Quando uma pessoa falece e deixa bens, é necessário verificar quem tem o direito de ficar com este patrimônio deixado pelo de cujus (falecido). A forma de regularizar esta situação acontece por meio do procedimento do inventário e partilha que visa formalizar a transmissão dos bens do falecido para os seus sucessores (herdeiros).
No entanto, passar por esse processo de inventário pode vir a ser doloroso para muitas pessoas, tendo em vista que o prazo é relativamente curto entre digerir tudo o que acontece em nossas vidas quando perdemos um ente querido e abrir o processo de inventário.
Como prezamos muito pela união do Direito de Família à Psicologia, convidamos as psicólogas Mariana Bayer e Paula Leverone, sócias-fundadoras do Instituto Trilhar, cuja missão é promover acesso a ampliação dos conhecimentos e cuidados relativos ao processo de luto, para falar um pouquinho mais sobre o assunto, e partilhar com todos vocês um pouco do trabalho delas.
O luto e o inventário
Mariana Bayer (CRP 08/19103)
Paula Leverone (CRP 08/18775)
A perda de um ente querido traz o luto, um processo natural e psiquicamente trabalhoso. É um período difícil, porém indispensável para a reorganização emocional do indivíduo.
Os impactos desse rompimento de vínculo interferem em diversas áreas da vida, como: social, familiar, escolar, profissional, sexual, entre outras, fazendo com que o enlutado lide com novas sensações, emoções, lembranças e comportamentos. Tarefas que não faziam parte da rotina do indivíduo passam a existir e o inventário é uma delas.
O inventário consiste em verificar quem tem o direito de ficar com os bens da pessoa que faleceu. A família tem aproximadamente 60 dias após o falecimento de seu ente para fazer a abertura do inventário. O tempo é considerado curto e muitas vezes exaustivo para os enlutados que precisam lidar com toda a burocracia, prazos, preocupações e busca por documentos, em paralelo a dor do luto.
O processo do inventário pode ser ainda mais penoso quando ocorre o falecimento de um dos herdeiros neste período, quando há descoberta de novos herdeiros, ou novos bens, dívidas do falecido e/ou a necessidade de sacar saldos em poupanças, PIS, FGTS e etc.
Isso, frequentemente, exige uma comunicação entre familiares, o que por um lado pode proporcionar um contato importante com a dor da perda e a possibilidade de falar sobre ela, mas por outro, pode haver conflitos diante de interesses distintos. Para tais decisões é necessário levar em conta que as mudanças na rotina, ocasionadas pela perda de um ente querido já são, geralmente, drásticas e difíceis, por isso qualquer decisão importante a ser tomada neste processo merece cautela.
Na prática do atendimento psicológico com pessoas enlutadas, lidamos com todas essas questões emocionais relacionadas ao inventário. Nos deparamos comumente com pacientes muito fragilizados quando começam a buscar os documentos exigidos para o inventário, como a certidão de óbito, de casamento, matrícula de imóveis, e quando existe, um testamento.
Também é comum ouvirmos reclamações sobre a quantidade de documentos exigidos e as surpresas em caso de dívidas deixadas pelo falecido, que muitas vezes acabam por comprometer a qualidade de vida da família.
É comum encontrarmos falas como a da seguinte mãe, que perdeu um de seus filhos: “Eu pedi pro meu outro filho fazer. Fiz uma procuração e ele me representou. Mas foi muito sofrido mesmo assim, principalmente quando há muitas desavenças. Inventário é coisa complicada”.
Outra mãe enlutada afirma: “O inventário é muito dolorido de fazer, é uma revolta muito grande saber que seu filho conseguiu tudo com o esforço dele e não usufruiu de nada. Depois você tem que dividir com as pessoas que não ajudaram em nada, e sem dizer que acham que seu filho virou um objeto e não se importam com o seu sentimento de pai ou mãe. Isso não se resolve de um dia para o outro, já faz dois anos e quatro meses que estou mexendo com o inventário e até agora não saiu nada. Sempre tem alguma coisa que o juiz acha de errado e você tem que remexer em todos aqueles documentos de novo e reviver tudo aquilo de novo, aquela dor (…) A vontade é de abandonar tudo e não mexer com nada!”.
Além da cautela nas decisões tomadas neste momento, orientamos que o enlutado respeite seus limites e sentimentos, recorrendo a sua rede de apoio, familiares e amigos, e se necessário busque ajuda de profissionais especializados.
Assim como a morte de um ente querido, o inventário não é algo desejado, mas, da mesma forma que na lei da vida existe a perda, na lei dos homens existe o inventário e o enfrentamento desses dois processos que se entrelaçam se faz necessário para todos.
Informações para contato:Av. Visconde de Guarapuava, n°2764, Cj. 1412