Até que ponto o Judiciário pode interferir na sua vida?

Se você é nosso leitor e nos acompanha há algum tempo, já deve ter percebido que sempre indicamos que o melhor seria que todas as questões familiares fossem resolvidas por meio do diálogo, ainda que com intermédio de profissionais terapêuticos.

Isso porque acreditamos que as próprias partes – melhor do que outras pessoas que não estão vivendo aquela relação – é que são as mais capacitadas para decidir sobre seu próprio destino e o dos filhos.

Determinadas situações devem ser levadas ao Judiciário, especialmente quando há algum caso de vulnerabilidade dos envolvidos ou de risco para as crianças, que estão em fase de desenvolvimento. No entanto, no artigo de hoje, falaremos sobre a ideia de “intervenção mínima do Estado nas famílias” ou de “Direito de Família mínimo”.

O que isso quer dizer?

Pois bem, como já falamos em textos anteriores, as leis que regem o Direito de Família estão em constante transformação, até porque as mudanças sociais exigem que as leis também mudem para se adaptar aos padrões da sociedade, atendendo às suas necessidades. Tendo isso em vista, podemos imaginar que, no passado, o estado interferia muito mais nas relações particulares das pessoas e, com o decorrer do tempo, passou-se a valorizar uma intervenção mínima.

Explicamos:

A título de exemplo, podemos mencionar que, em outros tempos, se um casal quisesse se separar, a lei determinava que eles deveriam ter, pelo menos, dois anos de casados (sendo amigável) para formular o pedido na Justiça, ou um deles deveria demonstrar a culpa do outro pelo fim do relacionamento (sendo litigioso). É certo, porém, que se tratava de uma intervenção desnecessária do Estado.

É que, se duas pessoas se casaram, se elas não querem mais viver juntas, e se existe a possibilidade do divórcio (ou da separação), qual seria o sentido de se manter a obrigatoriedade, por lei, de que ficassem casadas por dois anos, antes de poderem se separar?

O que acontece é que, antigamente, o matrimônio possuía um caráter muito mais patrimonial e nem sempre era baseado no amor e no afeto. Contudo, com o aumento da liberdade e com a valorização da dignidade da pessoa, a norma que impunha as condições mencionadas acima deixou de fazer sentido, motivo pelo qual foi posteriormente alterada.

Atualmente, até mesmo por conta da Constituição Federal de 1988, as pessoas podem pedir o divórcio a qualquer momento, desde que não tenham mais vontade de permanecer juntas, como já visto no artigo Quero me divorciar, e agora?” e essa norma parece corresponder muito mais à liberdade das pessoas, que é um direito fundamental.

Podemos também dar um exemplo no qual o estado continua intervindo. Conforme explicamos no artigo Quais são os regimes de bens existentes?”, os interessados em se casar podem escolher o regime de bens de seu casamento, ou seja, possuem liberdade para optar pelas formas previstas em lei e, caso entendam como necessário, podem pactuar uma forma diversa.

Mas existem algumas situações específicas nas quais essa liberdade de escolha é proibida pelo Direito. Por exemplo, para que as pessoas maiores de 70 anos possam se casar, a lei obriga que o regime seja o da separação de bens (leia mais sobre esse regime de bens aqui), ou seja, eles não possuem escolha. Ou é assim, ou não casam. Existe essa imposição do Estado porque se presume que sejam pessoas em um estado de maior vulnerabilidade, o que justificaria a intervenção na escolha, embora para outras pessoas ela permaneça sendo livre.

Em relação aos processos envolvendo crianças, tais como os de guarda e de convivência, o que se vê é que os pais, muitas vezes, não conseguem conversar de forma equilibrada e sensata, agindo somente na busca de seus interesses, com acusações mútuas, o que não contribui para o crescimento sadio dos filhos.

Nestes casos, os genitores esquecem, ou não se atentam para o fato de que o Judiciário não possui os instrumentos necessários para decidir pequenas questões do cotidiano dos filhos – seja por falta de conhecimento aprofundado da relação das partes, seja pela falta de estrutura física e funcional dentro dos Fóruns – que poderiam ser melhor resolvidas caso os genitores mantivessem um diálogo amigável, ao menos em relação às questões ligadas aos filhos, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Por isso, é importante pensar na ideia do “Direito de Família mínimo”, ou seja, pensar que, apesar de o Juiz poder tomar diversas medidas dentro de um processo judicial quando verificar que existem situações de risco que justifiquem estas medidas, ele não está envolvido naquele relacionamento, e dificilmente saberá o que é melhor, de fato, para a rotina dos filhos e da própria família.

Ele atuará, portanto, visando o interesse da criança, com o auxílio de uma equipe de psicólogos e assistentes sociais, tendo por objetivo minimizar os danos que os conflitos dos pais podem causar ao filho.

Assim, entendemos que, antes de recorrer ao Judiciário, as pessoas precisam parar para refletir sobre o que elas preferem: tomar as decisões sobre as próprias vidas, ou deixar isso na mão do judiciário?

Pensem: Até que ponto o Judiciário vai ser tão eficaz em resolver todos os seus problemas familiares? Será que não existem situações que podem ser tratadas fora do âmbito judicial, quem sabe com o auxílio de terapeutas especializados na área ou até mesmo se os envolvidos estiverem abertos a resolver as questões amigavelmente?

O ideal é que os genitores, sempre em nome do amor e da preocupação que devotam aos filhos, possam se entender através do diálogo e do bom senso, a fim de que os pequenos deixem de ser expostos a situações que comprometam seu desenvolvimento.

Além disso, o diálogo e o entendimento se mostram a melhor saída não só em relação aos filhos, mas também para o relacionamento dos genitores e de todos os envolvidos nestas disputas familiares, que tendem a crescer quando todos estão “cegos” pelas brigas e desentendimentos.

Percebe-se que muitas vezes as situações de brigas e desentendimentos não se amenizam com a existência de um processo judicial. Pelo contrário, as partes tornam-se mais inflexíveis e fechadas para um diálogo, com a ilusão de que o Juiz resolverá todos os seus problemas familiares.

O Judiciário e a lei devem cumprir seu papel, mas é certo que nem sempre uma “sentença” consegue resolver todas as questões. Apesar de mostrar um “caminho” em alguns casos, a decisão judicial, por si só, não faz cessar os conflitos se as partes não estiverem abertas para isso.

Arethusa Baroni

Flávia Kirilos Beckert Cabral

Laura Roncaglio de Carvalho

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