no registro de nascimento, tais como o nome do pai e dos avós paternos. Esse documento deve ser encaminhado (pelas próprias partes ou pela Vara de Família) ao cartório em que foi realizado o registro, para que sejam feitas as alterações devidas.

Questões que envolvem a discussão acerca da paternidade vão muito além do que as que foram tratadas no presente artigo e serão abordadas conforme suas peculiaridades em outros posts. Continue acompanhando!

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

Sair da versão mobile