Dupla maternidade: casos de inseminação artificial caseira

A inseminação artificial caseira acontece quando quem pretende engravidar utiliza o material genético do doador e o insere (geralmente com uma seringa) para tentar a fecundação, sem que seja mantida uma relação sexual.

Para facilitar a visualização sobre uma situação assim, segue o exemplo de um caso prático: um casal homoafetivo de duas mulheres, vivendo em união estável[1], deseja ter um filho (ou filha), porém, não possui condições de arcar com os custos de uma reprodução assistida realizada por meio de clínicas médicas.

Assim, decidem utilizar o material genético de um terceiro, a fim de que uma delas engravide. Nesse caso, quem será considerada mãe? Quais são as implicações de tal conduta?

Existem duas principais situações que podem surgir relacionadas à inseminação artificial caseira: a) o filho já nasceu, possui certa idade, e desenvolveu uma relação de afetividade com a companheira não gestante – o que autorizaria o reconhecimento do vínculo familiar pela socioafetividade; ou b) a criança ainda não nasceu, mas deve ser pleiteada autorização judicial para que se registre a maternidade de ambas companheiras quando de seu nascimento – caracterizando-se, então, a dupla maternidade.

Como se sabe, o conceito de família independe do gênero e da sexualidade das pessoas que a compõem, conforme reconheceu a Suprema Corte no julgamento da ADPF nº 132: “A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão ‘família’, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. […] Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família” (ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 5-5-2011).

Além disso, as várias mudanças de comportamento na sociedade atual resultaram em transformações nas suas estruturas de convívio, notadamente a familiar.

Assim, o Direito de Família passou a reconhecer a afetividade como elemento identificador dos vínculos familiares, desprendendo-se da verdade biológica ou registral, para reconhecer a socioafetividade como parâmetro em lides que se discutem a parentalidade.

É nesse contexto que o fenômeno da inseminação artificial heteróloga – com material genético doado por um terceiro – encontra guarida, pois a parentalidade, que antes era obtida apenas biologicamente ou gestacionalmente, passou a ser obtida também por meio dos laços de afetividade.

Voltando a atenção ao caso mencionado, de “inseminação artificial caseira”, tem-se que seria uma forma de inseminação heteróloga, porém, sem a participação de profissionais da saúde (clínicas médicas de reprodução assistida).

O método da inseminação artificial caseira, vale dizer, não é cientificamente reconhecido e tampouco recomendado, ainda que seja realizado com intuito admirável e em decorrência da falta de recursos financeiros. No referido formato de reprodução, há maiores riscos para a saúde da mulher, tais como a transmissão de doenças, tendo em vista a introdução de material biológico sem avaliação adequada.

Afora isso, o Conselho Federal de Medicina, na Resolução 2013/2013, determina que a doação de material genético deve ser anônima e sem trocas financeiras entre as partes. Os pais também precisam ter, no máximo, 50 anos de idade. Tais circunstâncias, contudo, não são fiscalizadas quando é feita a inseminação caseira.

Nessa situação, ao contrário do que acontece nas inseminações artificiais com acompanhamento médico, o doador não costuma ser completamente anônimo e há o risco, pois, de que o genitor venha a reivindicar o reconhecimento da paternidade em algum momento.

Existem os casos nos quais o material genético é recebido porque as pessoas buscam em grupos aqueles interessados em realizar a doação. Há quem opte, inclusive, por realizar um contrato, no qual o doador “abre mão” de seus direitos relacionados à paternidade. Apesar disso, a validade jurídica do documento está condicionada a um julgamento isolado, já que envolve menores de idade e o procedimento não é regulamentado aqui no Brasil.

As resoluções do Conselho Federal de Medicina regulamentam, de certo modo, as reproduções assistidas no Brasil, todavia, acerca das situações nas quais não há a participação de médicos – como na inseminação caseira – não podem ser aplicadas tais resoluções.

Afora isso, o Provimento 63/2017, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, possibilitou o reconhecimento extrajudicial das filiações socioafetivas e registro dos filhos havidos por métodos de reprodução assistida, mas não tratou da inseminação caseira. No referido provimento, são exigidos diversos documentos que aqueles que realizam a inseminação caseira não poderão apresentar (como documentos médicos).

Restando pendente de regulamentação a dupla maternidade em caso de nascimento de criança gerada por inseminação caseira, é somente por meio de uma determinação judicial que se torna possível a realização do registro em nome daquelas que pretendem o projeto parental.

Apesar de ser um tema polêmico, com diversos desdobramentos, a inseminação caseira já conta com adeptos no país, cabendo ao Direito, então, responder as causas que surgirem, mesmo que novas e inusitadas – sob pena de omissão da tarefa da prestação jurisdicional.

Em que pese não haja uma regulamentação na qual se enquadre a inseminação caseira, também não há previsão de penalidades quando da sua realização, até porque o CFM não é um órgão legislativo. Contata-se, portanto, uma “lacuna”.

O fato de não existir regramento que ampare a inseminação artificial caseira não pode servir, contudo, no entender do Direito Familiar, como fundamento para que as famílias originadas deste procedimento sejam impedidas de receber proteção jurisdicional.  

Nesse sentido, compartilha-se o entendimento do Elton COSTA, servidor junto ao TJMA[2]:

“Como a efetivação, na prática, da tutela jurisdicional protetiva do afeto e da pluralidade das conformações familiares, bem assim que não podemos olvidar, jamais, das situações reais vivenciadas pelas pessoas, tampouco ignorar as consequências jurídicas dessas relações. O Direito das Famílias não se revela contemplativo quando observado tão somente sob a fria letra da lei, muito menos sob a gélida ótica da sua ausência. O fato de não existir regramento legal que ampare a inseminação artificial caseira não pode servir como fundamento para que as famílias originadas deste procedimento sejam impedidas de receber o seu devido amparo jurídico. Em suma, família é amor, é afeto, é busca pela felicidade dos seus integrantes e não nos cabe – sociedade e/ou Estado-juiz – questionar de que modo ela se configura”.

Como se sabe, o Direito é um fenômeno sujeito à mutabilidade de conceitos sociais e precisa adaptar-se às mudanças de costumes.

Impedir o reconhecimento da dupla maternidade, por não ter a inseminação artificial sido realizada em uma clínica, centro ou serviço de reprodução humana violaria, pois, de forma frontal os princípios constitucionais da isonomia e da proteção à família, positivados nos artigos 5º, inciso I, e 226, caput, da Constituição Federal.

Isso não quer dizer, contudo, que eventual decisão judicial autorizando o pedido de dupla maternidade será proferida sem observar nenhum critério. Em qualquer ocasião, entende-se que o juízo deve avaliar alguns pontos relacionados ao caso, antes de decidir. Por exemplo, caso o bebê ainda não tenha nascido, deve-se verificar como se deu a construção daquele plano parental, e se contou com a manifestação de vontade expressa de ambas as envolvidas.

Caso se esteja a pleitear o reconhecimento da maternidade socioafetiva por aquela que não gestou, os requisitos a serem averiguados serão os mencionados no texto “’Pai ou mãe é quem cria!’: entenda o que é a parentalidade socioafetiva” (clique aqui).

Arethusa Baroni

Laura Roncaglio de Carvalho

___________________

[1] Se falássemos em casamento, abriríamos outra discussão, sobre a presunção da paternidade/maternidade, que não deve ser o foco do presente texto.

[2] Disponível em: https://ocivilista.com.br/2020/12/19/sentenca-sobre-inseminacao-artificial-caseira-no-maranhao/

Multiparentalidade: entenda esse novo conceito

Multiparentalidade

Vocês já se depararam com notícias como as seguintes?

  • Uma decisão inédita na Justiça Acreana garantiu que a menor A. Q. da S. e S. passe a ter o nome de dois pais em sua certidão de nascimento: o que a registrou e o biológico. (Acre)1.
  • A Justiça de Vitória da Conquista (BA), de forma inédita, homologou acordo concedendo adoção de uma criança a um casal de mulheres sem destituir o poder familiar da genitora, reconhecendo a tese da multiparentalidade. A criança terá o nome das três mães no registro de nascimento. (Bahia)2
  • A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada, presidente do IBDFAM/DF, com base na tese da multiparentalidade, decidiu que deve ser reconhecida tanto a paternidade socioafetiva como a biológica, com todos os seus efeitos legais, devendo constar no registro de nascimento da menor de idade a dupla paternidade e estabeleceu a guarda em favor da mãe e do pai afetivo, com a convivência livre a favor do pai biológico. (Distrito Federal)3
  • Uma criança da comarca de Nova Lima terá em seu registro o nome de duas mães e de um pai. Constará no documento o nome da mãe biológica e dos pais adotivos. (Minas Gerais)4
  • Agora, pela primeira vez no país, uma decisão judicial admite acrescentar ao registro de nascimento de menor adotado, o nome de seu genitor e de seus avós paternos, mantendo-se a paternidade adotiva e registral, com o acréscimo do patronímico do pai biológico. (Pernambuco)5
  • A Justiça do Rio de Janeiro reconheceu o direito de três irmãos terem duas mães, a biológica e a socioafetiva, em seus registros de nascimento. (Rio de Janeiro)6

Nem todas as notícias citadas acima são muito recentes (2014), mas, todas elas dizem respeito a casos em que foi reconhecida a MULTIPARENTALIDADE! De um modo geral, esse é um tema que pode ser considerado relativamente novo para o Direito de Família e é o assunto deste artigo.

Para começar, precisamos tecer um breve histórico para entendermos como o ordenamento jurídico brasileiro recebeu a multiparentalidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reconheceu as diversas formas de se constituir uma entidade familiar, abrindo espaço para um padrão diferente da família, com preocupações voltadas ao desenvolvimento individual dos integrantes do núcleo familiar e, principalmente, com a valorização da afetividade, perdendo força o caráter matrimonial e essencialmente patrimonial da família de outrora, construída quando da vigência do Código Civil de 1916.

Com o crescimento da importância dada à afetividade e com o reconhecimento da igualdade entre todos os filhos, o afeto passou a ser juridicamente mais relevante. Importante lembrar que, o afeto, juridicamente falando, não possui o mesmo significado da psicologia ou da filosofia, conforme já mencionamos no artigoPai ou mãe é quem cria!: Descubra como o Direito entende isso” (clique aqui). No âmbito legal, ele é demonstrado por condutas do cotidiano e não pelo mero sentimento em si.

Embora nem todas as inclinações afetivas gerem o vínculo socioafetivo de filiação, esta forma de exercício da parentalidade passou a ser recebida pela doutrina e pela jurisprudência, gerando, inclusive, todos os efeitos decorrentes da relação paterno-filial (ou materno-filial), ainda que não haja lei específica a regulamentando.

Primeiramente, com o reconhecimento das famílias homoafetivas (formada por pessoas do mesmo gênero – feminino/ masculino), abriu-se um precedente para a inclusão de mais de um pai ou mais de uma mãe no registro de nascimento dos filhos, já que, nesses casos, aconteceria sempre uma “dupla maternidade” ou “dupla paternidade”.

Verificou-se, ademais, que, embora os padrastos e madrastas não tenham, por lei, determinadas obrigações em relação aos seus enteados, com o aumento das famílias reconstituídas (formadas por quem já teve um casamento ou relacionamento anterior), aumentaram também as chances de aparecimento de laços afetivos que geram efetivamente uma relação de filiação socioafetiva.

Assim, nas famílias reconstituídas e nas demais modalidades familiares que possam surgir, algumas situações passaram a merecer ponderação, nas quais se cria uma relação de socioafetividade (que exige seu reconhecimento) sem que se desconsidere o valor e o contato com o genitor biológico.

Nesses casos, a multiparentalidade, ou seja, o estabelecimento de vínculo do filho com mais de um pai ou com mais de uma mãe, apresenta-se como solução ao novo impasse trazido pelas contemporâneas relações familiares. Com a aplicação da multiplicidade de vínculos, nenhum dos pais será excluído da relação familiar, o que, em muitos casos, vem em benefício do filho.

A multiparentalidade pode ser simultânea, quando ambos os pais (ou mães) exercem de fato a função que lhes cabe ou, ainda, temporal, quando um dos genitores faleceu e, no entanto, alguém assumiu o papel de pai ou de mãe, tornando-se referência para a criança ou adolescente.

Vale deixar claro que, a multiparentalidade gera todos os efeitos da filiação para os envolvidos e, por isso, somente deve ser estabelecida quando, de fato, ela estiver presente para os filhos, pois o principal vetor observado na resolução dos conflitos acerca de causas dessa natureza é o do melhor interesse da criança.

Conclui-se, portanto, que a multiparentalidade pode ser avaliada como uma das consequências do reconhecimento da filiação socioafetiva no Brasil.

Entende-se que a ausência de legislação específica sobre a multiparentalidade não impede que ela seja aplicada, até porque a maioria das questões que envolvem este assunto pode ser resolvida com base nas leis vigentes, sendo necessária, contudo, a interpretação de maneira distinta, com o intuito de proteger as entidades familiares, nos termos propostos pela Constituição e objetivando-se a adequação da regra ao caso concreto.

É preciso analisar profundamente cada hipótese de multiparentalidade que se apresentar, isso para que não sejam empreendidas injustiças e também para que fiquem sempre aparentes os efeitos dessa multiplicidade parental, evitando-se, desse modo, possíveis danos aos filhos e aos demais envolvidos.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

_____________________________________________________

2 http://www.ibdfam.org.br/noticias/5483/Acordo+garante+a+crian%C3%A7a+o+direito+de+ter+tr%C3%AAs+m%C3%A3es

3 http://www.ibdfam.org.br/noticias/5329/Multiparentalidade+preserva+interesse+do+menor

4 http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/crianca-tera-duas-maes-e-um-pai-em-seu-registro.htm#.VBtGxRYXM_I

5http://www.tjpe.jus.br/agencia-de-noticias?p_p_auth=UioV2Mmm&p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=435557&_101_type=content&_101_urlTitle=artigo-adocao-multiparental&redirect=http%3A%2F%2Fwww.tjpe.jus.br%2Finicio%3Fp_p_id%3D3%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dmaximized%26p_p_mode%3Dview%26_3_groupId%3D0%26_3_keywords%3DMULTIPARENTALIDADE%26_3_struts_action%3D%252Fsearch%252Fsearch%26_3_redirect%3D%252Finicio

“Pai ou mãe é quem cria!”: entenda o que é a parentalidade socioafetiva

E, como o amor as vezes acaba, para recomeçar em outros lugares, com outras pessoas, de outras formas, surgem novas possibilidade afetivas, seja para a conjugalidade ou parentalidade que podem nascer de novas conjugalidades ou não. Mas tudo isto só é possível porque na esteira da evolução do pensamento jurídico o afeto tornou-se um valor jurídico, e na sequência ganhou o status de principio jurídico. Enfim, o amor continua provocando revoluções.”1 Rodrigo da Cunha Pereira

“Pai é quem cria” ou “Mãe é quem cria”: certamente você já ouviu alguma vez na vida tais expressões, não é mesmo?

Contemporaneamente, tem sido mais comum colocar em prática o sentido delas, juridicamente falando, já que as relações familiares baseadas no afeto estão cada vez mais presentes e que o Direito tem voltado seu olhar para isso.

A família passou por diversas transformações ao longo dos anos, adaptando-se às mudanças da sociedade e, com o reconhecimento das diversas entidades familiares pela Constituição Federal, a paternidade e a maternidade assumiram um significado muito mais profundo do que a verdade biológica. Esse significado passou a ser baseado na afetividade. Surgiu, então, o conceito de parentalidade socioafetiva (baseada em outras ligações que não a genética).

  • Mas afinal, o que é afeto?

Podemos encontrar várias definições para essa palavra: sentimento, paixão, amizade, amor, simpatia…No entanto, o afeto vai além disso, e está muito relacionado à ligação, aos laços, aos vínculos criados entre as pessoas.

Para o Direito de Família, o afeto tem que se transformar em relação. Podemos dizer, então, que “afeto” diz respeito ao sentimento de imenso carinho, cuidado e, principalmente, ao vínculo e relação que temos com alguém.

Atualmente, a palavra “afeto” tem sido utilizada com maior frequência nas discussões relacionadas ao Direito de Família. A insistência na utilização dessa palavra não é à toa, tendo em vista que as relações familiares têm sido repetidamente estruturadas com base no afeto.

Importante dizer, porém, que não se pode confundir o conceito de afetividade nos casos de paternidade ou maternidade socioafetiva com o conceito trazido pelas áreas, por exemplo, da filosofia e da psicologia.

É que, juridicamente, a afetividade será averiguada por meio da análise de condutas cotidianas. No âmbito jurídico, ela é mais do que o sentimento em si, sendo demonstrada através da prática, com estabilidade, de comportamentos caracteristicamente familiares, tais como a assistência material e a proteção do filho.

Quando falamos em filiação socioafetiva estamos tratando da relação entre pais, mães e filhos, cuja origem vem do vínculo afetivo existente entre eles, não sendo necessário que haja um vínculo genético, ou seja, para ser mãe ou pai, não é preciso ter sido aquele que gerou o filho, mas sim, aquele que exerce, de fato, a função paterna ou materna.

Assim, para o Direito, os laços de sangue não são mais, por si só, suficientes para garantir um parentesco, passando a ser admitido, portanto, que uma família seja constituída a partir do vínculo afetivo existente entre seus componentes.

No entanto, ressalte-se que o afeto só se tornará juridicamente relevante quando exteriorizado na vida social dos membros da família através da prática, por exemplo, de condutas atinentes à autoridade parental, não bastando o mero sentimento de carinho.

Para saber mais sobre autoridade parental, confira o artigo “O que é autoridade parental?” (clique aqui).

  • Parentalidade socioafetiva

Como exemplos em que se pode considerar a afetividade, podemos citar casos em que uma criança foi registrada somente com o nome da mãe, pois não havia certeza quanto ao genitor e nem sobre o seu paradeiro.

No entanto, esta mãe acabou se casando e seu parceiro passou a assumir espontaneamente as responsabilidades em relação à criança, criando-a como se fosse seu filho, assumindo o papel de figura paterna. Nesse caso, a filiação está estritamente baseada na relação de afeto, nos laços que foram criados entre a criança e aquele “pai de criação”.

Do mesmo modo, pode acontecer com uma criança que tem o nome do pai biológico registrado, com quem nunca teve contato e não criou laços de afeto, mas foi criado pelo homem com quem sua mãe se relacionou depois do seu nascimento e convive até hoje, tendo ele como referência paterna.

Neste caso, poderá ser admitido que este “pai de criação” seja registrado efetivamente como pai também, ou seja, poderá haver no registro de nascimento o nome dos dois pais.

Lembramos que estes exemplos também podem ser aplicados em relação às mulheres, que podem ser mães socioafetivas (ou seja, “mães de criação”) e, ainda, podem ir além da relação homem e mulher, estendendo-se inclusive às relações homoafetivas (“Casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo” – clique aqui).

É muito importante observar que a filiação socioafetiva produz efeitos jurídicos, e isto significa que, a partir do momento em que se estabelece esta relação afetiva e um pai e/ou uma mãe registra um filho socioafetivo como se fosse seu filho legítimo, todos os efeitos decorrentes da filiação serão aplicados (ex.: o filho socioafetivo passa a ser herdeiro assim como os filhos biológicos, sem qualquer distinção, bem como passa a ter direito a receber alimentos e eventuais benefícios previdenciários.)

De maneira resumida, pode-se dizer que a filiação socioafetiva deverá ser baseada em uma relação de afeto, em que há convivência e tratamento recíproco durante um razoável período de tempo, concretizando a ligação entre a figura paterna/materna e o filho. É uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação diante de terceiros como se filho fosse.

Portanto, é muito importante que as relações afetivas sejam valorizadas, entendidas e respeitadas, para que não se corra o risco de a filiação socioafetiva tornar-se banalizada visando apenas benefícios patrimoniais.

Vale dizer que, o fato de ser valorizada a afetividade não faz com que aquele genitor que não consegue, por questões de personalidade, por exemplo, demonstrar o afeto (carinho) esperado, deixe de ser considerado pai ou mão, desde que ele efetivamente exerça a função paterna ou materna.

Conclui-se, portanto, que, em um momento anterior, somente eram considerados os laços biológicos para a constituição da família, porém, com a evolução da sociedade, o Direito precisou estar atento às transformações, passando a considerar também o modelo familiar constituído com base na afetividade.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho


1 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A família de Nazaré e a parentalidade socioafetiva. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/artigos/1087/A+fam%C3%ADlia+de+Nazar%C3%A9+e+a+parentalidade+socioafetiva>

Sair da versão mobile