Especialmente em ações que versam sobre a guarda de filhos, essa é uma dúvida que aparece muito: “a criança pode ser ouvida no processo?”.
Muitos pais pretendem, por exemplo, que seus filhos sejam ouvidos para manifestarem o desejo de permanecer com um ou com outro genitor. No entanto, vamos alertar neste artigo que a questão não é tão simples assim!
Já mencionamos em diversos textos que o principal vetor a ser observado nas ações de guarda de filhos (“O que é guarda de filhos e quais as modalidades existentes?”) e de regulamentação da convivência (“Convivência familiar: um direito de todos!”) é o superior interesse da criança e do adolescente envolvido naquela situação.
Diante disso, muitos podem se perguntar o seguinte: mas então, a oitiva da criança não seria uma oportunidade de ser respeitado seu interesse?
É necessário refletir sobre esse questionamento, porque o interesse da criança ou adolescente não pode ser definido objetivamente, já que a aplicação deste critério só vai tomar forma e se tornar eficaz no exame de cada caso e de acordo com as circunstâncias que lhe permeiam (“O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente em ações de guarda de menores”). Isso significa dizer que o interesse da criança e as suas necessidades podem ser diferentes, dependendo da situação fática em que ela se encontra.
No artigo “Empatia aplicada ao Direito de Família!” (clique aqui) explicamos a importância de saber “se colocar no lugar do outro”. Por isso, podemos refletir sobre as situações nas quais os pais pretendem que as crianças sejam ouvidas. Será que eles não querem a oitiva apenas para servir de “prova”, já que estão focados apenas no seu próprio interesse em conseguir a guarda do filho?
Não seria melhor se conseguissem enxergar que, em determinados casos, aquela situação deixará o filho em uma posição desconfortável? É só imaginá-lo ali, de frente para o juiz (alguém desconhecido), em um ambiente pouco acolhedor, tendo que expor seus pensamentos em relação a um conflito no qual está envolvido, mas do qual não pediu para participar. Isso tudo sem levar em conta também que, eventualmente, o rompimento de seus pais pode não ter sido bem trabalhado psicologicamente. Assim, não parece que a oitiva seja uma situação tranquila, não é mesmo?
Por outro lado, é certo que os pensamentos da criança também devem ser considerados. Assim, tem-se que o ideal seria a realização de entrevista com os filhos pela equipe técnica do Juízo (psicólogos e assistentes sociais), cuja abordagem soa menos prejudicial e traumática.
Caso, no entanto, não exista essa possibilidade e se opte por, efetivamente, ouvir a criança em audiência no processo – seja por falta de estrutura ou outro motivo – entendemos que se deve ter o máximo cuidado, com a observância de alguns aspectos cruciais:
a) presença de um psicólogo imparcial para ajudar a criança a compreender o que está acontecendo; para auxiliar que ela vença a inibição e faça relatos sinceros; e também para eventualmente “traduzir” o real significado de suas palavras naquele contexto (isso porque as crianças – dependendo da idade – não possuem discernimento suficiente e a organização psíquica delas pode ficar comprometida com a pressão de estar em uma situação dessas);
b) ser levado a termo o depoimento (ou seja, ser escrito em papel ou em arquivo), possibilitando-se a manifestação das partes, posteriormente, sobre o que foi dito;
c) presença dos advogados;
d) se possível, a realização da oitiva em sala especial.
Além disso, deve-se considerar que, mesmo que sejam tomadas as providências mencionadas acima, o efeito prático da oitiva nem sempre será eficaz, porque há risco de confusão entre a realidade e a fantasia na mente dos pequenos. O juiz deverá analisar, portanto, quando aquela prova vai ser essencial no feito ou não, e o quanto ela poderá ser considerada para o julgamento da ação.
Ressalte-se que, a questão não é tratar todas as crianças ou adolescentes como se não tivessem capacidade para manifestar suas vontades, pois eles são capazes disso, embora estejam em fase de formação. A questão é perceber o menor de idade em sua real dimensão, considerando que seu discernimento pode ser suficiente para alguns atos e para outros, não.
O certo é que não é razoável expor os filhos a situações traumáticas, como a de ter que optar por um dos genitores – o que poderia ser constrangedor – de modo que o mais adequado seria buscar outras formas de averiguação da situação que envolve cada caso, antes de serem tomadas outras medidas.
Arethusa Baroni
Flávia Kirilos Beckert Cabral
Laura Roncaglio de Carvalho