Se um neto/a recebe herança dos avós, ele/a responde por dívidas deixadas pelos pais pré-mortos?

Herança, partilha, dívidas, enfim, todos os temas relacionados às questões sucessórias representam mais da metade das dúvidas que recebemos aqui no Direito Familiar.

Recentemente, recebemos uma mensagem com uma dúvida que  pode ser muito comum e, por isso, resolvemos compartilhar aqui o caso que nos foi apresentado.

A dúvida era baseada na seguinte situação:

  • Pai e mãe morrem, deixando filho menor de idade.

  • Pai deixa muitas dívidas e um apartamento. Único bem.

  • Avós têm patrimônio. Com o falecimento dos avós, ao receber seu quinhão (que caberia ao pai falecido) este filho/neto pode perder tudo?

Este é um caso supercomum e, como quase sempre no Direito – especialmente na área de Sucessões – pode haver posicionamentos diferentes sobre uma mesma questão e sobre os desdobramentos da situação.

Antes de comentar o caso, é importante relembrar o tema de outro artigo do Direito Familiar, que tem relação com o assunto: “Herdeiro por representação: você sabe o que é?” (clique aqui).

É importante a leitura desse artigo, pois ele explica como funciona o recebimento pelo neto ou neta (órfãos), da herança deixada pelos avós – o que chamamos de “direito de representação”.

Conforme explicado no artigo referido acima:

“Esse instituto prevê que um herdeiro será chamado a receber a herança no lugar de outro herdeiro. Tal fato pode acontecer por haver herdeiro pré-morto, ou seja, que faleceu antes de receber uma herança que seria sua por direito, ou pelo herdeiro ser considerado ausente (quando ninguém sabe seu paradeiro e a ausência é declarada por uma decisão judicial), ou que foi excluído da sucessão. (…) Por tal motivo, o sucessor desse herdeiro pré-morto, ausente, ou excluído da sucessão, receberá a herança em nome dele, ou seja, o herdeiro de direito será representado por seu sucessor.”

Há quem entenda que, quando o filho ou filha cujos pais faleceram receber a herança que, por exemplo, o pai receberia se vivo fosse, ele/a terá que arcar com as dívidas deixadas pelo pai, afinal aquele valor, antes de ser dele, deveria ter sido do pai.

Contudo, o Direito Familiar compartilha o entendimento já exarado pelo Superior Tribunal de Justiça1, no sentido de que a herança deixada pelos avós, recebida diretamente pelo neto ou neta, não será atingida pelas dívidas deixadas pelos pais.

A explicação para isso se dá pelo fato de que, como o pai da criança já era falecido quando os avós faleceram, a herança deixada sequer chegou a fazer parte do patrimônio do pai.

Entende-se que em momento algum o patrimônio chegou a ser transferido para ele e, portanto, não há como cobrar a dívida, considerando bens e valores que sequer chegaram a integrar o patrimônio de uma pessoa. No momento da dívida, o patrimônio era dos avós e, quando da sua transferência, o pai já havia falecido.

Desse modo, considerando que este neto ou neta herdará os bens deixados pelos avós em nome próprio, não deve se preocupar em “perder” a herança recebida dos avós, por existirem dívidas deixadas pelos seus falecidos genitores.

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho


1 RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. DÍVIDA DE ASCENDENTE PRÉ-MORTO. PRETENSÃO DE ALCANCE DE QUINHÃO HERDADO POR REPRESENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL LIMITADA ÀS FORÇAS DA HERANÇA DO DEVEDOR. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1.No direito das sucessões brasileiro, vigora a regra segundo a qual o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto, excepcionada legalmente pelo sistema de sucessão por estirpe. 2. Nos casos legalmente previstos de sucessão por representação (por estirpe), os descendentes de classe mais distante concorrerão com os mais próximos, na proporção que seria cabível ao herdeiro natural pré-morto, porém em nome próprio e em decorrência de expressa convocação hereditária legal. 3. O patrimônio herdado por representação, nem mesmo por ficção legal, jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas. Para tanto, limita-se a responsabilidade patrimonial dos sucessores de devedor às forças da herança por ele deixada.4. Recurso especial provido.

Os avós têm o dever de prestar alimentos aos netos?

Você sabe se os avós têm o dever de prestar alimentos aos netos?

Essa é uma dúvida recorrente entre as pessoas, e a resposta será uma bem conhecida no meio jurídico: “depende”. Mas, como assim “depende”?

Continue a leitura para entender melhor sobre o assunto!

Nos artigos anteriores, já falamos sobre o pagamento de pensão alimentícia de pais para filhos (clique aqui) e até mesmo sobre o dever alimentar entre ex-cônjuges (clique aqui). Hoje, falaremos sobre a possibilidade de os avós prestarem alimentos aos netos.

A resposta para a pergunta que intitula esse artigo é “depende” porque, em tese, os avós não possuem essa obrigação. O dever de sustento e, portanto, de prestar alimentos é, essencialmente, dos genitores.

No entanto, entende-se que a obrigação de sustento dos avós em relação aos netos pode vir a existir em determinadas situações. Quando isso acontecer, ela será somente subsidiária ou complementar. O que isso significa? Significa que a obrigação dos avós não será simultânea com a dos genitores, ou seja, ela não surgirá no mesmo momento em que o dever dos pais. Ou seja, os avós não se responsabilizarão diretamente pelo compromisso assumido pelos seus filhos em relação aos seus netos.

Assim, eles somente serão chamados para contribuir com o sustento dos netos quando os genitores estiverem impossibilitados de fazê-lo ou quando o valor prestado pelos pais não for suficiente, necessitando-se de complementação pelos demais familiares.

Isso acontece porque a obrigação dos genitores decorre do poder familiar (“Poder Familiar: o que é e como termina?” clique aqui), ao passo que a extensão para os avós somente ocorre em razão do princípio da solidariedade familiar. De acordo com o princípio da solidariedade familiar, quando uma pessoa carece de recursos por quaisquer motivos, as necessidades dela devem ser atendidas, em primeiro plano, pelos familiares mais próximos.

Tem-se, portanto, que o “fundamento dessa obrigação avoenga surge do princípio da solidariedade familiar, diante da necessidade de as pessoas ligadas entre si por laços de parentesco, conforme a ordem de vocação sucessória, concorrerem para auxiliar materialmente os integrantes da sua comunidade familiar”1.

Na verdade, há uma ordem a ser seguida, prevista em lei. Aquele que pretende receber os alimentos não pode, simplesmente, escolher de quem os exigirá. A regra contida nos artigos 1.696, 1.697 do Código Civil é a seguinte: o alimentado (quem pede os alimentos) deve buscar a pensão alimentícia primeiramente, no parente de grau mais próximo e, apenas quando efetivamente comprovado que ele não possui condições de suportar a obrigação, abre-se a possibilidade de recorrer ao parente do grau seguinte.

Importante dizer que, por conta desse caráter subsidiário e complementar, é certo que os avós prestarão um valor que esteja dentro das suas possibilidades financeiras e que guarde relação tão somente com as despesas essenciais dos netos, evitando-se que os pais (ou os próprios netos) ingressem com ação visando receber quantias para satisfazer seus “luxos”. Nesse sentido, o critério a ser utilizado para o estabelecimento da pensão alimentícia será o da necessidade-possibilidade, sobre o qual já tratamos no artigo “Pensão alimentícia de pais para filhos” (clique aqui).

Quando a obrigação dos avós possuir caráter complementar (porque um dos genitores já presta alimentos, mas em quantia insuficiente), eles apenas ajudarão com determinado montante, com o fim de completar a quantia necessária para suprir as necessidades do alimentado.

Em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, ponderou-se acerca de três critérios indispensáveis para a fixação de alimentos a serem pagos pelos avós, quais sejam: a) ausência propriamente dita de um dos genitores (desaparecimento ou falecimento); b) incapacidade de exercício de atividade remunerada por aquele pai ou mãe e; c) insuficiência de recursos para suprir as necessidades do filho.

Portanto, sempre que alguém quiser ingressar com uma ação de alimentos contra os avós, deverá demonstrar, por meio de provas (documentais, testemunhas, etc.) que o genitor é ausente, que não possui condições de prestar alimentos ou que a quantia prestada não é suficiente para a subsistência, necessitando de complementação.

Ressalte-se que, o simples inadimplemento daquele genitor que estiver devendo a pensão alimentícia não faz nascer para os avós a obrigação. Nesses casos, deverá o filho recorrer ao pedido de cumprimento da sentença que fixou a pensão (execução de alimentos – leia mais sobre isso aqui e aqui) para a satisfação do débito.

Para concluir, podemos dizer que, em que pese a obrigação dos avós de prestar alimentos possa existir em relação aos netos, cada caso deverá ser analisado de acordo com suas particularidades, para a averiguação da real necessidade de se fixar os alimentos, ainda que em caráter complementar.

Conforme dito acima, o dever de sustento é, essencialmente, dos genitores, sendo sua extensão para os ascendentes uma circunstância excepcional, que somente será aceita depois de uma criteriosa avaliação dos elementos do processo judicial e das condições financeiras dos envolvidos e das necessidades de seus dependentes.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2011.

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